Estranho sinal sísmico que durou nove dias associado a maremoto com 200 metros na Gronelândia
Em 2023, um estranho sinal sísmico que durou nove dias foi agora associado a uma derrocada desencadeada pelo degelo, que gerou um maremoto na Gronelândia. E é aviso do risco das alterações climáticas.
Um invulgar sinal sísmico que durou nove dias foi observado em várias estações da Terra em Setembro de 2023. O fenómeno levou uma vasta equipa de cientistas a investigar o que esteve por trás do ocorrido. Os investigadores chegaram à conclusão de que o sinal teve origem num deslizamento de terras na costa leste da Gronelândia.
A 16 de Setembro, 25 milhões de metros cúbicos de terra e gelo afundaram-se num fiorde, gerando um maremoto de 200 metros e um movimento de águas continuado que reverberou pela crosta, de uma forma ritmada, ao longo de nove dias, descreve um artigo na Science publicado nesta quinta-feira, em que se explica pela primeira vez este tipo de fenómenos.
A derrocada, causada pelo degelo provocado pelo aquecimento global, é mais uma prova do perigo das alterações climáticas para estas latitudes.
“É fascinante que, em 2024, ainda seja possível fazer descobertas deste tipo sobre o nosso globo”, adianta Kristian Svennevig, chefe da equipa que investigou o fenómeno e primeiro de 68 autores que assinam o artigo, num email enviado ao PÚBLICO. “Além do mais, o nosso estudo sublinha que as alterações climáticas estão a causar deslizamentos de terra num novo canto do Árctico”, explica o investigador, do Serviço Geológico da Dinamarca e Gronelândia.
As derrocadas de terra junto a zonas de água podem desencadear potentes maremotos, com o risco de causar danos materiais e matar pessoas. Em 2017, um deslizamento de terra ocorrido no fiorde Karrat, na costa ocidental da Gronelândia, provocou um maremoto que inundou a aldeia de Nuugaatsiaq, destruindo 11 casas e matando quatro pessoas.
Agora, a derrocada e a subsequente onda gerada no fiorde de Dickson, no lado oposto da Gronelândia, embora não tenha provocado mortos ou feridos, causou prejuízos na ordem dos 180.000 euros ao destruir infra-estruturas numa estação de investigação na ilha Ella, que fica a algumas dezenas de quilómetros a leste da origem da derrocada.
No caso do acidente de 2017, não havia gelo nas redondezas, por isso os cientistas não sabem o que esteve na origem daquele deslizamento de terras. Mas o deslizamento de 2023 terá sido resultado da degradação do pergelissolo (permafrost, em inglês), o solo congelado que está abaixo da superfície nas latitudes mais a norte e tem sido afectado pelo aquecimento do planeta. “Neste caso é mais provável que tenha sido o resultado da degradação do pergelissolo”, confirma Kristian Svennevig, um fenómeno que tem sido observado com recorrência na costa oeste da Gronelândia.
“A sequência de eventos foi originalmente pré-condicionada pela diminuição da espessura do glaciar induzida pelas alterações climáticas”, lê-se já na conclusão do artigo. A diminuição da espessura do glaciar acaba por diminuir o apoio que sustenta a encosta da montanha, que desaba.
“Completamente perplexo”
A enorme quantidade de matéria que desabou – suficiente para encher 10.000 piscinas olímpicas – acabou por escorregar pelo vale até mergulhar nas águas do fiorde. Aqui, originou uma primeira onda de 200 metros, que depois resultou em “duas ondas de cerca de cem metros”, adianta o investigador. Estas ondas, ao afastarem-se do ponto inicial nos dez quilómetros a jusante, e ao se espalharem por uma área maior dentro o fiorde, acabaram por diminuir para um tamanho de sete metros nos minutos seguintes, de acordo com os cálculos dos cientistas.
O que causou o sinal sísmico foi justamente o balançar destas ondas de um lado para o outro nos dias seguintes, num fenómeno conhecido como “seicha”. As seichas ocorrem em corpos de água confinados ou semiconfinados, como no caso dos fiordes, e podem ser originados por fenómenos meteorológicos, sísmicos ou outros. “As ondas causadas pela perturbação viajam ao longo do corpo hídrico até à margem oposta, onde são reflectidas, indo interferir com as incidentes. As interferências entre as múltiplas reflexões acabam por gerar um padrão de onda estacionária”, explica-se no glossário na Revista de Gestão Costeira Integrada, no site da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos.
Ao longo dos dias, as ondas de sete metros foram diminuindo até se tornarem ondas de centímetros. Este sistema de ondas continuado originou o sinal sísmico que “foi observado em todo o globo e foi detectado durante nove dias”, refere Kristian Svennevig, adiantando que é um sinal sísmico muito diferente daqueles associados aos sismos que são sentidos por nós.
“Quando vi pela primeira vez este sinal sísmico, fiquei completamente perplexo”, explica, por sua vez, Stephen Hicks da Universidade College London, co-autor do estudo, num comunicado daquela instituição. “Apesar de sabermos que os sismómetros podem registar uma variedade de fontes [sísmicas] à superfície da Terra, nunca antes tinha sido registado uma onda sísmica que viaja ao redor do globo de forma tão duradoura, contendo uma única frequência de oscilação.”
A ligação entre o sinal sísmico e o fenómeno ocorrido a 16 de Setembro foi feita graças aos dados sísmicos, a imagens do local tiradas na região, antes e depois do fenómeno, a imagens do satélite, a medições feitas no terreno e a simulações criadas para analisar as ondas do maremoto.
“Esta é a primeira vez que o balançar de águas foi registado enquanto vibração através da crosta da Terra”, afirma Stephen Hicks. Desta forma, foi possível fazer uma “intrincada interconexão entre as alterações climáticas na atmosfera, a desestabilização do gelo na criosfera, os movimentos dos corpos de água na hidrosfera e a crosta sólida da Terra na litosfera”, resume.
O fenómeno serve também como um aviso que os cientistas querem usar para mostrarem a necessidade da prevenção em relação a fenómenos idênticos que possam ocorrer no futuro, nas regiões do Norte, onde o degelo pode criar mais condições para os deslizamentos de terra.
“É muito claro pelas nossas observações de que [estes fenómenos] estão a ocorrer com mais frequência nas últimas décadas do que no passado”, diz Kristian Svennevig, prevendo que, no futuro, iremos observar mais eventos deste tipo, com o risco de se atingir centros populacionais, como no caso de 2017. “Para reduzir o risco, precisamos de estudar este fenómeno mais detalhadamente e mapear o sistema do Árctico.”