Perto de 300 investigadores de todo o mundo pedem às autoridades da Madeira para “honrarem os seus compromissos” em relação à área marinha protegida da Reserva Natural das ilhas Selvagens, a maior da Europa, e “continuarem no caminho para o objectivo global de proteger 30% dos oceanos até 2030“, numa carta publicada nesta quarta-feira na prestigiada revista Nature, que denuncia a permissão da pesca comercial de atum e gaiado naquela reserva.
“Políticos locais abriram a maior reserva marinha da Europa à pesca comercial”: é este o título e o alerta da missiva, na edição online da revista, assinada por Enric Sala, fundador do programa Mares Prístinos e explorador da Sociedade National Geographic, e subscrita por centenas de pessoas, entre as quais, dois prémios Pessoa, Tiago Pitta e Cunha, presidente executivo da Fundação Oceano Azul, e o biólogo Miguel Bastos Araújo.
A preocupação pela reserva das Selvagens é a preocupação por um património marinho com 2677 quilómetros quadrados à volta daquelas ilhas, que se tornou a maior reserva marinha europeia desde 2022, quando foi promulgado o diploma que ampliou o tamanho da reserva em 27 vezes.
A reserva tem o estatuto de protecção integral, proibindo a pesca comercial naquela área. Mas, recentemente, o Governo regional de Miguel Albuquerque quis alterar este regime para permitir a pesca do atum e do gaiado. A decisão fez parte das negociações para a aprovação do orçamento com o Chega-Madeira, que tinha exigido a legalização da pesca daquelas espécies comerciais ao largo das Selvagens.
Desde 12 de Julho que as autoridades estão a dar permissões de pesca na reserva marinha, em que 90% do que é pescado pode ser vendido, adianta a carta agora publicada, referindo que a primeira permissão resultou na pesca de meia tonelada de gaiado. Logo em Julho, sete associações ambientalistas vieram criticar a posição do governo regional, referindo que a pesca iria comprometer a integridade ambiental da reserva e pôr em causa o empenho que houve ao longo de anos para proteger aquele habitat.
Agora, o alerta vem da comunidade científica internacional. “A decisão das autoridades regionais de reverterem o compromisso de se banir a pesca [na reserva] põe em risco um dos últimos ecossistemas marinhos intactos na região Norte do oceano Atlântico”, lê-se na carta, subscrita também por Peter Thomson, enviado especial das Nações Unidas para o Oceano, por Rashid Sumaila, director da Unidade de Economia das Pescas da Universidade de Colúmbia Britânica (Canadá), por investigadores na Europa e nos Estados Unidos, e por dezenas de cientistas portugueses de centros que se dedicam ao estudo e à conservação dos oceanos, como João Monteiro, do Mare – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Madeira, e Joana Xavier, do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar), da Universidade do Porto.
“Não há nenhum aconselhamento científico ou avaliação do impacto que apoiem esta decisão, e não foram demonstradas nenhumas perdas económicas ou sociais que a justificassem”, explica a carta, acrescentando que espécies como o atum, que migram ao longo dos oceanos, podem ser pescadas fora da reserva, no resto da enorme área marinha pertencente à Madeira. “Os ecossistemas intactos e completamente protegidos nos mares europeus são raros e não podem estar à mercê dos caprichos de ciclos políticos e eleições”, remata a carta.