Corais podem não sobreviver às próximas ondas de calor no mar Mediterrâneo

Corais da espécie Paramuricea clavata, no mar Mediterrâneo, podem ter os dias contados perante as sucessivas ondas de calor marinhas que se antevêem com a progressão da crise climática, sugere estudo.

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Os jardins coralinos de gorgónia-vermelha (Paramuricea clavata) fazem parte da paisagem marinha do Mediterrâneo Getty images
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Os jardins de coral do mar Mediterrâneo podem não ser capazes sobreviver às sucessivas ondas de calor marinhas que se antevêem com a progressão da crise climática, sugere um estudo científico recente publicado na revista Global Change Biology. O trabalho resulta de uma década de investigação desenvolvida pelo Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar) da Universidade do Porto em parceria com o Instituto de ciências Marinhas de Barcelona, Espanha.

“Gostava muito de poder dar boas notícias, mas as conclusões deste estudo não o são. O futuro da espécie Paramuricea clavata pode estar comprometido nas águas superficiais do Mediterrâneo. Em 2022, por exemplo, já verificámos uma taxa de mortalidade de quase 100% em Marselha, por exemplo”, afirma ao PÚBLICO Jean-Baptiste Ledoux, investigador do grupo de genómica evolutiva e bioinformática do Ciimar, em Matosinhos.

Os jardins coralinos de gorgónia-vermelha (Paramuricea clavata) fazem parte da paisagem mediterrânica, tendo não só uma importância socioeconómica, mas também ecológica – oferecem abrigo e habitat para diferentes organismos marinhos. Se a P. clavata desaparecer das águas rasas, ameaçamos não só a existência local de uma espécie, mas também a de tantas outras espécies que dela dependem.

A maioria dos estudos prévios debruça-se em fenómenos isolados de ondas de calor marinhas, ou seja, funcionam como uma “fotografia” da reacção dos corais a um evento único. Já no estudo da revista Global Change Biology, os cientistas procuraram compreender a resposta desses animais ao longo de sucessivas vagas de sobreaquecimento do oceano, oferecendo um “filme” mais completo do que pode ocorrer à espécie P. clavata num oceano cada vez mais quente.

Por outras palavras, os investigadores ambicionavam estudar “padrões de adaptabilidade” das populações de corais num cenário climático em que estes fenómenos extremos são recorrentes. A capacidade de adaptação dos indivíduos pode depender da genética ou mesmo da “plasticidade fenotípica” (ou seja, a habilidade de os organismos modificarem a sua fisiologia ou morfologia em função do contexto ambiental).

Reproduzir ondas de calor num aquário

Jean-Baptiste Ledoux e os colegas não só acompanharam as consequências das ondas de calor no Mediterrâneo, mas também reproduziram em laboratório os efeitos do sobreaquecimento em colónias de gorgónia-vermelha. O objectivo foi perceber como esta espécie reage ao stress térmico recorrente, assim como os factores que condicionam as respostas dos diferentes indivíduos que compõem as colónias de corais P. clavata.

As experiências em aquários foram repetidas durante três anos consecutivos (2015, 2016 e 2017), sempre no mesmo período do ano (Outubro), e realizadas com as mesmas colónias de gorgónia-vermelha e a mesma temperatura da água (25 graus Celsius). Estes protocolos permitiram, garantem os autores, prever o efeito real e cumulativo das ondas de calor marinhas na espécie estudada.

“Como foram usados os mesmos indivíduos de três populações e exactamente as mesmas condições experimentais de stress durante os três ensaios, podemos concluir que a componente ambiental (ou seja, as temperaturas do mar durante o Verão) foi o principal factor subjacente às respostas destas colónias”, refere Sandra Ramirez-Calero, estudante de doutoramento da Universidade de Barcelona e primeira autora do estudo, citada numa nota de imprensa.

As conclusões dos cientistas não poderiam ser mais desoladoras. Nas análises referentes ao ano de 2015 e 2016, as percentagens de necrose dos tecidos coralinos foram inferiores a 60%. No terceiro e último ano de ensaio, contudo, os investigadores verificaram um aumento considerável da mortalidade. Quase todas as colónias pereceram, perdendo a cor que as caracteriza quando estão vivas ou saudáveis.

“Tendo em conta a recorrência de eventos climáticos extremos, os nossos resultados apontam para um potencial colapso de muitas das populações pouco profundas de P. clavata”, explica o co-autor Joaquim Garrabou, investigador do Instituto de ciências Marinhas de Barcelona, citado num comunicado.

As ondas de calor marinhas tornaram-se cada vez mais comuns no mar Mediterrâneo. Este ano, por exemplo, as temperaturas à superfície das águas chegaram perto dos 30 graus Celsius. Contudo, a gorgónia-vermelha costuma estar abaixo de 15 metros de profundidade, onde a temperatura é um pouco mais baixa do que à superfície – e daí os ensaios no aquário serem feitos a 25 graus Celsius.

Os resultados obtidos em laboratório são coerentes com as observações feitas pelos cientistas após as ondas de calor de 2018 e 2022 no mar Mediterrâneo. “Tanto as experiências como os levantamentos de campo aqui efectuados sustentam um potencial de adaptabilidade limitado, quer baseado na componente genética quer na componente plástica”, lamenta Jean-Baptiste Ledoux.

A baixa capacidade de adaptação dos corais mediterrânicos aos efeitos da crise climática é uma péssima notícia, refere o cientista francês radicado em Portugal. Mas não deve ser uma razão para desistirmos dos esforços de conservação ou da redução drástica de emissões de carbono para a atmosfera.

“Temos de actuar nas causas das alterações climáticas antropogénicas, o que significa uma acção imediata sobre as emissões de gases com efeito de estufa, se quisermos proteger estas espécies e as comunidades associadas”, exorta Jean-Baptiste Ledoux.