Grandes carnívoros: chacal está a expandir-se pela Europa, e pode chegar a Portugal
A espécie Canis aureus ampliou “espantosamente” a área de distribuição na Europa em milhares de quilómetros, tendo chegado à Finlândia, Noruega e Espanha. Portugal é o próximo destino?
O chacal-dourado (Canis aureus) tem vindo a expandir a sua área de distribuição na Europa em milhares de quilómetros, tendo alcançado recentemente o Círculo Polar Árctico (Finlândia e Noruega) e a Península Ibérica (Espanha). A espécie não está presente em Portugal, mas é provável que, em algum momento, este grande carnívoro entre em território nacional.
“A expansão rápida do chacal-dourado na Europa está a nos espantar a todos. Se o chacal avançar na Península Ibérica, pode provavelmente ocupar o Sul de Portugal, onde há evidências de grande adequabilidade para a espécie”, explica ao PÚBLICO Francisco Álvares, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto. O especialista em grandes carnívoros afirma, contudo, que este cenário pode “levar décadas” a concretizar-se e que “não há qualquer razão para alarmismos”.
A chegada da espécie à Espanha foi registada no dia 8 de Janeiro de 2023, na província basca de Álava, na sequência de um atropelamento de um animal numa auto-estrada. Era um macho, pesava 13 quilos e o exame post mortem indicou a presença de pêlos de javali no estômago. Análises genéticas confirmaram que se tratava de um indivíduo da espécie Canis aureus.
Este ano, no dia 24 de Fevereiro, um naturalista amador registou imagens de um chacal-dourado vivo com uma câmara de foto-armadilhagem nas imediações do rio Ebro, a cinco quilómetros do noroeste da cidade de Saragoça. Até ao momento, estas são as duas únicas ocorrências confirmadas em Espanha, segundo referiu ao PÚBLICO o investigador espanhol Juan Carlos Blanco, que integra o grupo de especialistas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla inglesa) dedicado aos grandes carnívoros na Europa.
“Nos últimos anos tem sido muito frequente os chacais estarem a expandir-se cada vez mais. Há processos de expansão muito bem documentados, como é o caso na Eslovénia. É necessário ter em conta que na Espanha não há hoje qualquer evidência de grupos reprodutores. Não é de estranhar, contudo, que surjam outros mais tarde e, ao surgirem outros, que possam criar no futuro grupos territoriais e reprodutores”, refere Francisco Álvares, que também faz parte do grupo de especialistas da IUCN.
À conquista de territórios gelados
Um estudo científico recente, publicado na revista Mammalian Biology, documenta precisamente como esta espécie está a percorrer milhares de quilómetros em direcção ao Norte da Europa, chegando a zonas muito frias e fora da sua área normal de distribuição – mais precisamente a Finlândia e a Noruega.
Análises genéticas revelaram que um chacal-dourado encontrado em Sodankylä, na região finlandesa da Lapónia, tinha viajado cerca de 2500 quilómetros desde a população da Panónia Ocidental (correspondendo aproximadamente à Hungria, regiões da Áustria e Croácia). Já o outro indivíduo, localizado na região norueguesa de Tromsø, poderá ter percorrido aproximadamente 1500 quilómetros desde a população do Báltico ou então 3400 quilómetros desde o Cáucaso.
“Anteriormente, pensava-se que os chacais-dourados que chegavam à Finlândia provinham da população estabelecida no Báltico, mas este estudo mostra que podem migrar de muito mais longe, mesmo de milhares de quilómetros. Os lobos também se têm mostrado capazes de viajar mais de mil quilómetros da sua área de origem”, afirma o co-autor Jouni Aspi, professor da Universidade de Oulu, na Finlândia, citado numa nota de imprensa.
Os chacais-dourados adoptam uma dieta generalista, comendo preferencialmente pequenos mamíferos e animais mortos (são necrófagos), mas podem também alimentar-se de aves aquáticas, pequenos ungulados, plantas, frutos e até insectos.
A espécie aproveita habilmente fontes de alimento disponibilizadas pelos seres humanos, como resíduos urbanos e matéria orgânica dispersa em aterros ou lixeiras. O caso do chacal-dourado de Sodankylä ilustra bem esse comportamento: a análise do conteúdo do estômago do indivíduo indicou a presença de restos de peixe, um alimento provavelmente descartado por pescadores locais, assim como resíduos de uma ave galinácea.
Os autores referem que foram ainda registados sete avistamentos de chacais-dourados na Finlândia, o mais recente dos quais em Ivalo, em Agosto de 2024. À luz destas novidades, a Finlândia considerou que, uma vez que a espécie chegou naturalmente ao país (ou seja, não foi introduzida), o chacal-dourado deveria ser classificado como autóctone (e não como uma espécie invasora) e protegido à luz da Lei da Conservação da Natureza.
O estudo da Mammalian Biology, que tinha como objectivo examinar a origem e possíveis rotas de migração de três chacais-dourados localizados nas fronteiras da área habitual de distribuição, contou ainda com a colaboração de cientistas polacos, noruegueses e espanhóis. Os três indivíduos estudados pelos autores eram machos e, de acordo com as análises, consistiam em migrantes de primeira geração. Não foram encontradas provas de hibridação com cães domésticos.
O terceiro indivíduo estudado é aquele que foi encontrado em Espanha, sendo provavelmente originário da população da Panónia ocidental (Hungria, regiões da Áustria e Croácia), o que significa que poderá ter percorrido mais de 1600 quilómetros. A região do Adriático (a 1300 quilómetros de distância do País Basco) também é uma hipótese aventada pelos cientistas, ainda que menos provável, de acordo com a mesma fonte.
Uma espécie resiliente e adaptável
O que o novo artigo reitera, segundo um comunicado, é a capacidade assinalável de os chacais-dourados percorrerem “distâncias espantosas em condições ambientais muito diferentes e de estabelecer novas alcateias e populações em climas extremos, realçando a sua notável resiliência e adaptabilidade”.
A nota de imprensa aponta a crise climática como um dos factores de expansão da espécie e sublinha ainda o facto de o Canis aureus se mostrar capaz de se adaptar ao frio, sobrevivendo na neve compacta do Círculo Polar Árctico.
Francisco Álvares, que não esteve envolvido no estudo, hesita em estabelecer uma relação forte entre a mudança do clima e a expansão “extraordinária” do chacal-dourado.
“Mais do que as alterações climáticas, esta expansão está ligada à actividade humana. O chacal é bicho generalista que tira muito partido dos resíduos humanos. As características que determinam a ocorrência do chacal são as zonas agrícolas, a transformação da paisagem pelo homem, o que inclui animais mortos”, refere o investigador português, que sublinha a importância que a espécie tem na limpeza dos ecossistemas (uma vez que recicla matéria orgânica).
A tendência de expansão do chacal não é um fenómeno exclusivo da Europa. “Este processo verifica-se no Irão e no Egipto, país de onde está a expandir-se com uma grande velocidade para a península arábica. Já há registos no meio da península, quando antes eles estavam apenas no Sahel e no Levante. É uma espécie muito adaptável. O chacal está a deixar-nos a todos surpreendidos, conseguem ocupar tudo, são muito adaptáveis”, observa Francisco Álvares.
O chacal-dourado é um animal menor do que um lobo, em tamanho, mas maior do que uma raposa. São animais nocturnos que, geralmente, vivem em pequenos grupos familiares (normalmente o casal reprodutor juntamente com as crias daquele ano). Existem também indivíduos solitários, principalmente quando dispersam à procura de parceiro. O investigador do Cibio faz notar que os chacais se estabelecem no limite das alcateias, jamais no interior nos territórios ocupados por lobos.
“Daí que populações estáveis de lobos possam ajudar manter o chacal mais controlado, com menos probabilidade de expandir. Talvez a expansão extraordinária do chacal nos últimos 30 ou 40 anos tenha que ver com a extinção do lobo. Se calhar, o declínio do lobo na Europa em meados do século XX permitiu que o chacal se sentisse livre para fazer essa expansão”, equaciona o investigador português.
Actualmente, há países que protegem o chacal-dourado, como a Finlândia, e há outros em que o animal é visto como uma espécie cinegética, ou seja, que pode ser caçada. Classificada pela IUCN com o estatuto de conservação “não preocupante”, a espécie Canis aureus pode causar conflitos e impactos económicos em comunidades onde haja pastoreio, por exemplo, mas estas situações podem ser geridas ou mitigadas com boas práticas, como, por exemplo, sensibilização para a coexistência e mecanismos de compensação quando há perda de gado.
“Com um ritmo de expansão rápido, em pouco mais de três a sete anos deve chegar a Portugal e entre dez e 15 anos deve ficar estabelecido. Só prova que a natureza não é estática, é dinâmica e que está sempre em constante evolução. E isso não deve ser visto como algo mau ou indesejável, mas como algo normal e natural. O chacal-dourado vai chegar a Portugal e, à semelhança do urso pardo, é apenas uma questão de tempo”, prevê Daniel Veríssimo, economista que trabalha na área da conservação, num texto da revista Wilder.