Há cada vez mais mortes causadas pelo fumo de incêndios florestais na Europa

Alterações climáticas podem ter aumentado dez vezes a proporção de mortes humanas associadas ao fumo de incêndios florestais entre as décadas de 1960 e 2010, sugere estudo da Nature Climate Change.

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Fumo dos incêndios florestais contém partículas finas que, ao serem inaladas, se tornam nocivas à saúde humana Nelson Garrido
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A crise climática pode ter multiplicado por dez a proporção de mortes humanas associadas ao fumo de incêndios florestais entre as décadas de 1960 e 2010, sugere um estudo publicado esta segunda-feira na revista Nature Climate Change. A Europa está entre as regiões com os níveis mais elevados de mortalidade, a par com a América do Sul, a Austrália e as florestas boreais da Ásia.

Os investigadores concluíram que as mortes causadas pelo fumo dos incêndios aumentaram de 46.401 por ano na década de 1960 para 98.748 na década de 2010. De acordo com o estudo da Nature Climate Change, 669 mortes anuais na década de 1960 e mais de 12.500 na década de 2010 podem ser atribuídas às alterações climáticas.

“Isto indica que as alterações climáticas representam cada vez mais uma ameaça para a saúde pública, devido ao aumento do fumo de incêndios que afecta mesmo as zonas densamente povoadas”, afirma a primeira autora Chae Yeon Park, investigadora do Instituto Nacional Japonês de Ciência e Tecnologia Industrial Avançada, citada numa nota de imprensa.

O fumo resultante dos fogos rurais é composto por partículas finas que, quando inaláveis, são nocivas para a saúde humana. O estudo de modelização concentra-se nas PM2,5 – ou seja, nas partículas menores ou iguais a 2,5 micrómetros –, minúsculos fragmentos oriundos do fumo ou da fuligem que só podem ser identificados com um microscópio electrónico. São, portanto, suficientemente pequenas para serem inaladas e causarem doenças pulmonares e respiratórias. Se considerarmos que um fio de cabelo tem 70 micrómetros de diâmetro, já conseguimos ter uma ideia de quão pequeninas são estas partículas: quase 30 vezes menor do que um mero pêlo.

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“As alterações climáticas aumentaram as PM2,5 e a mortalidade por incêndios nas últimas seis décadas. Com a previsão de que a temperatura global ultrapasse a marca de 1,5 graus Celsius até 2040, é necessário adaptarmo-nos aos impactos graves dos incêndios na saúde. Muitos países reforçaram a preparação para situações de emergência, desenvolveram sistemas de monitorização dos incêndios e aumentaram o financiamento para o combate aos fogos florestais. Estes esforços, que abordam o risco extremo das alterações climáticas, são cruciais, uma vez que a variação interanual dos incêndios resultou num maior excesso de mortes”, conclui o estudo da Nature Climate Change.

A América do Sul, a Austrália e a Europa registaram os aumentos mais significativos na mortalidade por incêndios atribuída às alterações climáticas, coincidindo com condições mais quentes e secas causadas pela crise climática. Os fogos florestais que devastaram uma parte do Canadá em 2023, por exemplo, causaram uma maior afluência aos serviços de urgência médica não só em território nacional, mas também nos Estados Unidos.

“É crucial compreender que o impacto do fumo dos incêndios não se limita às pessoas que vivem directamente nas áreas ardidas também afecta significativamente as pessoas que vivem nas cidades”, conclui o co-autor Christopher Reyer, investigador do Instituto de Investigação do Impacto Climático de Potsdam (PIK), citado num comunicado da instituição.

Os aumentos dos fogos atribuíveis às alterações climáticas ocorreram sobretudo em florestas tropicais e prados, florestas temperadas na América do Norte, florestas mediterrânicas na Europa e florestas boreais. Em regiões do planeta onde se regista uma tendência de aumento da humidade, como é o caso do Sul da Ásia, registaram-se menos mortes provocadas pelo fumo dos incêndios associados às alterações climáticas.

O estudo recorre a três modelos de vegetação e fogo para estimar alterações globais nas emissões de incêndios entre 1960 e 2019. Os autores reconhecem que “é um desafio” estabelecer uma ligação directa entre alterações climáticas e partículas nocivas resultantes dos incêndios. A multiplicidade de variáveis – como a disponibilidade de combustível, por exemplo – só dificulta esta empreitada. Ainda assim, os cientistas garantem que conseguiram estabelecer “uma ligação clara entre as alterações climáticas e a mortalidade por incêndios em determinadas regiões”, e que os três modelos usados “apresentaram tendências consistentes em regiões específicas”, refere a nota.

Aumento da área ardida global

Os fogos florestais não são uma consequência directa da crise do clima. Contudo, as alterações climáticas mudaram tanto a severidade como a frequência destes fenómenos extremos. A seca hidrológica e o aumento da temperatura do ar determinam a humidade da vegetação acumulada no solo e das copas das árvores (matéria combustível) – o que, por sua vez, constitui um importante factor da inflamabilidade. Folhas mais secas expostas ao sol, por exemplo, têm maior probabilidade de ignição e podem alimentar incêndios mais vastos.

O nosso sistema terrestre foi alterado pelas alterações climáticas e os incêndios florestais e os riscos a eles associados também foram afectados. Temos agora de considerar os riscos das alterações climáticas em vários aspectos das nossas vidas (planeamento da utilização dos solos, gestão florestal e políticas de saúde, por exemplo) para reduzir os riscos de incêndios florestais”, afirmou ao PÚBLICO a cientista Chae Yeon Park, numa resposta por escrito.

Um outro estudo da Nature Climate Change, também publicado esta segunda-feira, indica haver um aumento de 15,8% das áreas ardidas a nível mundial no período de 2003 a 2019 devido à crise climática. Registou-se uma actividade mais intensa dos incêndios sobretudo na Austrália, na América do Sul, na parte ocidental da América do Norte e na Sibéria.

“O nosso estudo demonstra que, quando ocorrem incêndios, é cada vez mais significativa a influência das alterações climáticas, com condições meteorológicas mais secas e mais quentes”, explica a co-autora Chantelle Burton, investigadora do Hadley Centre, unidade do serviço de meteorologia britânico dedicado ao clima, citada no mesmo documento.

Notícia actualizada a 22/10/2024 às 10:20: foi acrescentada citação da cientista Chae Yeon Park ao PÚBLICO