Governo quer fisco a trabalhar com sector vitivinícola para controlar granel vindo do estrangeiro
A par da promoção, a principal reivindicação do sector era uma fiscalização mais eficaz da cadeia logística do vinho. O Governo vai pôr Instituto da Vinha e do Vinho, fisco e CVR a cruzar informação.
Para grandes males, grandes remédios. E para o Ministério da Agricultura e Pescas, a crise no sector vitivinícola só será debelada com uma terapêutica integrada. Não bastam os apoios da destilação de crise, o ministro José Manuel Fernandes já o tinha dito, a recém-anunciada linha de crédito de 100 milhões de euros ou, no caso específico do Douro, onde a revolta é maior, reduzir a produtividade máxima por hectare — para as oito pipas, o equivalente a 6 toneladas de uva — ou proibir a entrada de vinho a granel na região. O controlo da origem do vinho é crucial e tem de ser mais eficaz, como, aliás, têm vindo a reclamar vários players do sector. Para isso, a tutela quer pôr o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) e as entidades certificadoras das 14 regiões vitivinícolas do país a trocar e a cruzar informação.
"Está em vias de conclusão" um protocolo entre o IVV e a Autoridade Tributária que, através do cruzamento de dados e da partilha de informação, "permitirá [fazer] uma fiscalização eficiente" de toda a cadeia logística do produto final, revelou o ministério em resposta enviada ao PÚBLICO, que tinha questionado o gabinete de José Manuel Fernandes sobre que outras medidas estariam na calha para combater a grave crise que o sector atravessa.
Em breve, IVV e organismos de certificação, na maior parte das regiões as CVR, associações de direito privado e de carácter interprofissional, também cruzarão dados "com ganhos de eficiência nas operações de controlo e fiscalização" nas diferentes regiões vitivinícolas.
Outra novidade é que estarão para breve mudanças profundas, há muito reclamadas, na regulamentação da região demarcada do Douro (RDD). O Governo avançou ao PÚBLICO que vai levar a Bruxelas a revisão do estatuto das denominações de origem protegida (DOP) e da indicação geográfica protegida (IGP) da RDD. Essa e outras "intervenções e medidas regulatórias", cujo objectivo é continuar a "combater o excesso de stocks no sector vitivinícola em Portugal e em especial no Douro", serão discutidas no fórum da Comissão Europeia High Level Group on Wine, um grupo de trabalho criado no final de 2023 e que se reunirá pela segunda vez no próximo dia 14 de Outubro.
Já se sabia desde o início do ano que o IVDP estava a trabalhar numa "grande reforma", como lhe chamou na altura o seu presidente, Gilberto Igrejas, das DOP Douro e Porto. Sabe-se agora que a proposta que resultou desse trabalho será discutida em Bruxelas daqui a 15 dias. A revisão que o Ministério da Agricultura e Pescas vai propor na Comissão Europeia — numa discussão que será, nesta fase, sobretudo um pró-forma — resulta da proposta feita pelo Conselho Interprofissional do IVDP nas vésperas desta vindima.
Em cima da mesa estão medidas que, acredita a tutela, "vão ajudar a diminuir o impacto futuro da diminuição do consumo mundial de vinho". A saber: "o fim do stock mínimo" para o vinho do Porto; "a possibilidade de reconhecimento do Conselho Interprofissional como agrupamento de produtores; o aumento da protecção das DOP/IGP da RDD; a obrigatoriedade de engarrafamento na RDD da IGP Duriense; a exclusividade de uvas da RDD na produção da IGP Duriense; o estabelecimento de regras sobre a densidade de plantação; a regulação do rendimento por hectare na RDD; a alteração do título alcoométrico adquirido das DOP da RDD; maior controlo na coexistência na RDD de vinhos sem direito a DOP/IGP; e a possível simplificação do diploma com remissão de diversas matérias para formas de hierarquia inferior".
Para lá da revisão do estatuto das DOP e IGP, o ministério está a equacionar a "possibilidade de reforçar o Plano de Promoção e Internacionalização do IVDP com recurso ao saldo de gerência, num quadro estratégico plurianual de investimento". O IVDP tem a promoção dos vinhos do Douro e do Porto, mas o que acontece é que os operadores têm sentido mais vantagens em levar os seus vinhos à boleia das acções de promoção realizadas pela ViniPortugal e, muitas vezes, em eventos internacionais o mesmo produtor, da mesma região, acaba por mostrar os seus vinhos em dois stands ou apenas no dos Vinhos de Portugal. Mais e melhor promoção é há muito reclamada pelos agentes económicos a operar no Douro.
No fórum High Level Group on Wine, será discutido isso mesmo, bem como a necessidade de efectuar "controlos quotidianos e regulares das empresas e adegas cooperativas e trânsitos na RDD". Para que esses "varejos" sejam bem direccionados, ajudará o tal protocolo com o fisco, mas também a implementação de um "novo sistema de interoperabilidade de dados, entre o IVV e os organismos de certificação", que deixarão de ter desculpas para não trocarem "informação relevante", nomeadamente sobre "situações de risco". O Governo diz ter vindo a reunir-se também com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e a Guarda Nacional Republicana.
Novas regras de rotulagem
A menção de origem nos rótulos dos vinhos não certificados (os que hoje surgem no mercado com a indicação "mistura UE"), "por uma questão de transparência", e o "aumento das dotações destinadas à promoção" em países terceiros em 14,2 milhões de euros — o reforço "está na reprogramação do PEPAC [Plano Estratégico da Política Agrícola Comum]", sublinha o gabinete de José Manuel Fernandes — são outras medidas que o Governo espera ver aprovadas em Outubro.
Em cima da mesa estarão também "soluções para uma gestão orçamental plurianual dos apoios destinados à gestão de crise e mecanismos de estabilização de rendimento", bem como "medidas para maior auto-regulação das regiões produtoras de vinhos de qualidade", como por exemplo "instrumentos de partilha de valor" e "normativos de qualidade".
Recorde-se que na terceira reprogramação do PEPAC submetida à Comissão Europeia estão ainda a colheita em verde, cuja proposta é accionar quando "existir uma situação de desequilíbrio de mercado que o justifique", e o apoio a investimentos "nos sistemas das explorações vitícolas e nas infra-estruturas das adegas". O que inclui desde "novas plantações de vinhas" a melhorias na "eficiência energética e produção de energia renovável", passando pela aquisição de "depósitos de armazenamento e fermentação de vinho". Através de "candidaturas simples, desmaterializadas e assentes em custos simplificados".