Gestora de Alqueva está a cortar a água aos agricultores que excedem os consumos acordados

Agricultores não aceitam a “falta de bom senso” da empresa gestora dos recursos hídricos de Alqueva, alegando que se deve apostar no bom uso da água e não na limitação do seu débito.

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Olival intensivo em Alqueva, tubos de sistema de rega gota a gota Nuno Ferreira Santos
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Vários agricultores com explorações no Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) fizeram chegar ao PÚBLICO a informação de que a Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva (EDIA) está a cortar água aos agricultores depois de terem excedido os limites da dotação atribuída para o ano agrícola em curso.

A EDIA confirmou ao PÚBLICO a “interrupção do fornecimento de água a clientes que excedam o volume máximo de água atribuído”. O gabinete de comunicação da empresa esclareceu ainda que a intenção de corte é comunicada “antecipadamente” ao cliente para audiência prévia, recordando que os cortes de água às explorações agrícolas já foram aplicados na campanha de rega de 2023.

Os critérios para o fornecimento de água destinada à rega estão previstos no Plano Anual de Utilização de Água no EFMA. Neste documento estão fixadas as dotações máximas autorizadas por cultura, em volumes que reflectem a situação calculada para um ano médio. A água é atribuída por campanha de rega e na data da inscrição, estando o volume que deverá ser consumido indexado à área a regar e cultura instalada ou a instalar, explica a EDIA. Até à presente data, foram enviados 27 ofícios com aviso de “incumprimento” das dotações de rega estabelecidas, adianta a empresa.

Antes de esta medida ser aplicada, em 2022, o presidente da EDIA, José Pedro Salema, explicou ao PÚBLICO que esta foi a solução preconizada para travar o aumento constante que se verificava na instalação de by-pass ilegais de umas explorações para outras, inclusive as que se encontram fora dos perímetros de rega. Assim, estando previamente definida a área a regar, bem como o tipo de cultura e a respectiva dotação, estabelecida pelo Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio, a EDIA sabe, antecipadamente, os consumos de água que estão previstos para cada exploração.

Francisco Palma, presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo (AABA), disse ao PÚBLICO que considera “justa” a solução de atribuir água para rega “e necessária para combater os abusos”, observa. “Temos de respeitar os limites”, salienta o presidente da AABA, frisando que as dotações de água estabelecidas pela EDIA “são confortáveis para gerir a cultura”.

Cortar a água a quem produz “não faz sentido”

No entanto, Pedro Marques, do Grupo Vale, que explora cerca de seis mil hectares de área cultivada, metade sob sua propriedade e metade terras sob arrendamento, disse ao PÚBLICO estar “bastante preocupado” com as dificuldades impostas pela EDIA no acesso à água para a rega. “Não podemos ter o maior lago artificial da Europa, com quase 80% do seu volume de armazenamento, e, mesmo assim, os agricultores estarem a receber cartas a avisá-los de que vão cortar a água porque excederam o volume acordado.”

O Grupo Vale foi uma das empresas que receberam uma notificação da EDIA a anunciar que iam cortar a água porque se excediam no consumo. “Se estivéssemos a ser fustigados por uma seca extrema, eu até entendia”, acrescenta o empresário, que é produtor de azeite e de amêndoa. Além do factor económico, subsiste a componente social da empresa, onde trabalham em permanência 218 pessoas, realça Pedro Marques, destacando ainda a crescente dificuldade em arranjar mão-de-obra especializada. Cortar a água a quem produz “não faz sentido”, salienta o agricultor, sugerindo que, em alternativa, se “deve apostar no bom uso da água e não na limitação do seu débito”.

Em Ferreira do Alentejo, o presidente da Associação de Beneficiários da Obra de Rega de Odivelas (ABORO), Manuel Reis, não concorda com a solução drástica aplicada pela EDIA, embora na sua região as limitações no acesso à água sejam idênticas às aplicadas no EFMA. “Mas com algum bom senso”, nota.

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Boca de água para rega da barragem do Alqueva Rui Gaudêncio

O dirigente da ABORO recorreu à realização de uma assembleia geral para que os associados decidissem o que deveria ser feito quando se excedia a dotação acordada. Em primeiro lugar, quando o agricultor chega aos 80% da água consumida, é avisado de que está quase a atingir o limite. E se o ultrapassar, “está sujeito a pagar uma taxa de 10% acima do valor estabelecido, que pode chegar, em situação-limite, aos 20%”, explica Manuel dos Reis, procurando evitar o corte.

“Fechar a água a meio de uma campanha, isso não se faz”, salienta. E volta-se para o que considera ser a questão de fundo: “Cada vez temos menos água, mas a escassez que se observa não está a impedir que continuem a ser equipadas novas áreas para rega.” E como o olival é das culturas que menos consomem, “está toda a gente a optar pela sua plantação”. O presidente da ABORO faz um paralelismo com a cultura de milho. “Quem é que pode fazer este cereal quando só pode consumir cinco mil metros cúbicos por hectare/ano?”, questiona, desencantado por se estar a “empurrar” o agricultor para a produção olivícola e a insistir em mais uma monocultura.

E Espanha quer mais água de Alqueva...

A decisão da EDIA de acautelar o modo como se usa a água de Alqueva contrasta com a decisão acordada e que será assinada nesta quarta-feira em Faro, durante a Cimeira Luso-Espanhola. Ficará regulamentado o regime mensal de caudais no troço final do Guadiana, no troço entre Pomarão e El Granado, para garantir o bom estado do estuário do Guadiana e distribuir equitativamente os fluxos disponíveis para usos socioeconómicos em ambos os lados da fronteira.

Contudo, ainda o acordo não está assinado e já se notam as movimentações dos governos regionais de Extremadura e Andaluzia e das associações de agricultores para reclamar o acesso a maiores volumes de água de Alqueva.

Fernando González, presidente da associação Huelva Riega, que congrega algumas das principais associações de regantes do Sul de Espanha, pretende que o Governo do seu país “negoceie um caudal entre 100-110hm3 de bombeamento do Guadiana”, dando conta de que em 2024 “apenas foram bombeados, em média, 50hm3” a partir da captação do Boca Chança, instalada na confluência dos rios Chança e Guadiana.

Num comunicado de imprensa, este dirigente associativo espanhol admite que receia que o acordo luso-espanhol se traduza na captação de “um volume ridículo" para as suas necessidades na província de Huelva, que precisará de, pelo menos, 80hm3, distribuídos por todos os usos na região: consumo doméstico, indústria, turismo e indústria mineira.

O plano hidrológico já aprovado para as bacias dos rios Tinto, Odiel e Piedras na região de Huelva prevê que a área de regadio passe dos actuais 40.595 hectares para 74.522 em 2027, um aumento de 83,5%, com necessidades de água ainda maiores: dos 178,22hm3 cúbicos por ano que agora são utilizados, a procura de água subirá para 362,06hm3. A organização ambientalista WWF já referiu que este aumento significativo da irrigação representará “um dos maiores crescimentos de toda a Europa”.