“O que é que nós queremos? ‘Trillions, not billions!’”, ouviu-se na COP29

Activistas de todo o mundo exigem financiamento suficiente para a acção climática na Convenção do Clima das Nações Unidas no Azerbaijão. Vale usar dança, comícios e... gatinhos.

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A alegoria dos palhaços ricos que atiram notas ao ar mas não querem pagar pelos efeitos das suas emissões IGOR KOVALENKO/EPA
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Ouve-se à distância. É um coro feminino, com cartazes que exigem: “Pay up”, paguem. Uns palhaços de caracóis coloridos cirandam por ali, meio tontos, a atirar notas de dólar ao ar. “Vocês têm de pagar o que nos devem”, dizem-lhes as mulheres. “Oh, mas não temos dinheiro”, choramingam os palhaços que atiram dinheiro na COP29, a Conferência da Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas que, neste ano, decorreu em Bacu, no Azerbaijão.

Reduzido ao esboço mais simples, próximo do enredo de um teatro de fantoches de feira, está ali resumido o drama desta COP29, bloqueada na discussão de um novo quadro de financiamento de 2025 a 2035. “Trillions, not billions”, pede o chamado Sul Global, os países mais pobres, em desenvolvimento, que coincidem normalmente com aqueles que são mais vulneráveis às alterações climáticas.

Os “trillions” em inglês traduzem-se em biliões em português, e os “billions” em milhares de milhões, mas o problema é este: há um documento que reconhece a necessidade de pelo menos 1,3 biliões de dólares por ano de apoio para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e adaptar os países mais pobres às alterações climáticas, mas os países desenvolvidos avançam com a promessa de apenas 250 mil milhões.

O resto espera-se que venha de países que ainda são considerados em desenvolvimento, mas que são grandes emissores, e bem mais ricos, como a China, a Índia, ou a Arábia Saudita, e de capital privado ou bancos multilaterais de desenvolvimento.

E assim chegámos a este bloqueio.

“Venho de um país cujo nome não pode ser dito” – disse um dos porta-vozes que se chegou à frente na roda para contar a sua história. Tem o nome de um rei europeu, o que faz adivinhar que seja das Filipinas. “Só neste ano já tivemos seis grandes tufões”, relata. São estes os efeitos das alterações climáticas para quem os sente na pele.

“Não há tempo para nos adaptarmos, isto é o que já está a acontecer”, declara, sem hesitar em cobrar pagamento aos países ricos, colonizadores, que deitam gases de estufa para a atmosfera. “Este é um movimento de todos os trabalhadores, camponeses, do mundo inteiro, anticapitalistas!” Aqui não há diferença entre a luta pela indemnização pelas alterações climáticas e o anticolonialismo ou anticapitalismo, ideias difíceis de aceitar em certos sectores.

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Cartaz alusivo ao gatinho perdido, um jogo de palavras com uma expressão em inglês para uma recolha de fundos para a qual todos contribuem IGOR KOVALENKO/EPA

“Somos um movimento que exige justiça climática a nível global, orientado para a acção”, explicou Rimsha Rehan, uma cientista paquistanesa de 25 anos, que participou nas acções deste grupo nomeadamente espalhando gatinhos por toda a COP29.

Autocolantes e cartazes dizem-nos que há gatinho perdido na COP29, que pode ser preto, laranja, malhado, com uma mancha branca na boca, há variações. Chama-se Ambição, dizem os autocolantes. “Responde a 1,5 graus.” “Devolver a um país rico.” “Recompensa para quem o achar: justiça climática.”

É uma piada com a expressão em inglês "kitty" — gatinho, mas também o nome de um fundo comum, composto por pequenas doações para um determinado objectivo. Infelizmente, o dono deste gatinho não foi encontrado até ao fim de sexta-feira, dia em que terminava oficialmente a conferência. Terá de ser procurado nas salas de reunião e no plenário onde os países vão discutir arduamente as declarações finais.

"Um passar de culpas"

O que se passa no ambiente mais ou menos estéril do Estádio Olímpico de Bacu, sob o mote Mundo Verde, não tem nada que ver com o mundo do Paquistão. “Neste momento, em várias grandes cidades do Paquistão, Lahore, Islamabad, há confinamentos, as escolas estão fechadas. Não por causa da covid, mas por causa da poluição do ar”, contou Rimsha Rehan.

“Os países ricos discutem nestas conferências o financiamento de soluções engenhosas que não são aplicáveis já na vida real nos países do Sul, como o hidrogénio. Precisamos é de financiamento para lidar com o que está a acontecer”, afirma a jovem paquistanesa, para explicar porque está com este grupo que junta asiáticos, sul-americanos, africanos, europeus, e pessoas de outras regiões do mundo.

As enormes cheias em 2022 no Paquistão ajudaram a desbloquear a discussão sobre a criação de um fundo para perdas e danos na COP27, no Egipto, nesse ano. No entanto, é mais fácil prometer do que pagar as promessas. “Prometeram-nos 30 biliões, mas pagaram menos de três biliões. E o Paquistão não tem capacidade para recuperar sozinho!”, afirmou Rimsha Rehan, especialista em energias renováveis.

Para ela, e para os activistas que gritam “pay up!”, “paguem!”, o importante é que alguém ajude. Sim, os países ocidentais, a Europa, os Estados Unidos, são quem tem a maior responsabilidade histórica nas emissões de gases com efeito de estufa, são quem mais fez aquecer o planeta. Mas enquanto o mundo rico quer forçar as nações mais ricas que existem entre os países chamados em desenvolvimento a contribuir, porque hoje em dia são enormes emissores, essa discussão não diz muito a quem está a viver os efeitos das alterações climáticas.

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Alguns dos autocolantes do "gatinho perdido" Ambição Dr

“Toda esta discussão é um jogo de culpas, um passar de culpas entre os vários responsáveis pelas emissões. O que precisamos é de responsabilização. Os impactos das alterações climáticas não são igualitários, atingem desproporcionalmente os mais pobres e isso deve ser levado em conta”, afirma Rimsha Rehan, rabo-de-cavalo, camisa cor de vinho, rosto tranquilo.

“Pediram-nos para não fazer muito barulho! Mas vamos dançar, podem dar-nos uma batida com palmas?”, pediu uma das activistas, para terminar a acção na COP29. Braços para um lado, um passo para a esquerda, outro para a direita. Ao ritmo das palmas da assistência, um grupo de rapazes e raparigas expressou a sua vontade de justiça pela dança. “O que é que queremos? ‘Trillions not billions!’”

A jornalista viajou a convite do Ministério do Ambiente e da Energia