Algarve abriu as torneiras: “Estamos a vender, em Faro, mil litros de água por 60 cêntimos”, alerta autarca

“Não é por termos 18 milhões de metros cúbicos nas albufeiras que temos garantia de que não vai faltar água”, alertou a presidente das Águas do Algarve numa conferência internacional.

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Há cerca de 200 milhões de euros previstos no PRR destinados à eficiência hídrica na região do Algarve Enric Vives-Rubio
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Os municípios algarvios esqueceram-se que a seca não desapareceu, e voltaram a gastar água sem freio. “Chegou o mês de Setembro, abriram as torneiras”, denunciou nesta terça-feira a presidente da empresa Águas do Algarve, Isabel Soares, na abertura de um seminário sobre sustentabilidade e gestão da água, que decorre durante dois dias na Universidade do Algarve (Ualg).

Do início do ano até Agosto – sob ameaça de penalizações as câmaras reduziram 9,6%, em média, os consumos urbanos. “Não é por termos uma reserva de 18 milhões de metros cúbicos nas albufeiras que temos garantia de que não vai faltar água no próximo ano”, alertou a gestora, que foi presidente da câmara de Silves.

Os ganhos alcançados nas reservas das barragens, admitiu Isabel Soares, foram conseguidos à custa da reactivação de furos municipais que não estavam a ser utilizados. A reabilitação desses recursos, adiantou, representou um custo acrescido de cinco milhões de euros. Nos próximos dois anos estão previstos, neste sector, investimentos de 240 milhões vindos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)​, sendo a maior fatia destinada à construção da dessalinizadora e à ligação da barragem de Odeleite ao Pomarão (bacia do Guadiana).

Até que a obra se concretize, resta esperar que o ano hidrológico seja melhor que os anteriores. O Outono não está a trazer grandes esperanças, pelo que o mais certo é que em Janeiro se repitam os slogans de poupança da água, com resultados diminutos.

Do conjunto dos 16 municípios – embora a média global das reduções se tenha aproximado dos 10% impostos pelo Governo –,​ sete não cumpriram. Ao contrário do que estava prometido, não sofreram quaisquer penalizações.

“É muito difícil pedir aos consumidores para reduzir”, afirmou o presidente da Câmara de Faro, Rogério Bacalhau, uma das câmaras que registaram apenas 1% na diminuição dos consumos urbanos. Na opinião do autarca, o resultado foi meramente simbólico. “Os gastos dos municípios representam apenas 2% dos consumos médios da região”, exemplificou.

Perdas e custos

Os grandes ganhos de poupança que poderão ser obtidos, defendeu Rogério Bacalhau, passam por um maior investimento na remodelação da rede de distribuição. “Tenho zonas da cidade, com uma rede que tem 70 anos. Tem rupturas todos os dias, e a água foge por todos os lados”, afirma. O PRR destinou a este tipo de intervenção uma verba de 66 milhões para toda a região. “Não chega, só para Faro são precisos 40 milhões”, sublinhou.

Os custos elevados, adiantou, estão igualmente relacionados com o baixo custo deste bem essencial. “Estamos a vender, em Faro, mil litros de água por 60 cêntimos” — o preço que terá custado cada uma das garrafas de água de plástico, distribuída na mesa nos palestrantes.

O preço das tarifas, com valores diferentes de concelho para concelho, introduz uma injustiça relativa, afirmou ainda o autarca da capital algarvia. “Devia haver uma tarifa única, tal como existe com o fornecimento de electricidade”, propõe. Pedro Perdigão, administrador da empresa Indaqua que tem a concessão de exploração de redes na zona norte, discordou: “Isso seria desmotivar quem investe na eficiência e boa gestão”, disse, lembrando ainda que, muitas das vezes, não é preciso gastar milhões e milhões para renovar velhas canalizações.

Na Dinamarca, exemplificou Pedro Perdigão, em contraponto, “as câmaras que têm perdas superiores a 10% sofrem multas”. “Basta a monitorização [com sensores] das redes” para detectar rupturas, e intervir onde é necessário, concluiu. No Algarve, são distribuídos em alta 70 milhões de metros cúbicos/ano, “mas há municípios que têm perdas superiores a 30%”, admitiu a presidente da empresa Águas do Algarve, Isabel Soares.

Por seu lado, Isabel Soares preconizou ainda, no plano da sustentabilidade, uma maior aposta na reutilização das águas residuais: “Temos a maior Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), a da Companheira (que recebe os esgotos de Portimão, Lagoa, Silves e Monchique) que não pode ser usada [para rega] por causa da intrusão salina.”