Dúvida: devo separar as agulhas e as lancetas da diabetes? Onde é que as entrego?
Em Portugal, existem cerca de 900 mil pessoas com diabetes e a maioria não sabe como e onde deve descartar as canetas de insulina. A APDP exige uma solução que combata o desperdício.
Em Portugal, cerca de 900 mil pessoas têm diabetes, uma doença que se caracteriza pelos níveis elevados de glucose no sangue durante um longo período de tempo. Só no último ano, foram registados mais 75 mil novos casos, o que coloca Portugal entre os países da União Europeia com maior taxa de prevalência da diabetes. E mais cerca de um milhão de utentes apresentam riscos moderados, altos ou muito altos de vir a desenvolver esta doença.
Com a diabetes vêm mudanças no estilo de vida da população e uma delas passa pelo tratamento através de insulina. E é então que começam a surgir as dúvidas: onde é que devo colocar as canetas? Devo separar as agulhas e as lancetas? Onde é que coloco as tiras, que contêm sangue? O que é que devo fazer com as canetas que não me permitem separar a agulha? Coloco isto no lixo comum? Levo até à farmácia?
"Todos os 14 dias mudam-se os sensores da diabetes, os cateteres das bombas mudam-se de três em três dias, portanto é uma quantidade enorme de material que os diabéticos usam", explica José Manuel Boavida, presidente da Associação Protectora de Diabéticos de Portugal ao PÚBLICO. "Temos cerca de 90 mil pessoas a fazer insulina, veja o que é a utilização de uma a três agulhas diárias, a quantidade de agulhas que isso representa. É um grande volume de lixo."
Deve sempre (que possível) separar o lixo
No que toca à preservação do meio ambiente, ainda há muito trabalho a fazer, mas para a APDP o lixo proveniente da rotina de tratamento dos diabéticos tem sido esquecido. "Os cateteres, tudo aquilo que mexa com sangue devia ir para incineração e não para o lixo normal", comenta o presidente.
Do ponto de vista ecológico e de saúde pública, as agulhas, que são materiais perfurantes, não devem ser colocadas no lixo comum porque podem ser perigosas e as lancetas, na sua maioria feitas de plástico, devem ter outro tipo de tratamento de resíduos. As tiras de teste de glicose também não devem ser colocadas no lixo comum, uma vez que contêm sangue, o que faz delas contaminantes biológicos que devem ser incinerados.
E os dispositivos?
A APDP lançou também um desafio à Abbott, o actual fornecedor dos sistemas de monitorização da diabetes (que deve reconhecer como aqueles pequenos dispositivos circulares brancos que diversas pessoas colocam no braço) para "saber como devemos tratar este tipo de lixo porque tem um aplicador de plástico, uma agulha e um filamento que é inserido e que também tem uma contaminação biológica", refere Filipa Cabral, directora de farmácia da APDP. "É preciso descartar tudo isto, e é muito lixo."
Separação das agulhas e lancetas
À associação, várias pessoas comentaram que utilizam garrafas de plástico para fazer a separação das agulhas e das lancetas. "Estas soluções das garrafas são soluções que as pessoas encontram porque sentem que não querem deitar material perfurante para dentro de um lixo geral porque há pessoas que vão mexer no lixo. No fundo, é para proteger as pessoas que manuseiam o lixo", acrescenta José Manuel Boavida.
Actualmente, ainda existe um problema maior: as canetas de insulina que não permitem a separação da agulha. O presidente da APDP explica que "essas canetas que não largam a agulha são realmente um desperdício do ponto de vista ecológico, com uma quantidade de plástico enorme que vai para incineração, que é poluente e que não tinha absolutamente necessidade alguma".
"Agulhão": procure uma farmácia perto de si
No entanto, existe uma solução. O "Seringas só no Agulhão" surgiu em 2019 como uma tentativa de dar resposta à pergunta de vários diabéticos: "Onde é que eu devo entregar este lixo?" Este projecto, proposto pela Associação de Farmácias de Portugal, abrange 182 farmácias de 80 concelhos de 16 distritos, incluindo os Açores, que aceitam receber agulhas, canetas e outros materiais comuns ao tratamento dos diabéticos.
No entanto, Filipa Cabral alerta para um número muito pequeno. "Chega a 180 farmácias num universo de mais de 2500 farmácias em Portugal. Entregam um contentor de 30 litros por mês e, por exemplo, no nosso caso, é claramente insuficiente."
Até Setembro de 2023, já foram recolhidos 2,7 milhões de cortoperfurantes. Para saber que farmácias do seu distrito estão abrangidas por este projecto, basta aceder à página do "Agulhão" e consultar a lista disponível.
E se os utentes recebessem um contentor para separar o lixo?
Para Filipa Cabral, uma possível solução passava por algo semelhante aos contentores da Valormed que são completamente gratuitos para as farmácias. Com a proximidade que existe entre a população portuguesa e as farmácias, entregar aos doentes contentores para uma melhor gestão destes resíduos era uma solução a considerar.
Investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto apoiam a mesma proposta. Num estudo publicado em 2022, os autores do estudo concluíram que 68,1% das agulhas ou dos dispositivos com agulhas e 71,6% das lancetas eram depositados no lixo comum. Menos de um quinto dos diabéticos inquiridos revelou ter tido conhecimento das instruções de depósito adequado por parte de um profissional de saúde.
Para resolver este problema, os investigadores sugerem que os diabéticos deviam receber "contentores próprios para cortoperfurantes com uma tampa" entregues pelo seu médico, enfermeiro ou farmacêutico "aquando da prescrição terapêutica". Lamentam que Portugal ainda não tenha desenvolvido regulamentação a respeito do depósito de materiais de risco biológico, ao contrário do que já acontece noutros países.
Uma situação sem fim à vista
O presidente da associação lamenta a inacção do Governo e pede tanto à Direcção-Geral de Saúde (DGS) como à Direcção-Geral do Ambiente que acabem com esta "digladiação" e que encontrem uma alternativa. "A DGS já teve um protocolo escrito [que determinava] que deveriam ser os centros de saúde a fazer a recolha e a Direcção Geral do Ambiente não permitiu que isso avançasse e nunca ofereceu qualquer alternativa." Admitem ter contactado a Zero e a Quercus e que, após várias reuniões, não foi encontrada uma solução para o problema.
"Aquilo que particularmente dizemos às pessoas é para meterem as agulhas e as seringas e as lancetas em garrafas de plástico e que metam assim no lixo geral, porque não têm outra alternativa. Mas isto não é claramente nenhuma solução ecológica, nem nenhuma solução de segurança das pessoas", explica o presidente.
Acrescenta ainda que "alguém tem de pagar isto". "Como isto não é para reciclar, é para incinerar, há um custo, e a única solução que nós temos proposto é que a indústria [farmacêutica] pague, seja ela a responsável por este pagamento e que a Apifarma seja a interlocutora. Eles têm um grupo de trabalho destas indústrias que pode dirigir o trabalho."