O alarmismo climático e a consequente desacreditação (parte 1)
Olhando para algumas notícias ao longo dos últimos tempos, na maior parte até baseada em estudos científicos, a realidade e o futuro da humanidade aparentemente apresentam-se-nos com um quadro assustador que poderá, na perspetiva da mensagem, ser contraproducente. Algo que tem contribuído, em certa medida, para a frustração e angústia de todos os que se preocupam, e em especial dos jovens. E eu me confesso, pois habitualmente costumo escrever e falar sobre temas cujo teor é alarmante. Tentando mostrar da minha parte uma realidade por vezes esquecida ou, em alguns casos, omitida, mas sempre suportada por análise matemática consubstanciada em dados válidos e em métodos que sejam minimamente robustos e fiáveis. Embora querendo ser realista, reconheço o inevitável “alarmismo” na minha mensagem. Mas sempre me questionando se esta é a forma mais correta de comunicar. Como fugir ao alarmismo climático sem perder a credibilidade?
Por vezes, leio notícias que me despertam a curiosidade de matemático, experimentalista e analista, por me parecerem exageradas ou mesmo erradas. O que me leva, algumas vezes, a fazer a devida análise sobre o resultado divulgado. Quando leio que se concluiu que morreram mais de 61 mil pessoas devido às ondas de calor de 2022 na Europa e mais de 2,2 mil em Portugal; que as alterações climáticas no final do século poderão causar mais de 85 mil mortes em Portugal; que em 2022 e 2023 aumentou a mortalidade infantil em Portugal; ou ainda, que a Corrente Meridional do Oceano Atlântico (AMOC) pode entrar em colapso já a partir de 2025, fico deveras perplexo e desapontado com a falta de rigor científico nas afirmações, nas conclusões ou na sua interpretação por parte da comunicação social em geral. Fico também preocupado com quem comunica ciência e traz estas notícias sem as enquadrar devidamente, sem explicar os pressupostos, as limitações da sua investigação e, sobretudo, a incerteza das conclusões.
É certo que em Portugal o jornalismo científico praticamente ainda não existe, pese embora o esforço de alguns jornalistas e de alguns editores e redações. Mas, às vezes, é mesmo falta de literacia científica básica ou má interpretação e compreensão das conclusões. Bem sei que as ciências se dividem em múltiplas áreas e disciplinas, e estas subdivididas em várias especialidades. O caso da pandemia de covid-19 foi um bom exemplo dessa multidisciplinaridade que existe em ciências, e as alterações climáticas e seus impactos é outro bom exemplo. Se adicionarmos engenharias, tecnologias, medicina, ciências farmacêuticas, veterinária, setores florestal e agroalimentar, multiplicamos por três ou quatro as especialidades científicas.
Associado ao pressuposto “desinteresse” do público por coisas “complicadas”, e por vezes assustadoras, como as ciências exatas e naturais, suas teorias e seus estudos, estas têm sido áreas de muito pouco investimento na comunicação social. Acresce a isto a falta de cientistas multidisciplinares, para além, claro está, da indisponibilidade, insegurança e receio de alguns cientistas em aparecer nos meios de comunicação social. Pese embora se verifique o sucesso de alguns grandes comunicadores de ciência como, entre outros, os professores Carlos Fiolhais, Carvalho Rodrigues, Fernando Catarino e Galopim de Carvalho (apenas para referir algumas boas referências conhecidas).
É certo que alguns jornalistas fazem o seu trabalho. Estes, na dúvida ou no desconhecimento, contactam cientistas especialistas para lhes tirar dúvidas, esclarecer sobre certos resultados científicos, para fundamentar e garantir o rigor da notícia que querem produzir, enfim, para escrutinar a informação. Nesse caso, verificam-se corretamente os factos e combatem-se as fake news. Mas nem sempre uma “má notícia” é uma falsa notícia. Pois a notícia pode enviesar o conteúdo ou o resultado científico, quer por interesse de sensacionalismo jornalístico, quer simplesmente por iliteracia ou desconhecimento, sem que a informação difundida esteja completamente errada. Não sendo falsa, a notícia conduz à perceção errada da verdade científica e, consequentemente, aumenta a iliteracia e as narrativas que alimentam fake news.
Voltando ao “alarmismo climático”. Uma parte dos resultados científicos divulgados é baseada em inferência estatística (em alguns casos, apenas suportados por estatística descritiva), o que significa que resultam de um dado tratamento estatístico sobre um conjunto de dados para se chegar a conclusões. E nem sempre os métodos e as metodologias são os mais robustos e fiáveis (conceitos estatísticos), mas devem, por regra, ser sempre acompanhados por uma medida de precisão ou incerteza. Uma outra parte dos resultados científicos é baseada na formulação (mais ou menos) rigorosa dos processos físicos, químicos ou biológicos, que traduzem ou tentam traduzir, com maior ou menor aproximação, a realidade natural. Ambas as abordagens aplicam o método científico.
As metodologias baseadas em processos são as mais robustas e corretas, por descreverem o mais aproximadamente possível o processo natural. Contudo, podem implicar uma complexidade matemática e um volume de tratamento de dados tal, ou, ainda, traduzir apenas uma parte da realidade, que por vezes se tornam inviáveis ou impossíveis de serem aplicadas. Outras vezes, devido à simplificação e redução da complexidade numérica, tornam-se uma fraca aproximação do processo real, pelo que podem apresentar elevado erro ou desvio da “verdade”. Daí se recorrer com frequência aos métodos estatísticos que funcionam como uma ferramenta suplementar ou alternativa que tem sido fundamental nas ciências. É como diz o ditado: “Quem não tem cão caça com gato.”
Quer nas ciências do clima, quer nas ciências da saúde, existem os dois processos (tal como nas outras ciências, incluindo as económicas). Lembremo-nos, por exemplo, dos modelos de epidemiologia matemática da covid-19, muito semelhantes, na sua natureza e do ponto de vista matemático, aos modelos físico-matemáticos na modelação do clima. São exemplos de modelos baseados em processos que descrevem matematicamente o fenómeno. Nos exemplos de notícias que dei em cima, todos os resultados foram baseados na estatística de dados numéricos, incluindo a do possível colapso da AMOC ainda neste século.
Face às ameaças das notícias falsas, do jornalismo sensacionalista, da desinformação, da iliteracia científica e da falta de boa comunicação em ciências, é urgente um maior investimento do país no jornalismo científico, em programas educativos, programas de debate ambiental e climático na comunicação social, bem como na boa comunicação de ciências.
Finalizo deixando uma palavra de apreço, congratulação e agradecimento ao jornal PÚBLICO, por ter apostado há pouco mais de um ano na secção Azul, dedicada exclusivamente às ciências naturais, com especial ênfase no ambiente e nas alterações climáticas, promovendo a informação e a divulgação científica. Outros meios de comunicação deveriam seguir este bom exemplo.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico