Os utensílios de cozinha em plástico preto podem conter substâncias químicas tóxicas. Eis o que fazer

Estudos sugerem que o plástico preto, por vezes fabricado a partir de resíduos electrónicos reciclados, pode conter substâncias químicas tóxicas que contaminam alimentos. Como reduzir a exposição?

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Estudos sugerem que o plástico preto, que pode ser fabricado a partir de resíduos electrónicos reciclados, pode conter substâncias químicas tóxicas Getty Images
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Se estiver a organizar os utensílios de cozinha, basta lançar um olhar rápido à volta para provavelmente identificar uma tendência comum: o plástico preto. “O plástico preto está em praticamente todas as cozinhas”, disse Judith Enck, uma ex-funcionária da Agência de Protecção Ambiental durante o governo liderado por Barack Obama que, agora, dirige a organização sem fins lucrativos Beyond Plastics.

Judith Enck e outros especialistas estão a pedir às pessoas que evitem usar colheres, espátulas, conchas, pinças e recipientes feitos deste material omnipresente. Um número crescente de estudos sugere que o plástico preto, que pode ser fabricado a partir de resíduos electrónicos reciclados, pode conter substâncias químicas tóxicas que podem penetrar nos alimentos enquanto cozinha.

Eis o que precisa de saber para lidar com o plástico preto na cozinha:

Qual é o problema do plástico preto?

Uma análise recente de produtos domésticos de plástico preto, incluindo tabuleiros para alimentos e utensílios de cozinha, revelou que 17 dos 20 artigos testados (ou 85%) continham retardadores de chama bromados e organofosforados. Os produtos químicos detectados no estudo são frequentemente encontrados em aparelhos electrónicos e têm sido associados a uma série de riscos para a saúde.

“Sabemos de facto que estes retardadores de chama tóxicos podem migrar dos produtos em que se encontram para o nosso ambiente”, afirmou Megan Liu, co-autora do estudo. O calor, observou a investigadora, pode facilitar a lixiviação desses produtos químicos.

Liu, gestora científica da Toxic-Free Future, um grupo de investigação e defesa da saúde ambiental que conduziu o estudo juntamente com a Vrije Universiteit Amsterdam, disse que os investigadores não associaram os níveis de exposição dos produtos testados a resultados específicos para a saúde.

Existe algum debate sobre o risco que os utensílios de cozinha contaminados com retardadores de chama podem representar para as pessoas. Em termos gerais, a exposição a estes produtos químicos tem sido associada ao cancro e a perturbações hormonais, mas até agora não houve investigação suficiente para associar a utilização regular de utensílios de cozinha ou recipientes para alimentos contaminados a problemas de saúde.

O último estudo foi alvo de escrutínio por ter calculado incorrectamente o limite de exposição segura ao éter decabromodifenílico, ou BDE-209, um dos 11 retardadores de chama que os investigadores detectaram nos produtos testados. O artigo estimava que a utilização de utensílios de cozinha contaminados poderia causar uma ingestão média de 34.700 nanogramas por dia, o que, segundo os autores, “se aproximaria” dos níveis máximos de exposição considerados seguros pela Agência de Protecção do Ambiente para um adulto com cerca de 60 quilos. Mas essa matemática estava errada. O nível máximo é de 420.000 nanogramas por dia e não 42.000.

O estudo foi entretanto corrigido. Megan Liu afirmou que o erro não altera as conclusões do estudo, segundo as quais a presença de produtos químicos tóxicos em artigos que as pessoas utilizam diariamente deve ser motivo de preocupação. Alguns dos produtos testados continham vários retardadores de chama, e não apenas o BDE-209.

“Não existe realmente um nível seguro de exposição a estes retardadores de chama tóxicos e nocivos”, afirmou, acrescentando que estas substâncias podem acumular-se no organismo.

Megan Liu e outros especialistas sublinharam a necessidade de uma maior regulamentação e restrições que mantenham estes químicos fora dos produtos de consumo em que não é suposto estarem presentes.

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Conchas, espátulas e pinças de plástico preto em contacto com alimentos ou expostas ao calor devem ser evitadas, sugerem especialistas Getty images

“Tentamos reciclar o plástico, mas este é um exemplo em que a reciclagem se decompõe e introduz substâncias químicas potencialmente perigosas em produtos para os quais não foram concebidos”, afirmou Andrew Turner, especialista em poluição plástica da Universidade de Plymouth, no Reino Unido.

O que se pode fazer?

É provável que nem todos os produtos de plástico preto na sua cozinha contenham resíduos electrónicos reciclados, mas pode ser difícil ter a certeza. A rotulagem que pode indicar aos consumidores se um produto tem conteúdo reciclado nem sempre está disponível. O portal America's Test Kitchen refere que, se os utensílios de cozinha forem feitos de plástico preto virgem ou novo, podem ser utilizados porque é pouco provável que esse material contenha os contaminantes encontrados nos produtos reciclados.

  • Comece pelo que toca na sua comida. Em vez de tentar adivinhar quais os artigos que podem estar contaminados, alguns especialistas recomendam que se livre de tudo o que é feito de plástico preto que entra em contacto com os alimentos.
  • Se for exposto ao calor, deite-o fora. Se a ideia de limpar a sua cozinha e substituir tudo de uma só vez parecer esmagadora, considere dar prioridade à eliminação dos artigos de plástico preto que mais frequentemente entram em contacto com panelas quentes e alimentos ou óleo de cozinha, por exemplo, espátulas ou colheres de mexer, sugere Andrew Turner. “A preocupação com os utensílios de cozinha é o facto de, em primeiro lugar, estarmos a aquecer algo, o que é susceptível de libertar mais coisas”, disse Turner, que publicou um artigo revisto por pares em 2018, destacando a presença de resíduos electrónicos reciclados em produtos de plástico preto.
  • Atenção aos utensílios em contacto com o óleo quente. “Se estivermos a aquecer em óleo, o óleo actua como um solvente para os retardadores de chama. É uma melhor forma de retirar os retardadores de chama do plástico do que, digamos, a água (mesmo a água a ferver)”, explica o investigador.
  • Não o utilize para guardar ou reaquecer alimentos. Deve também livrar-se dos recipientes de plástico preto e, de um modo geral, evitar reaquecer alimentos em qualquer tipo de plástico ou expor o material a outras fontes de calor, como a máquina de lavar loiça.
  • “Nunca coloque nenhum plástico no microondas”, disse Judith Enck. “Estou preocupado porque muitos recipientes de comida para viagem têm plástico preto no fundo, e se estivermos ocupados, podemos simplesmente jogar todo o esparguete da noite passada no microondas, e assim temos alguns tóxicos no molho marinara.
  • Não recicle o plástico preto. Depois de recolher o seu plástico preto indesejado, não o coloque na reciclagem [ecoponto amarelo], disse Judith Enck. As instalações de tratamento de resíduos normalmente não têm a tecnologia para classificar o plástico preto, então os itens acabam descartados como lixo, disse ela. “Deitei tudo fora no meu caixote do lixo comum”, afirmou a presidente da Beyond Plastics, que se livrou do plástico preto na sua cozinha.

Como substituir o plástico preto?

O plástico é utilizado com tanta frequência em utensílios de cozinha porque o material pode ser moldado, oferecendo o equilíbrio certo entre a rigidez e a flexibilidade para realizar muitas tarefas na cozinha, afirma Hannah Crowley, editora executiva das análises de produtos da America's Test Kitchen.

“O plástico em geral é incrivelmente versátil, e é por isso que se infiltrou em todas as facetas do quotidiano”, disse Hannah Crowley. Mas pode ser fácil e económico substituir os utensílios de plástico preto por outros feitos de madeira, aço inoxidável ou silicone. Para os recipientes de comida, os especialistas recomendam o vidro.

Madeira:

A madeira pode ser um óptimo material para utensílios de cozinha, como colheres de pau e tigelas. Mas não coloque produtos de madeira na máquina de lavar louça, disse Crowley. Como se trata de um material natural poroso, absorverá muita água se for deixado num ambiente húmido e a secagem poderá provocar fissuras. Os produtos de madeira também precisam de ser oleados periodicamente.

Bambu:

Considere comprar artigos de bambu, sugere Shanika Whitehurst, directora associada de sustentabilidade de produtos, investigação e testes na Consumer Reports. Não só o bambu pode ser mais sustentável, como o material é durável e económico, refere. “É possível encontrar bambu e utensílios em todo o lado, desde o Walmart até à Macy's”, afirmou. “Funcionam muito bem. Não absorvem demasiado os cheiros dos alimentos.”

Aço inoxidável:

O aço inoxidável pode ser uma opção de manutenção mais simples. “Pode ir para a máquina de lavar loiça, sem preocupações. Não se vai partir e não precisa de ser oleado”, diz Hannah Crowley. Contudo, observa, as ferramentas de metal podem não ser a escolha certa se quisermos proteger panelas, especialmente as antiaderentes. O aço inoxidável pode riscar certas panelas ao raspar a superfície. Se estiver a utilizar utensílios de aço inoxidável, Hannah Crowley sugere que cozinhe numa frigideira de ferro fundido, com a qual não terá de ter tanto cuidado.

Silicone:

Os utensílios de metal e de madeira não são tão flexíveis como os de plástico, por isso, se precisar de um utensílio que possa retirar facilmente a massa de bolo de uma tigela ou limpar a sua frigideira de ovos mexidos, o silicone é uma opção, diz Hannah Crowley.

O silicone é feito com plástico, e os especialistas observam que ainda estão a tentar compreender os riscos potenciais. Mas Hannah Crowley disse que estes produtos são normalmente concebidos para resistir a temperaturas mais elevadas do que os utensílios de plástico. Whitehurst recomendou ainda que se certifique se os utensílios de cozinha de silicone que compra são de qualidade alimentar.

Quanto custa livrar-se do plástico preto?

Muitos utensílios de madeira, aço inoxidável e silicone podem ser comprados por menos de 20 euros. Também pode encontrar ofertas comprando utensílios em segunda mão. Enquanto substitui os utensílios, aqui ficam alguns dos itens indispensáveis na cozinha de Hannah Crowley:

  • Espátula para peixe: A parte da espátula é normalmente de aço inoxidável, mas os cabos podem ser de madeira ou silicone. “O peixe é a coisa mais difícil de virar”, disse ela. “Estas espátulas são concebidas da melhor forma possível para tornear algo complicado, o que, por sua vez, as torna boas para tudo”;
  • Colher de madeira;
  • Concha de aço inoxidável;
  • Colher com fenda em aço inoxidável.