Antonio viu mulher e filha a serem arrastadas pela corrente — histórias de quem perdeu a vida nas cheias de Espanha

Chuvas torrenciais e repentinas em Espanha mataram mais de 100 pessoas e ainda há dezenas de desaparecidos. Em Paiporta, seis idosos foram encontrados mortos no interior de um lar.

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Eva Defez é abraçada por uma amiga depois de passar a noite presa em casa por causa das cheias em Utiel, Espanha Susana Vera / REUTERS
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A chuva começa a dar tréguas, a lama a ser removida, começa-se a fazer contas aos danos materiais (que, para já, são “incalculáveis”) e estão a ser dados rostos às primeiras vítimas mortais da tragédia que assolou o Sul e o Leste de Espanha. As buscas e os trabalhos de resgate de um número indeterminado de pessoas que continuam desaparecidas prosseguem depois de as chuvas torrenciais e repentinas terem causado mais de 100 mortes.

Antonio e Lurdes, de 59 e 34 anos, fizeram-se à estrada, com a filha bebé de três meses, na noite de terça-feira, quando perceberam que a quantidade de chuva que estava a cair em Paiporta, na região de Valência, não era normal. Viajavam na esperança de que a situação na capital da comunidade estivesse mais controlada. A história desta família é contada pelo diário espanhol El País, que escreve que, pouco depois de iniciarem a viagem, o veículo onde seguiam começou a ser arrastado pela corrente.

“O carro começou a flutuar. Conseguimos ancorá-lo numa placa e eu tentei descer pela janela, porque a altura da água era de um metro e meio, mas a força era brutal. Tentei levar o carro para uma rotunda, mas não consegui e comecei a afastar-me do carro para procurar ajuda. O carro estava parado, mas começou a ser arrastado pela corrente e a última coisa que vi foi a minha mulher a pedir ajuda no tecto do carro”, conta Antonio Tarazona ao El País.

Ainda tentou ir atrás do carro, mas a corrente tinha muita força. Após ser resgatado, Antonio esteve durante horas num dos abrigos, na esperança de que a família fosse levada para o mesmo local, mas na noite de quarta-feira, a Guarda Civil confirmou que os corpos da mulher e da filha já tinham sido encontrados.

Seis idosos encontrados mortos num lar

Um sargento estava desaparecido desde terça-feira, altura em que saiu do quartel de Paiporta, na região de Valência, para ajudar nos trabalhos de resgate e assistência aos habitantes do município. A Guarda Civil, escreve a agência espanhola Europa Press, acabou por anunciar, esta quinta-feira, que o corpo do sargento foi encontrado no mesmo local onde estava o corpo da mulher de um tenente do mesmo quartel. A mulher estava entre as dezenas de pessoas desaparecidas depois de ter ido à garagem do prédio.

O El País conta ainda a história de um “homem que quebrou o silêncio de um troço da A3 com o seu choro”. A estrada, entre Buñol e Chiva, na região de Valência, estava bloqueada desde terça-feira, com dezenas de camiões e carros atravessados nas faixas de rodagem. O homem, acompanhado por dois amigos, descobriu que o pai, de 83 anos, estava morto dentro de um dos veículos. Nem sequer se conseguiu aproximar do carro e entrou no veículo que ali o trouxera encharcado em lama.

Ana, moradora de Alfafar, também na província de Valência, diz à ABC Espanha que viu pelo menos quatro corpos na sua rua, incluindo o corpo de uma adolescente. A mulher reteve essa imagem que acha que não conseguirá esquecer. “Ontem levaram o corpo de uma rapariga de 17 anos que estava caída na rua entre os escombros havia mais de 15 horas. Foi horrível, colocaram um cobertor sobre o corpo”, recorda Ana, que acredita, pelo que tem visto nas ruas, que o número de mortos será superior ao confirmado pelas autoridades locais.

Paiporta, uma cidade com 25 mil habitantes às portas de Valência, foi uma das mais afectadas e acabou por se tornar o epicentro da catástrofe: foi onde morreram mais de 40 pessoas, seis destas vítimas eram idosos que foram encontrados num lar.

Três metros de água a entrar em casa

Em L’Alcúdia, o presidente da câmara, Andreu Salom, confirmou a morte de mãe e filha. A casa onde vivam, no rés-do-chão de uma rua central, foi invadida por um deslizamento de terras que provocou a morte da filha, de 50 anos. A mãe, com problemas cardíacos, também morreu.

Na cidade rural de Utiel, a cerca de 85 quilómetros da cidade de Valência, o rio Magro transbordou, lançando até três metros de água para dentro das casas que são, na maioria, térreas. O presidente da câmara, Ricardo Gabaldon, confirmou que pelo menos seis pessoas morreram na cidade de 12 mil habitantes, a maior parte idosos ou pessoas com deficiência que não conseguiram fugir da corrente.

“Estou triste pelas pessoas que morreram”, disse à agência Reuters Encarna, uma professora de 60 anos, enxugando as lágrimas enquanto falava na rua perto da sua casa, que ficou destruída. “Estas são minhas economias, o meu esforço, a minha vida, mas estou viva.”

Apesar de o gabinete de crise do Ministério do Interior espanhol acreditar que os efeitos da tempestade ultrapassaram “o ponto de gravidade máxima”, a Agência Meteorológica do Estado (Armet) lançou esta quinta-feira um alerta “muito claro”.

“A DANA [depresión aislada en niveles altos] continua sobre Espanha. Estão a ocorrer tempestades muito intensas, ontem na Andaluzia, hoje [quinta-feira] em Castellón. Vamos continuar assim durante grande parte da semana”, referiu a agência numa publicação no X (antigo Twitter). “Não só continua a chover, mas muitos recursos estão direccionados para as emergências em Valência. É necessário agir com bom senso e seguir as instruções das autoridades, polícia e bombeiros.”