A paz na Colômbia abriu as portas à biodiversidade, mas nova onda de violência frusta progresso
Acordo de paz com FARC permitiu cientistas acederem a regiões do país que antes eram perigosas, produzindo descobertas de muitas espécies. Mas violência voltou a várias regiões, dificultando avanços.
Durante mais de cinco décadas, enquanto os conflitos violentos assolavam as terras altas e as florestas tropicais da Colômbia, a vida selvagem prosperava. De orquídeas de cores brilhantes a rãs com listras de tigre, os cientistas descobriram uma riqueza de novas espécies de animais e plantas após o acordo de paz de 2016, que viu a maioria dos rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) depor as suas armas. O acordo tornou seguro entrar em muitas partes do país, regiões que muitas vezes foram preservadas de uma forma prístina durante o conflito.
A paz, afinal, foi uma bênção para a investigação da natureza. Desde o acordo de paz, os cientistas descobriram todos os anos cerca de três vezes o triplo do número de novas espécies de plantas na Colômbia, comparado com as descobertas feitas antes do compromisso, de acordo com uma nova análise do botânico colombiano Oscar Alejandro Perez-Escobar, partilhada em exclusivo com a Reuters.
Mas o acordo com as FARC não acabou com os conflitos na Colômbia. Embora o acordo tenha aberto muitas áreas da Colômbia para a ciência, outros grupos armados – incluindo antigos combatentes das FARC, que rejeitaram o acordo de paz – e gangues criminosos preencheram o vácuo em algumas áreas e trouxeram novos perigos tanto para os investigadores como para a vida selvagem.
Embora em 2023 a desflorestação tenha caído para o nível mais baixo dos últimos 23 anos, está a aumentar novamente em 2024, uma vez que a seca severa alimentou os incêndios florestais e a exploração madeireira ilegal, a exploração mineira e a construção de estradas estejam a destruir a selva. Para os ambientalistas, a Colômbia é agora o lugar mais perigoso do mundo – com 79 mortos no ano passado, o maior número de sempre num país num único ano, de acordo com a organização sem fins lucrativos Global Witness.
A análise de cerca de 14.000 espécies de plantas colombianas registadas no Jardim Botânico Real Kew Gardens, no Reino Unido, mostrou que os investigadores publicaram uma média de 178 descobertas nos anos que se seguiram ao acordo de paz. Nos anos anteriores ao acordo, o número era, em média, de 53.
A análise, que não foi objecto da revisão por pares, também teve em conta o desequilíbrio entre os poucos anos de dados desde 2016 e as espécies descobertas nos séculos anteriores. Embora o estudo mostre um salto nas publicações após o acordo de paz, não prova que o acordo foi a causa, disse Perez-Escobar.
O investigador recordou a sua primeira expedição após o acordo de paz, feita em 2018, quando viajou com uma equipa de investigadores de 16 países através de um ecossistema montanhoso, enquanto os soldados colombianos protegiam-nos.
“Estava entusiasmado, mas também nervoso”, disse Perez-Escobar, que trabalha para o Kew Gardens. “Entusiasmado com a perspectiva de encontrar novas espécies... mas também nervoso por causa do perigo que representava ir lá”. A expedição fez parte de uma onda de pesquisas sobre biodiversidade nos antigos redutos rebeldes da Colômbia, os quais os cientistas evitavam por medo de sequestro ou morte nas mãos das FARC.
Na caminhada acima da linha das árvores, no ecossistema montanhoso de Paramo, o investigador avistou pequenas flores amarelas e castanhas – uma nova espécie de orquídea. Um paramo é um prado em altitude muito húmido, frio e frequentemente enevoado, situado no alto dos Andes. Desde então, Pérez-Escobar, trabalhando em parceria com organizações locais, ajudou a identificar duas novas plantas com flores numa floresta nublada e, no ano passado, a primeira orquídea polimórfica conhecida no seu género de 1200 espécies, o que significa que floresce dois tipos diferentes de flores na mesma planta.
Crocodilos, drones e desflorestação
Quando era estudante de biologia na década de 1990, o botânico Mauricio Diazgranados recolhia plantas nas montanhas a uma hora de carro de Bogotá, a capital do país. “Eu podia ver os helicópteros a disparar contra os guerrilheiros e os guerrilheiros a ripostar”, disse Diazgranados, que agora trabalha como director científico do Jardim Botânico de Nova Iorque.
A certa altura, ele trabalhou de modo voluntário como guarda-florestal na área de Sumapaz, onde as FARC mantinham o seu quartel-general. O botânico disse que uma vez foi detido pelos rebeldes sob suspeita de espionagem, mas conseguiu escapar durante a noite e fugir.
Mais tarde, Diazgranados ajudou a organizar dezenas de expedições científicas em áreas anteriormente perigosas no âmbito do Colômbia BIO, um programa governamental lançado para compreender melhor a natureza do país após o acordo de paz. Ele ainda tem caixas de papelão cheias de amostras de plantas secas que ele acha que são novas espécies, mas que ainda não as descreveu, nem publicou essa informação.
Embora o conflito possa ter ajudado a abrigar a vida selvagem da Colômbia durante décadas, foi a localização e a geografia do país que o ajudaram a tornar-se no que é hoje.
Localizado perto da faixa quente do Equador, onde as Américas do Norte e do Sul se encontram, o país inclui praias, florestas tropicais e três cadeias de montanhas diferentes que se elevam de vales profundos a mais de 5000 metros. A diversidade desses ambientes incentivou mais espécies a evoluírem ao longo do tempo. Este ano, a Colômbia encabeçou uma lista de países que se pensa terem o maior número de espécies de plantas por descobrir, de acordo com um estudo liderado por cientistas de Kew Gardens, publicado em Agosto.
Mas não é só o acordo de paz que está a impulsionar mais descobertas, disse Diazgranados. Há, mais do que nunca, um maior número de cientistas treinados a investigar na Colômbia, disse ele, incluindo alguns que deram as costas à vizinha Venezuela, devido à crise económica e política no país. Cientistas do Instituto de Pesquisa de Recursos Biológicos Alexander von Humboldt, uma instituição estatal da Colômbia, descobriram dezenas de novas espécies, incluindo besouros, sapos, uma aranha e uma cobra-cega – um tipo raro de anfíbio sem pernas que vive no subsolo. A descoberta de uma nova espécie pode demorar vários anos a ser confirmada.
“Eram áreas inacessíveis, mas também áreas com uma enorme informação e riqueza naturais”, disse Jhon César Neita-Moreno, curador da colecção de entomologia e de invertebrados do instituto, sobre as antigas áreas controladas pelas FARC que se abriram para a pesquisa. “Todos nós, cientistas, queríamos ir.”
Cientistas da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS, sigla em inglês) também registaram outras dez descobertas de anfíbios, incluindo uma rã que receberá o nome do acordo de paz da Colômbia: Pristimantis pactumpacis.
Após o acordo de paz, os investigadores da WCS puderam utilizar drones para contar o número de crocodilos-do-orinoco, que estão em perigo crítico de extinção, numa área anteriormente demasiado perigosa, disse o director científico da WCS Colômbia, German Forero. Mas depois de neste ano mais de 100 pessoas terem sido mortas pela violência relacionada a grupos armados na área este ano, a equipe da WCS não pôde voltar a viajar para onde o crocodilo-do-Orinoco vive, adiantou Forero.
Perdendo o que se ganhou
A Colômbia colocou a questão da segurança em foco na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, a COP16, escolhendo o tema “Paz com a natureza” para o evento, que está a decorrer na cidade de Cali, no sudoeste da Colômbia. Mais de 10.000 soldados, polícias e guardas das Nações Unidas estão mobilizados para proteger a cimeira, enquanto delegados de quase 200 países discutem a melhor forma de preservar a natureza em todo o mundo.
De acordo com fontes do exército colombiano, os combates entre os grupos armados são actualmente intensos em algumas das zonas mais ricas em biodiversidade do país. Na província de Choco, na costa do Pacífico, onde a floresta tropical é verdejante e o clima é famoso por ser húmido, os rebeldes do Exército de Libertação Nacional estão a combater o grupo criminoso Clã do Golfo, enquanto grupos dissidentes das FARC se enfrentam em várias províncias da região amazónica.
Além da violência contínua dos grupos armados, a Colômbia corre agora também o risco de um rápido declínio ambiental, alertaram os cientistas. A desflorestação aumentou 40% nos primeiros três meses deste ano, de acordo com dados do governo.
A ministra do Ambiente, Susana Muhamad, responsabilizou recentemente um grupo de antigos combatentes das FARC, denominado Estado Maior Central (EMC), pela desflorestação na floresta amazónica, afirmando que este grupo impede a entrada de estrangeiros nas áreas que controla e pressiona os habitantes locais a cooperar. “É miserável a pressão psicológica que os grupos armados exercem nas comunidades”, disse Muhamad numa declaração em Abril. “Neste caso, estão a colocar a natureza no meio do conflito.”
A facção do EMC, recentemente dividida, liderada por Alexander Diaz Mendoza, mais conhecido pelo seu nome de guerra Calarca Cordoba, afirmou num comunicado que o grupo não está envolvido na desflorestação e que trabalha com as comunidades para promover práticas sustentáveis. O grupo disse que bloqueia a entrada na região para impedir os esforços do governo para “financiar” a floresta através de produtos financeiros como títulos verdes.