Surto viral causa morte de mais de 100 peixes meros no mar dos Açores
Mortalidade da espécie de peixe Epinephelus marginatus no mar dos Açores foi causada por vírus que cega e destrói sistema nervoso central. Cientistas associam episódio às alterações climáticas.
A mortalidade de mais de cem peixes meros (Epinephelus marginatus) no mar dos Açores foi causada por um vírus que provoca a destruição do sistema nervoso central e do olho, afirma a secretaria regional do Mar e das Pescas numa nota de imprensa.
“Os peixes meros morreram por acção de um agente patogénico de natureza viral responsável por retinopatia e encefalopatia viral”, refere o documento, baseado num estudo resultante de um protocolo do Governo dos Açores com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. A conclusão é divulgada cerca de um mês após o primeiro episódio de mortalidade em massa.
O anúncio não surpreendeu Pedro Afonso, investigador do Instituto Okeanos da Universidade dos Açores e especialista nesta espécie da família dos serranídeos. “Não foi uma surpresa, trata-se de um resultado perfeitamente esperado”, afirmou o cientista ao PÚBLICO, por telefone.
O cientista recorda que estão documentadas situações homólogas com a espécie Epinephelus marginatus no Mediterrâneo associadas a surtos virais ou bacterianos. Estes episódios tendem a ocorrer durante períodos de sobreaquecimento das águas marinhas. Em Portugal, Pedro Afonso diz que se trata do primeiro “surto documentado” envolvendo meros na região dos Açores.
O investigador recorda que o arquipélago enfrentou este ano o Verão mais quente dos últimos 80 anos. “Desde início de Julho, pelo menos, que as temperaturas na região dos Açores estavam anormalmente quentes para a época do ano. Isso permaneceu dessa forma até agora, embora esteja a decrescer bastante, mas também estamos quase em Novembro”, constata Pedro Afonso, cuja equipa científica registou entre 120 a 150 meros mortos.
Pedro Afonso afirma que o mero é, “de longe, a espécie mais afectada” pelo vírus. “Os meros ficam cegos, desorientados, com dificuldade de se alimentar e com um comportamento errático”, afirma o investigador do Instituto Okeanos, que está neste momento a estudar outras espécies de peixes costeiros que também poderão ter sido afectadas pelo vírus.
O instituto da Universidade dos Açores já havia afirmado, num comunicado divulgado dia 8 de Outubro, que afastava a hipótese de as mortes estarem directamente associadas às pescas. Considerando que o arquipélago sofreu com ondas de calor marinhas, a entidade acredita que “as as alterações climáticas podem estar na origem das ocorrências” de mortalidade em massa.
“Os habitats costeiros e as espécies neles residentes, incluindo o mero, estão especialmente sujeitos aos impactos destas ondas de calor, visto que a camada mais superficial do oceano está anormalmente quente e atinge profundidades maiores que o habitual. A nossa rede de sensores tem registado consistentemente temperaturas superiores a 24 graus Celsius a uma profundidade de 25 metros”, lê-se no comunicado do Instituto Okeanos.
Pesca interdita, consumo desaconselhado
O Governo dos Açores interditou temporariamente a pesca do mero no dia 27 de Setembro, na sequência de registos de arrojamentos e mortes de peixes da espécie Epinephelus marginatus. Embora a doença viral não seja transmissível aos humanos, o consumo de mero não é recomendado.
A pesca da espécie mantém-se interdita para “dar continuidade aos trabalhos de monitorização para recolha de informação adicional pelas entidades competentes e comunidade científica”, acrescenta o comunicado das autoridades. O objectivo é permitir “adaptar o plano de gestão deste recurso a esta pressão emergente” do ambiente.
De acordo com o documento divulgado pelo Governo dos Açores, o surto viral “manifestou-se em indivíduos adultos, parasitados, após o período de reprodução, e sujeitos a stress fisiológico adicional devido a um aumento da temperatura da água do mar, e que por esta multiplicidade de factores se encontravam com o seu sistema imunitário debilitado”.
A espécie está classificada com o estatuto de vulnerável na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), tendo a última avaliação sido realizada, em 2016, por uma equipa que incluía Pedro Afonso.
Muitos dos mais de cem meros que foram afectados pelo vírus eram do sexo masculino, o que poderá ter um impacto significativo na reprodução desta população. “Acontecimentos como estes colocam em causa os esforços de gestão sustentável”, lamenta o cientista da Universidade dos Açores.