Poluição dos fogões a gás ligada a 40 mil mortes prematuras por ano na Europa: 105 em Portugal

Estudo fez a primeira estimativa da mortalidade prematura e anos perdidos associados à exposição ao NO2 emitido durante uso de aparelhos a gás. Portugal não está entre os casos mais graves.

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Calcula-se que um terço dos lares europeus recorra a aparelhos a gás para preparar refeições Javier Zayas/GettyImages
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A poluição produzida pelos fogões a gás provoca, todos os anos, 105 mortes em Portugal, conclui um estudo da Universidade Jaume I, em Espanha, que afirma ter concebido “a primeira estimativa científica de mortes prematuras”. O total de mortes prematuras estimadas na União Europeia e no Reino Unido é de 39.959, sendo que Portugal não figura entre os países mais afectados.

“Já em 1978, soubemos pela primeira vez que a poluição por dióxido de azoto (NO2) é muitas vezes maior nas cozinhas que utilizam fogões a gás do que nas que utilizam fogões eléctricos. Mas só agora conseguimos quantificar o número de vidas que estão a ser ceifadas. A dimensão do problema é muito pior do que pensávamos, com os nossos modelos a sugerir que uma casa média em metade da Europa ultrapassa os limites fixados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A poluição do ar exterior constitui a base para essas infracções, mas são os fogões a gás que empurram as casas para a zona de perigo”, afirma a autora principal, Juana Maria Delgado-Saborit, citada numa nota.

O que podemos fazer?

Existem estratégias para reduzir a exposição a esses poluentes. A mais eficaz é fazer a transição do sistema a gás para o eléctrico, o que nem sempre é possível por razões técnicas ou financeiras. Não sendo exequível, há boas práticas que se podem adoptar: ventilar a casa regularmente, sobretudo a cozinha, e evitar sessões muito longas de preparação de alimentos, sobretudo se as janelas estiverem sempre fechadas.

Os cientistas concluíram que, em 14 países da Europa – excluindo Portugal –, as casas médias apresentam condições preocupantes: os fumos emitidos pelos fogões a gás combinam-se com a poluição do ar e atingem valores perigosos para a saúde humana e que violam as directrizes da OMS, segundo um comunicado da Aliança Europeia de Saúde Pública (EPHA, na sigla em inglês), um consórcio de quase uma centena de organizações europeias. Os países mais afectados são a Itália, a Polónia, a Roménia, a França e o Reino Unido.

O estudo avaliou o impacto na saúde e os custos económicos associados a dois factores de riscos relacionados com o uso do gás de cozinha na União Europeia e no Reino Unido: a presença de fogões a gás em casa e a exposição a dióxido de azoto emitido por esses aparelhos de cozinha.

“As concentrações de NO2 em recintos fechados foram calculadas combinando os mapas existentes de NO2 ambiente fornecidos pela Agência Europeia do Ambiente e os dados da campanha de medição mais completa efectuada na Europa que caracteriza os níveis de NO2 no interior e no exterior em sete países europeus”, explicam os autores do artigo.

Um terço dos lares europeus recorre a aparelhos a gás

“O estudo fez a primeira estimativa da mortalidade prematura e o número de anos perdidos associados à exposição ao NO2 emitido durante a cozinha com aparelhos a gás na Europa. Também forneceu uma estimativa do número de casos de asma para todas as idades na população. Estas estimativas foram possíveis graças ao desenvolvimento do primeiro mapa pormenorizado da exposição ao NO2 em espaços interiores em toda a União Europeia e no Reino Unido”, refere o estudo.

Calcula-se que um terço dos lares europeus recorra a aparelhos a gás para preparar refeições, de acordo com a nota de imprensa. Os fogões libertam metano (um poderoso gás com efeito de estufa) mesmo quando estão desligados e afectam a qualidade do ar interior. Considerando que os europeus passam uma boa parte do tempo quotidiano dentro de casa ou de escritórios, a EPHA refere no documento que este tipo de poluição merece uma maior atenção dos decisores políticos.

A exposição a concentrações indesejáveis de NO2 dificulta o funcionamento do pulmão, agravando os sintomas de problemas respiratórios como a bronquite e a asma nas crianças, segundo a OMS.

“Durante demasiado tempo, foi fácil ignorar os perigos dos fogões a gás. Tal como os cigarros, as pessoas não se preocuparam muito com os impactos na saúde e, tal como os cigarros, os fogões a gás são uma pequena fogueira que enche a nossa casa de poluição. Os verdadeiros impactos são provavelmente maiores do que os previstos neste estudo. Sabendo isto, os governos deveriam tomar a iniciativa de nos ajudar a deixar o gás, tal como nos ajudaram a deixar os cigarros”, afirma Sara Bertucci, directora política da EPHA para a saúde pública mundial, citada no mesmo documento.

Falta de dados

O real custo humano da poluição dos fogões a gás é provavelmente muito mais elevado, defendem os investigadores no comunicado de imprensa, adiantando que foram forçados a excluir alguns impactos da poluição que poderiam contribuir para taxas mais elevadas de morte e asma, por falta de dados. Assim, optaram por se concentrar apenas na poluição por NO2, uma vez que se encontra bem estudada pelos epidemiologistas. Em resumo, as estimativas apresentadas no estudo podem ser consideradas conservadoras.

Outros poluentes nocivos criados pela queima de gás incluem o monóxido de carbono, o benzeno, o formaldeído e partículas sólidas, mas os investigadores não dispunham dos dados necessários para prever com exactidão o seu impacto. Utilizando um método menos preciso, estimaram que os fogões a gás causam cerca de 367.000 casos de asma em crianças e 726.000 em todos os grupos etários devido a estes e outros poluentes, excepto o monóxido de carbono, que não tem qualquer relação conhecida com a asma, acrescenta a nota de imprensa.

Os fogões libertam gases nocivos associados a doenças cardíacas e pulmonares, mas os especialistas alertam para o facto de o público estar pouco sensibilizado para os seus perigos. Em média, a utilização de um fogão a gás reduz em quase dois anos a vida de uma pessoa, segundo um estudo realizado com famílias na União Europeia e no Reino Unido.

Novas regras?

A agência espacial norte-americana (NASA) afirma que, nas últimas décadas, se registaram reduções significativas da poluição por dióxido de azoto nas cidades europeias. Este decréscimo deveu-se às novas regras da União Europeia em matéria de emissões de veículos e à tecnologia automóvel, nota o comunicado sobre o estudo, salientando que a poluição de fundo continua a ser um dos principais factores que contribuem para os níveis perigosos encontrados. "Os limites de poluição exterior por NO2 deverão tornar-se mais rigorosos em breve, conclui.

Por outro lado, salienta ainda nota de imprensa, a UE não dispõe de normas de qualidade do ar em recintos fechados e os seus instrumentos legislativos para resolver o problema são dispersos, defende a EPHA, que consiste no maior grupo de organizações da sociedade civil que trabalham no domínio da saúde pública na União Europeia. A EPHA coordena uma campanha de cozinha limpa e estabeleceu uma parceria com a universidade para aprofundar os conhecimentos sobre esta questão.

A União Europeia deverá propor regras actualizadas para os fogões a gás ainda este ano e tem estado a considerar restrições à poluição, incluindo para o dióxido de azoto, referem os investigadores.

A EPHA está a instar Bruxelas a eliminar rapidamente os fogões a gás através de limites de emissões, juntamente com incentivos financeiros para a mudança para fogões mais limpos. Pretende igualmente que os rótulos dos fogões sejam obrigatórios para assinalar os riscos de poluição e que sejam efectuadas campanhas de educação pública sobre os riscos da queima de combustíveis em espaços fechados”, refere a entidade no documento.