O que está a pressionar os nossos solos? Salinização, erosão e o peso da agricultura

Análise da Agência Europeia do Ambiente revela “tendências alarmantes”, com a degradação do solo a piorar “significativamente” nos últimos anos. A solução? “Estratégias abrangentes de gestão do solo”.

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A agricultura regenerativa é uma das alternativas aos sistemas agrícolas que estão a empobrecer os solos Daniel Rocha
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A situação é alarmante: os solos da Europa estão a degradar-se a um ritmo que pode pôr em causa não apenas a biodiversidade e a resistência às alterações climáticas, mas também a segurança alimentar, a produção agrícola e até a competitividade da União Europeia (UE).

Uma análise da Agência Europeia do Ambiente e do Centro Comum de Investigação (JRC, na sigla em inglês) da Comissão Europeia, que abrangeu 38 países, revela uma “situação e tendências alarmantes, tendo a degradação do solo piorado significativamente nos últimos anos”, por comparação com o relatório anterior, de 2012.

Os processos de degradação afectam pelo menos 63% dos solos da União Europeia, lê-se no relatório publicado na terça-feira. Em Portugal, a salinização dos solos é uma das principais preocupações, assim como as secas, que degradam os solos e potenciam incêndios – e que, por sua vez, também aceleram a degradação dos solos.

“A gestão sustentável dos solos é um desafio tremendo”, escrevem Bernard Magenhann, director-geral do JRC, e Leena Ylä-Mononen, directora executiva da Agência Europeia do Ambiente, no prefácio do documento. “Tendo levado séculos ou milénios a formar-se, os solos podem ser destruídos ou danificados em minutos”, notam.

Salinização

A salinização do solo é um dos principais processos de degradação do solo na Europa, descreve o relatório. E os países mediterrânicos são dos mais afectados: “As tendências crescentes de salinização dos solos são evidentes em Espanha, Itália, Chipre e Portugal devido a vários factores, incluindo as alterações climáticas e a agricultura intensiva”, lê-se no documento.

Os níveis excessivos de sal afectam cerca de quatro milhões de hectares de solos europeus devido à “salinização secundária” – causada, por exemplo, por “práticas de irrigação não sustentáveis e gestão inadequada de reservatórios de água e canais” –, em particular nas zonas costeiras do Sul da Europa.

Nas zonas costeiras de Portugal, o “elevado risco de intrusão salina” deve-se à captação de águas subterrâneas e à subida do nível do mar.

Resiliência dos ecossistemas

A degradação das turfeiras também é considerada “preocupante”. Na UE, a drenagem das turfeiras é responsável por cerca de 5% do total das emissões de gases com efeito de estufa; 50% das turfeiras da UE estão degradadas e muitas sofreram danos irreparáveis.

Estas zonas húmidas “são sumidouros de carbono essenciais”, absorvendo os gases com efeito de estufa da atmosfera e armazenando-os, ajudando assim a mitigar as alterações climáticas, mas as turfeiras podem também libertar esses gases para a atmosfera quando se deterioram, sublinha o relatório.

É por isso que a recuperação de turfeiras drenadas, prevista na Lei do Restauro da Natureza, é identificada como “uma das formas mais rentáveis de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa no sector agrícola”. As novas políticas de alteração do uso dos solos no âmbito da reforma da Política Agrícola Comum (PAC) tentarão reduzir a drenagem e implementar a reumidificação dos solos turfosos drenados.

Erosão

Todos os anos, cerca de mil milhões de toneladas de solo são arrastados pela erosão. Cerca de um quarto (24%) dos solos da UE é afectado pela erosão hídrica, em particular em terras agrícolas, com projecções que indicam um possível aumento de 13-25% até 2050. Entre os campos agrícolas, a proporção aumenta, com a erosão hídrica a afectar cerca de um terço (32%) das terras.

Em Portugal, contudo, a tendência é inversa: com um cenário de secas e menos precipitação, prevêem-se antes “diminuições notáveis” da erosão hídrica no país, assim como na Bulgária, Espanha, Grécia, Oeste de França e Sul de Itália.

A preparação mecânica do solo, comum na agricultura, é um dos factores que podem desencadear a erosão do solo, afectando significativamente os campos cultivados. Outras formas de erosão incluem a acção do vento e algumas técnicas de colheita, descrevem os investigadores.

Efeitos da agricultura

Actualmente, cerca de 74% das terras agrícolas na União Europeia e no Reino Unido são também afectadas por excesso de azoto, que “está a aumentar e pode prejudicar a saúde humana, as culturas, os ecossistemas e o clima”, escrevem os cientistas.

Além disso, os resíduos de pesticidas e outros poluentes são predominantes nos solos agrícolas, como os excedentes de fósforo, agravando ainda mais as preocupações ambientais.

Entretanto, também o carbono orgânico do solo, essencial para manter os solos saudáveis, está a diminuir nas zonas agrícolas. “Estima-se que, entre 2009 e 2018, se perderam 70 milhões de toneladas deste carbono orgânico dos solos minerais das terras de cultivo na UE e no Reino Unido”, escrevem os cientistas.

Portugal sem estratégia

O estudo deixa claro os impactos significativos da degradação do solo na agricultura e na qualidade da água, mas também na resiliência dos ecossistemas e na biodiversidade, assim como na saúde humana, já que solos mais pobres também se traduzem em alimentos menos nutritivos.

A solução? Aplicar com urgência “estratégias abrangentes de gestão do solo” para reverter esta tendência, com “quadros sustentáveis de governação do solo, apoiados pela investigação, pela inovação e por sistemas sólidos de monitorização do solo”.

Portugal, aqui, está bastante atrasado, já que “não dispõe de um sistema nacional de monitorização do solo” a muito esperada Lei ProSolos, que foi submetida a consulta pública há quase dez anos e está “engavetada” desde então.

Envolver agricultores

A Agência Europeia do Ambiente defende que é preciso mais “coordenação e colaboração intersectorial” para combater a degradação do solo de forma abrangente. Para resolver o problema da salinização dos solos, por exemplo, são necessárias “abordagens de gestão integrada” que envolvem melhorias da drenagem, na irrigação sustentável, na selecção das culturas e na recuperação dos ecossistemas.

As medidas políticas já em vigor, refere o relatório, poderiam ser reforçadas para “incentivar os agricultores a adoptarem práticas agrícolas respeitadoras do solo (por exemplo, reduzindo a intensidade da lavoura mecanizada e plantando culturas de cobertura) e para promover práticas sustentáveis de gestão das terras através de regimes de apoio e formação”.

A União Europeia tem tentado correr atrás do prejuízo, lançando iniciativas como a Estratégia da UE para o Solo ou a Missão da UE para o Solo, que atribui apoios à investigação. A Lei de Monitorização do Solo, proposta pela Comissão em Julho do ano passado, continua por aprovar e os solos degradados continuam à espera de soluções políticas.

Neste momento, em Cali, na Colômbia, os países reúnem-se na COP16 da Biodiversidade, a conferência das Nações Unidas para debater meios para proteger a natureza, onde o impacto da agricultura intensiva na saúde dos ecossistemas deixou de ser tabu. Em Dezembro, os representantes dos países voltam a reunir-se, desta feita em Riade, na Arábia Saudita, para a COP16 da Desertificação, a menos conhecida das três grandes conferências das Nações Unidas dedicadas ao ambiente, um sinal da dificuldade de trazer este assunto para a agenda política.