Ucrânia acusa Rússia de causar mortandade de peixes em dois rios com poluição

Descargas de uma refinaria de açúcar na região russa de Kursk, onde o exército ucraniano conseguiu assumir posições este Verão, são apontadas por Kiev como origem do que chama “ecocídio”.

Foto
O rio Desna ficou sem oxigénio Ozge Elif Kizil/Anadolu via Getty Images
Ouça este artigo
00:00
05:38

O rio Desna e o seu afluente Seym, na Ucrânia, sofreram uma enorme mortandade de peixes e outros organismos aquáticos, que começou em meados de Agosto, e se tem prolongado pelo mês de Setembro. Ali no Norte da Ucrânia, próximo da fronteira com a Rússia, só nas primeiras três semanas, mais de 30 toneladas de peixes foram retirados da água e das suas margens, onde apodreciam. Morreram por asfixia.

Houve uma mancha de poluição detectada em meados de Agosto no rio Seym, perto da cidade russa de Tetkino, na região de Kursk – aquela em que a Ucrânia conseguiu contra-atacar, assegurando mesmo o controlo de parte do território, precisamente nessa altura, quando havia intensos combates na zona.

O Seym vem da Rússia e desagua no Desna, outro rio partilhado entre os dois países, e que passa pela cidade de Chernihiv, no Norte da Ucrânia. Os primeiros peixes mortos apareceram a 11 de Setembro.

“Está tudo morto, desde o peixinho mais minúsculo até ao maior dos peixes-gato”, disse ao jornal britânico The Guardian Serhii Kraskov, presidente da Câmara de Slabin, uma vila de 500 habitantes na região de Chernihiv. O dia 11 de Setembro era uma sexta-feira, e quando voltou às margens do Desna, no fim-de-semana, encontrou um cemitério de peixe a apodrecer, que se estendia por três metros terra dentro. “O cheiro era horrível, mal se podia respirar. O rio estava parado”, contou Kraskov aos jornalistas britânicos.

Voluntários com máscaras, galochas e luvas de borracha ensacaram os cadáveres de peixe e enterraram-nos.

À procura de um culpado

A situação tornou-se tão grave que a entidade que gere o abastecimento de água a Kiev, a capital ucraniana – que usa água do rio Desna, um afluente do Dnipro – começou a temer a contaminação dos poluentes cuja origem parecia claramente estar em território russo.

Os testes feitos à água revelaram que a poluição se devia essencialmente a compostos orgânicos, e foi identificado um suspeito: uma refinaria de açúcar em Tetkino, na região de Kursk, na Rússia, junto ao rio Seym.

O primeiro-ministro ucraniano, Denis Shmihal, apontou-lhe o dedo, numa conferência de imprensa, relata o jornal em inglês Kyiv Post. Calculou que os prejuízos, nessa altura, eram na ordem dos 405 milhões de hryvnias ucranianas (8,7 milhões de euros) e que o restauro dos ecossistemas levaria pelo menos três anos, segundo o site noticioso ucraniano Babel.

O hidroquímico Volodymyr Osadchii, da Academia de Ciência da Ucrânia, apresentou imagens de satélite que usou para calcular que cerca de 5600 toneladas de água contaminada tinha sido lançada no rio Seym pela refinaria de Tiotkino. “Isto é evidente porque a refinaria está à beira rio, e fica a poucos quilómetros da fronteira com a Ucrânia. A composição da poluição indica uma estrutura típica da poluição de uma refinaria de açúcar”, disse Osadchii, citado pelo Kyiv Post.

A oxidação da matéria orgânica dos resíduos da cana-de-açúcar consumiu o oxigénio que havia na água. “O nível de oxigénio desceu dos sete miligramas por litro habituais para 0,2 ou 0,4 mg por litro,”, explicou ao Kyiv Post Serhii Tsibulya, da Universidade Tecnológica de Chernihiv.

Mas quando a água do rio tem apenas quatro mg de oxigénio por litro, isso já é um nível crítico. Não é difícil perceber porque é que os peixes e demais animais morreram: asfixiaram. “A causa da mortandade nos rios Desna e Seym não é envenenamento químico, mas hipoxia (falta de oxigénio)”, explicou Tsibulya.

Serhi Zhuk, responsável pela inspecção de ambiente de Chernihiv, descreveu como um "ecocídio", ou crime contra a natureza, aquilo que aconteceu. "O Desna era um dos nossos rios mais limpos. É uma enorme catástrofe", disse ao Guardian. "Isto não tem precedentes. É o primeiro rio completamente morto na Europa", declarou.

Mas é certo que houve uma descarga intencional do lado russo?

É difícil determinar com certeza se houve um derrame intencional ou não. Fontes da polícia ucraniana disseram ao Kyiv Post, que, se o derrame tivesse resultado dos bombardeamentos ucranianos em Tetkino, a Rússia teria feito milhares de declarações e queixas. Em vez disso, temos silêncio.

Um padrão da Rússia

A água que abastece Kiev tem permanecido segura, porque a matéria orgânica se dissolve ou deposita no fundo, mas foram usados também processos químicos para acelerar a sua decomposição. Estão colocadas redes para apanhar peixes mortos, e água da torneira é purificada, assegurou ao Guardian a ministra para a Protecção Ambiental da Ucrânia, Svitlana Hrynchuk. Foram ainda instaladas estações de aeração nos rios, para aumentar o conteúdo de oxigénio na água, o que permitiu salvar parte da vida animal.

Este episódio, no entanto, faz parte de o que a ministra classificou como um padrão deplorável da Rússia na invasão da Ucrânia. Tropas russas têm destruído parques naturais, abatido animais e minado milhares de hectares de floresta em zonas ocupadas no território ucraniano. Os bombardeamentos e explosões têm dado origem a incêndios florestais. “A Ucrânia está a lutar pelo futuro. E esse futuro tem de incluir a natureza”, afirmou ao jornal britânico Svitlana Hrynchuk.

Kiev está a investigar e reunir documentação para tentar acusar a Rússia de crimes contra o ambiente no Tribunal Criminal Internacional, concentrando-se no caso da destruição da Barragem de Kakhovka, no rio Dnipro, uma das maiores do mundo, no sudeste da Ucrânia, a 6 de Junho de 2023. A gigantesca inundação produzida espalhou-se rapidamente, arrastando depósitos de petróleo e outros produtos químicos. Toneladas de água contaminada arrasaram solos, habitações, zonas naturais. O crime de ecocídio, no entanto, não está ainda definido na justiça internacional, e essa é uma das maiores dificuldades.