E, pela terceira vez este ano, as auroras boreais voltaram a Portugal
Os registos de uma aurora boreal observada novamente em Portugal percorrem o país um pouco por todo o lado.
Não uma, não duas, mas três vezes – só este ano já fomos presenteados com este número de auroras boreais, fenómeno raro nas latitudes de Portugal. Na noite desta quinta-feira para sexta-feira, partilharam-se nas redes sociais imagens de uma aurora boreal avistada em Portugal. O Sol atravessa uma fase de actividade intensa e o lado bonito deste frenesim no ciclo solar – há outro menos bom – tem sido uma festa de luzes no céu em locais inusitados.
As imagens partilhadas durante a última noite nas redes sociais, como o Facebook e o X, iam evidenciando a geografia variada em que foram captadas. Por exemplo, o grupo Astronomia – Portugal, no Facebook, publicou fotografias tiradas na zona de Vila Real, Famalicão, Leiria, Seia, Lousã ou na serra de São Mamede (Portalegre). As fotografias que aqui publicamos vieram de membros do grupo Astronomia – Portugal, que as cederam por cortesia ao PÚBLICO.
Já o site Meteo Trás-os-Montes – Portugal, encheu-se de fotografias da aurora boreal que as pessoas foram também enviando de Arcos de Valdevez, Bragança, Chaves, do Parque Natural do Alvão, Macedo de Cavaleiros, Viseu, Guarda, Freixo de Espada à Cinta, passando por Penamacor, Covilhã, Fundão, serra da Estrela, São Pedro do Sul, Évora ou Pias (Serpa), e incluindo a ilha da Madeira e os Açores.
Horas antes, o Meteo Trás-os-Montes tinha deixado um “alerta de aurora”, reproduzindo um mapa interactivo das regiões prováveis a serem atingidas, divulgado em sites como o Centro de Previsão de Meteorologia Espacial (SWPC) norte-americano e o Spaceweather, e que dizia: “Estão a ser visíveis em boa parte da Europa novas auroras boreais! Não o podemos garantir, mas podem sempre tentar...” E, na realidade, as auroras chegaram cá.
No site Spaceweather, especificava-se que tinham sido observadas na Europa, a 10 de Outubro, auroras em países como França, Dinamarca, Suíça, Alemanha, Itália, Hungria, Inglaterra e Escócia. O mesmo tinha sucedido um pouco por todos os Estados Unidos e ainda na Índia ou na Austrália. Isto porque, explicava-se, “uma tempestade solar tinha atingido a Terra”: uma ejecção de massa coronal da classe X – as maiores e mais energéticas – tinha sido lançada pelo Sol e atingido a Terra e parecia ser tão “potente” que estavam a caminho tempestades geomagnéticas cuja intensidade poderia variar entre o moderado e o severo. “Se está escuro onde se encontra esteja atento a auroras”, dizia-se.
Numa actualização ainda a 10 de Outubro, o Spaceweather dava conta de que a tempestade geomagnética se estava a intensificar: “Abriu-se uma grande fenda no campo magnético da Terra. Se se mantiver aberta, os níveis da tempestade [geomagnética] podem escalar para a categoria G5 (extrema) durante a noite de 10 para 11 de Outubro, trazendo auroras luminosas disseminadas pelos Estados Unidos.”
O investigador Fernando Pinheiro, do Departamento de Física da Universidade de Coimbra, especificou ao PÚBLICO que esta grande erupção solar ocorreu na madrugada de 9 de Outubro, pelas 2h56 (de Lisboa). Teve a intensidade X1.8, o que corresponde a uma classificação da erupção solar como “forte”, de acordo com uma escala do SWPC.
Por sua vez, essa erupção solar esteve associada a uma ejecção de matéria coronal (CME, na sigla em inglês). Pouco depois, por volta das 3h30 (de Lisboa), este material solar foi observado pela primeira vez pelo satélite Stereo-A, da NASA. Esse material é plasma, um dos estados da matéria, e que no caso de uma CME atinge maiores quantidades e velocidades do que o vento solar que ocorre normalmente.
Portanto, por si só, uma erupção solar não provoca uma tempestade geomagnética. As erupções solares vão acontecendo com frequência, emitindo radiação electromagnética. Apenas quando uma erupção solar é acompanhada por uma ejecção de matéria coronal – e que vem dirigida à Terra, o que nem sempre acontece – é que ocorre uma tempestade geomagnética mais intensa. “O que provoca uma tempestade geomagnética é a interacção entre plasma solar e o campo magnético da Terra”, explica Fernando Pinheiro.
A região do Sol onde a erupção se deu implicou que, inevitavelmente, a CME “acabaria por interceptar o nosso planeta”, realça astrofísico e geofísico português. Pelas 16h15 de 10 de Outubro, aquela ejecção de matéria coronal atingiu assim a Terra. “O material que vem do Sol geralmente demora cerca de dois dias até chegar à Terra.”
Meia hora antes do embate do plasma solar no campo magnético do nosso planeta, dois outros satélites norte-americanos – o Deep Space Climate Observatory (DSCOVR) e o Advanced Composition Explorer (ACE) – detectaram mudanças bruscas em relação ao material geralmente vindo do Sol. De repente, a sua velocidade saltou de 460 quilómetros por segundo para perto de 800 quilómetros por segundo, assinala Fernando Pinheiro.
“Da chegada deste material ao nosso planeta resultou a tempestade geomagnética que estamos a viver.” Ainda que não se previsse que esta tempestade geomagnética viesse a ser tão intensa como a que ocorreu a 10 de Maio deste ano, ela acabou por corresponder à classificação de tempestade “severa”, também numa escala do SWPC. “Até ao momento, esta é a segunda tempestade geomagnética mais intensa de que há registo no actual ciclo solar, tendo já ultrapassado a intensidade de todas as tempestades magnéticas do ciclo anterior”, salienta Fernando Pinheiro.
O tom avermelhado
E assim as auroras boreais chegaram novamente a diversas geografias portuguesas precisamente na noite de 10 para 11 de Outubro. “Tal como sucedeu em Maio deste ano, nesta noite foi relatada a presença de auroras, ditas ‘boreais’, por ocorrerem no hemisfério Norte, nos céus do nosso país”, refere o investigador da Universidade de Coimbra. “O tom avermelhado destas auroras está associado à ionização de átomos de oxigénio que se encontram a altitudes entre as duas e as três centenas de quilómetros, sendo assim as auroras que conseguem ser observadas a maiores distâncias e latitudes mais baixas”, especifica Fernando Pinheiro.
Depois de décadas sem serem observadas em Portugal, nos últimos anos as auroras boreais regressaram e só durante 2024 já apareceram em Maio (de forma intensa) e em Agosto (de forma mais discreta) e agora esta de Outubro (também intensa), tudo porque o Sol está a atingir este ano o máximo de actividade no ciclo solar de 22 anos. Fernando Pinheiro recorda que, no ano passado, houve registos de uma aurora boreal em Portugal, ainda que fraquinha, a 4 de Novembro. O fenómeno foi visto no Norte e Centro do país.
Mais para trás, há registos de auroras avistadas em Portugal em Fevereiro de 1872, em Janeiro de 1938 e Janeiro de 1957, por exemplo, e que, pela sua invulgaridade, foram notícia nos jornais.
O máximo de actividade no ciclo solar significa a ocorrência de erupções solares mais energéticas – ou seja, as tais ejecções de massa coronal, compostas por gases ionizados a altas temperaturas provenientes da coroa solar, a camada mais externa da atmosfera do Sol. Em suma, quando estas CME atingem o campo magnético terrestre, podem perturbá-lo e provocar as tempestades geomagnéticas, originando auroras mais intensas e em locais de baixa latitude à volta do planeta. Também podem provocar distúrbios nos serviços fornecidos por satélites, em serviços de comunicação através de ondas rádio ou nas redes de energia eléctrica. Para já, é digno de nota o espectáculo de luzes avermelhadas.
Se vamos ter mais auroras boreais por estes dias em Portugal, Fernando Pinheiro responde que o campo magnético da Terra vai começar a recuperar a sua intensidade normal, ainda que demore alguns dias. “Em princípio, já será improvável observar auroras.”