Fim dos combustíveis fósseis? Não será com Harris nem Trump

Dificilmente o próximo Presidente dos EUA ajudará a pôr o ponto final na exploração de gás e petróleo, as maiores fontes de emissões de gases com efeito de estufa. Mas Trump é uma ameaça climática.

Democratic presidential nominee and U.S. Vice President Kamala Harris speaks, as she attends a town hall with former U.S. Rep. Liz Cheney (R-WY) (not pictured), in The People’s Light in Malvern, Pennsylvania, U.S., October 21, 2024. REUTERS/Leah Millis TPX IMAGES OF THE DAY
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Kamala Harris em campanha na Pensilvânia, um estado decisivo nas eleições e o segundo maior produtor de combustíveis fósseis nos EUA Leah Millis/REUTERS
Republican presidential nominee and former U.S. President Donald Trump attends a campaign event sponsored by conservative group Turning Point Action, in Las Vegas, Nevada, U.S. October 24, 2024. REUTERS/Carlos Barria TPX IMAGES OF THE DAY
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Donald Trump em campanha no Nevada: se ganhar, pode tirar os EUA da Convenção das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas Carlos Barria/RETERS
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É na vitória de Kamala Harris nas eleições presidenciais norte-americanas, daqui a uma semana, que aposta tudo quem reconhece a emergência das alterações climáticas, mesmo que a vice-presidente democrata não tenha exposto grande coisa do seu programa ambiental. Mas isso não quer dizer que devamos esperar de uma Presidente Kamala Harris algo revolucionário, como o abandono dos combustíveis fósseis, dizem vários especialistas.

“Se Harris ganhar, vamos ver a continuação e o reforço das políticas climáticas do Presidente Joe Biden. Mas não me parece que os Estados Unidos apresentariam isto como um abandono dos combustíveis fósseis”, disse ao PÚBLICO, por email, Michael Gerrard, director do Centro Sabin para a Legislação das Alterações Climáticas na Universidade de Columbia, em Nova Iorque (EUA).

Alice C. Hill, especialista em clima e energia do think tank norte-americano Council on Foreign Relations, é da mesma opinião. “Mesmo com Harris na liderança, é pouco provável que os EUA defendam um abandono rápido dos combustíveis fósseis”, adiantou, também por email. Pela primeira vez em 30 anos de negociações, a "transição para o abandono dos combustíveis fósseis" foi mencionada na declaração da conferência da Convenção do Clima das Nações Unidas, no ano passado.

Joe Biden pôs em prática uma política de incentivo à transição energética. E, no entanto, apesar de disparar a produção de electricidade verde durante o seu mandato, os EUA tornaram-se também o maior produtor e exportador de combustíveis fósseis do mundo. Mais do que com Donald Trump.

Os EUA produziram em média 12,9 milhões de barris de crude por dia em 2023 – mais do que a Rússia, com 10,6. E, como consequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, no início de 2022, as exportações de gás liquefeito dos EUA para a União Europeia passaram de 68 milhões de m3/dia em 2021 para 184 milhões de m3/dia em 2022. Em 2023, representaram 48% das necessidades europeias de gás natural.

Se Kamala Harris for eleita, é esperado que aumente a ambição climática dos EUA, disse Alice C. Hill. “Pode aumentar a regulação das fontes de emissões [de gases com efeito de estufa] e acelerar a transição para os veículos eléctricos e electricidade verde”, sugeriu Michael Gerrard. “Os EUA devem ainda tentar apanhar a China no desenvolvimento e fabrico de tecnologias limpas”, completou.

Mas é preciso ter em mente que os interesses dos estados, que são levados para os tribunais, e as leis do mercado erguem barreiras no caminho para o desmame da economia norte-americana dos combustíveis fósseis – foi isso que se passou com Joe Biden. Por isso, a expectativa é de que os EUA continuem fiéis ao gás natural e ao petróleo.

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Igual, mas pior

Se Donald Trump ganhar, o que ele promete é um investimento reforçado nos combustíveis fósseis. "Drill, baby drill" é o seu mote, apelando à exploração petrolífera. Tem cortejado amplamente as empresas do sector, para obter o seu financiamento — o que terá de pagar, se for eleito.

O que se antecipa é uma repetição mais refinada do que Trump fez no seu primeiro mandato. “Vai enfraquecer e revogar muitas regulamentações ambientais e esforçar-se pouco para que sejam cumpridas as que restarem”, afirmou Michael Gerrard.

Com os cortes na administração pública que estão previstos, pode ficar em causa a capacidade de os EUA vigiarem e se protegerem no caso de fenómenos meteorológicos extremos associados às alterações climáticas, como furacões e grandes incêndios. “Trump expressou repetidamente cepticismo sobre ciência climática. Se voltar a ser Presidente, é provável que o Governo federal remova referências e ferramentas destinadas a lidar com os riscos climáticos”, adiantou Alice C. Hill.

É pouco provável que Trump acabe completamente com o amplo pacote legislativo Inflation Reduction Act (IRA, na sigla em inglês), que oferece incentivos fiscais para empresas e privados fazerem a transição energética – até porque tem beneficiado muitos estados governados pelo Partido Republicano de Trump. Mas não ficará incólume: “O crescimento da energia eólica e solar deve continuar, mas vai perder impulso”, prevê Gerrard.

O mais provável é que vá esboroando os alicerces desta legislação, pedacinho a pedacinho. “Uma área em que poderá haver alterações imediatas é no apoio federal à compra de veículos eléctricos”, adianta Alice C. Hill. Apesar do empenho do milionário Elon Musk na campanha de Trump, dono da Tesla, o ex-Presidente manifestou várias vezes o seu desprezo pela tecnologia dos carros eléctricos.

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Em termos internacionais, espera-se de Trump um rápido anúncio da saída dos EUA do Acordo de Paris, como em 2017. E, talvez o abandono da Convenção para as Alterações Climáticas. Isto significaria a retirada de Washington das negociações diplomáticas sobre o clima – como a COP29, que se inicia no Azerbaijão a 11 de Novembro, uma semana depois das eleições nos EUA.

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“Dado que os EUA são o maior emissor de gases com efeito de estufa, em termos históricos, e o segundo maior hoje em dia [depois da China], a saída indicaria a falta de empenho dos EUA, o que pode enfraquecer a ambição global” e tornar o Acordo de Paris muito menos eficaz, salientou Alice C. Hill.

Perante este cenário, pode surpreender que Kamala Harris pouco ou nada tenha revelado da sua agenda ambiental. Que, embora antes se tenha manifestado contra o fracturamento hidráulico (fracking), método de extracção de petróleo e gás natural do subsolo, agora diga que não se opõe. “A Pensilvânia é um dos estados decisivos nestas eleições”, explicou Alice C. Hill. Este estado é o segundo maior produtor de gás natural nos EUA, e esta tecnologia é fundamental para a sua extracção.

Além disso, apesar de ser um assunto muito importante para alguns sectores do eleitorado – como os jovens –, o que as sondagens dizem é que o clima não está muito acima na lista de temas prioritários dos eleitores norte-americanos. “Harris tem-se focado em assuntos mais acima nas prioridades, como a economia”, disse Alice C. Hill.

A verdade é que Kamala Harris está a contar já ter conquistado os votos de quem se arrepia só de pensar no regresso de Trump à Casa Branca. “Harris pensa já ter ganho os votos dos que acreditam numa acção ambiental forte, e só perderia votos se falasse demasiado nestes assuntos”, acautela Michael Gerrard.