Proteger de forma efectiva os 30% da nossa área marinha é o principal desafio
Proteger o oceano de forma efectiva é inquestionavelmente urgente, mas também constitui um enorme desafio. Foi, por isso, com muito agrado que ouvimos o primeiro-ministro António Costa a reforçar o compromisso político de classificar 30% da nossa área marinha até 2030, em linha com as novas metas que estão a ser discutidas internacionalmente no âmbito da Convenção para a Diversidade Biológica. Este compromisso, reiterado publicamente a 27 de Junho durante a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, e que o Estado Português já tinha subscrito na Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030 e incorporado na sua Estratégia Nacional para o Mar, é sem dúvida determinante para se atingir a designada meta global 30x30 (ou seja, proteger 30% do oceano até 2030).
Mas não chega apenas classificar como protegidas 30% das áreas marinhas nacionais no papel: os benefícios ecológicos e socioeconómicos das áreas marinhas protegidas (AMP) apenas serão conseguidos se as áreas classificadas forem seleccionadas de forma criteriosa; se forem implementadas e cumpridas medidas de gestão que visem a protecção e recuperação da biodiversidade e dos seus habitats; e se for promovido o equilíbrio com as actividades humanas quer nas AMP quer nas áreas adjacentes.
Neste sentido, e pela primeira vez na história, a meta 30x30 vem acompanhada pelo objectivo de delimitar pelo menos 10% desses 30% de área marinha com elevada protecção, ou seja, pelo menos 10% de área protegida terá de estar sujeita a fortes medidas restritivas ou mesmo ausência de actividades extractivas ou idealmente sem usos humanos (por exemplo, reserva no-take ou integral).
Os benefícios das AMP dependem de diversos factores, sendo estes, por norma, mais significativos nas AMP de maiores dimensões, implementadas há mais tempo, com medidas de protecção mais fortes e com elevado grau de cumprimento da regulamentação existente. O verdadeiro envolvimento das comunidades locais, desde a fase de planeamento e em todas as fases de implementação, é também um factor determinante para o sucesso de uma AMP. Mas mais ainda: a adequada selecção das áreas mais importantes para a biodiversidade – como por exemplo zonas de alimentação, refúgio, berçário e reprodução, bem como áreas importantes para espécies raras, sensíveis ou ameaçadas e áreas com elevados níveis de biodiversidade (hotspots) – contribui enormemente para o sucesso destas políticas.
As áreas marinhas protegidas devem ser ecologicamente representativas da diversidade de espécies e habitats existentes no mar nacional. Esta representatividade é a chave para o sucesso destas AMP como ferramentas de conservação e deve ser conseguida não só ao nível da percentagem global de área marinha a proteger (os 30%), mas também ao nível da sua protecção estrita (os 10%), significando que todos os habitats e espécies com interesse para a conservação devem estar representados e sob medidas de elevada protecção.
Apesar de todo este processo de selecção das áreas marinhas a proteger ser manifestamente complexo, Portugal tem já um vasto trabalho desenvolvido, com os critérios orientadores e objectivos estratégicos bem definidos para a implementação de uma Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas (RNAMP), publicados pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 143/2019. Portugal está, assim, numa posição privilegiada para completar adequadamente a sua rede de AMP, seleccionando áreas marinhas e costeiras que sejam ecologicamente representativas e funcionem coerentemente numa rede. Embora muita da nossa área marinha (18 vezes maior do que a área de Portugal Continental) esteja ainda por estudar, existe informação científica suficiente para avançar no processo.
Segue-se então o enorme desafio, provavelmente o mais complexo: o de elaborar e implementar planos de gestão em cada uma das AMP designadas. Deve ser definido um conjunto de medidas adequadas ao cumprimento dos objectivos biofísicos, socioeconómicos, de gestão e de governança para os quais as AMP são designadas, desde a fase de planeamento à fase de implementação. Na impossibilidade de desenvolver tais planos de gestão atempadamente, deve-se, no mínimo, implementar medidas restritivas às actividades de elevado impacto permitidas dentro da AMP e planificar o desenvolvimento e implementação desse plano de gestão a curto-prazo, evitando assim que as áreas marinhas protegidas apenas existam “no papel”.
As medidas restritivas das actividades humanas são as que geram mais contestação; são também as mais relevantes para o sucesso das AMP, porque reduzem as pressões humanas sobre a natureza. Neste sentido, as medidas a implementar devem ter como base informação de qualidade e escala espacial adequada, tanto ecológica como socioeconómica, de forma a encontrar o melhor equilíbrio entre a conservação e a sustentabilidade das diferentes actividades que sejam compatíveis com os objectivos de conservação.
É ainda essencial garantir que o investimento é assegurado e que, a longo-prazo, as próprias AMP se autofinanciem. Este ponto é certamente central para o sucesso do objectivo de proteger 30% da área marinha nacional, em que 10% estão sob protecção estrita.
O oceano é uma fonte inigualável de benefícios que garantem a nossa sobrevivência, desde a regulação do clima ao alimento que nos proporciona. É fundamental garantir o seu funcionamento saudável e uma exploração sustentável dos seus recursos. Com apenas 7,93% do oceano globalmente protegido, em que apenas 2,4% tem algum tipo de protecção estrita, é hora de agir e trabalhar para cumprir de forma efectiva a meta 30x30, agora reiterada publicamente também como um objectivo nacional.