Lobos da Europa podem perder estatuto e ter menos protecção. Governos apoiam proposta
Portugal garante não reduzir a protecção do lobo em território nacional, ainda que aceite “por solidariedade” a proposta de Bruxelas para que o estatuto seja rebaixado. Decisão será ratificada dia 26.
Portugal foi um dos países a apoiar a proposta da Comissão Europeia para baixar o estatuto de protecção do lobo de “estritamente protegido” para “protegido”, confirmou esta quarta-feira o site Euractiv. A tomada de posição ocorreu esta manhã no encontro do Comité dos Representantes Permanentes da União Europeia (COREPER), em Bruxelas, que reúne os diplomatas e equipas técnicas dos diferentes Estados-membros.
Fontes diplomáticas da União Europeia afirmaram ao Euractiv que apenas a Espanha e a Irlanda votaram contra a proposta. Portugal, que há poucas semanas tinha defendido a manutenção do estatuto de conservação do lobo, acabou por mudar de ideias, em resposta a um “pedido de solidariedade dos outros Estados-membros que têm tido problemas”, como descreveu ao Azul a ministra do Ambiente e Energia, Graça Carvalho.
A ministra, contudo, garantiu que Portugal mantém a autonomia para não alterar o estatuto de conservação do lobo em território nacional, pelo que a mudança proposta pela comissão não terá efeito no nosso país. Também a Alemanha reforça que as alterações servirão para alterar o estatuto apenas para os lobos, e não de outras espécies de grandes carnívoros selvagens.
Em Fevereiro de 2023 12 ministros do Ambiente europeus (incluindo o então ministro do Ambiente e da Acção Climática de Portugal, Duarte Cordeiro) afirmaram estar contra a redução do estatuto de protecção do lobo. Nesse mês, enviaram uma carta ao comissário europeu para o Ambiente, os Oceanos e as Pescas, deixando claro que estavam contra uma resolução sobre carnívoros de grande porte que foi adoptada pelo Parlamento Europeu em Novembro de 2022.
A discussão sobre se já existiam lobos a mais na Europa não esmoreceu. Em Setembro de 2023, a União Europeia anunciou que pretendia rever o estatuto de conservação dos lobos, algo que grupos de pressão dos agricultores e dos caçadores reclamam há bastante tempo, em resultado da recuperação desta espécie em vários países europeus.
A votação final da proposta discutida esta quarta-feira terá lugar na quinta-feira, no Conselho da Competitividade (COMPET), onde se espera que os ministros ratifiquem a decisão do COREPER, refere o Euractiv.
“Contra toda a evidência científica”
A Comissão Europeia apresentou em Dezembro de 2023 uma proposta para rebaixar o estatuto do lobo de espécie “estritamente protegida” para espécie “protegida” na Convenção de Berna sobre a Protecção da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais na Europa, um acordo que inclui outros países além da União Europeia. Este passo é necessário para a alteração da directiva Habitats, que protege as populações de lobo na União Europeia.
Pedro Prata, director-executivo da Rewilding Portugal - uma das associações que tem trabalhado com a conservação desta e outras espécies na região a sul do Douro -, lamenta esta tomada de posição dos governos, que considera estarem a “usar o lobo como bode expiatório dos seus problemas económicos”.
“É uma atitude reactiva, não proactiva”, lamenta o biólogo, reforçando que a decisão “claramente política” vai “contra toda a evidência científica”. Pedro Prata considera esta mudança no estatuto de protecção como “simbólica” é ainda “mais grave numa altura em que a União Europeia e as Nações Unidas declararam compromissos de restauro da natureza”.
De acordo com o Euractiv, Bruxelas deve notificar o Secretariado da Convenção de Berna até à próxima terça-feira, 1 de Outubro, se tenciona propor a alteração da regra, a tempo da reunião anual do comité responsável.
“Controlo letal de lobos não é eficaz”
As organizações ambientalistas têm alertado que esta é uma medida que contraria as provas apresentadas pelos cientistas.
Tanto na Convenção de Berna como na Directiva Habitats, as espécies têm que chegar a um estatuto de conservação favorável para que seja revisto o seu estatuto de protecção, explica ao Azul a bióloga Marta Cálix, directora de operações da Rewilding Portugal.
Ora, o problema é que a espécie Canis lupus “não tem estado de conservação favorável na Europa”, explica a bióloga. O lobo ainda está em perigo de extinção em muitos países, como é o caso de Portugal, e muitos países não têm ainda um número de indivíduos da espécie que permita aprovar o “controlo letal”.
Com a eventual alteração na Convenção de Berna e a posterior mudança na Directiva Habitats, tornar-se-á mais fácil “aprovar derrogações para haver controlo legal do lobo, uma flexibilidade para poder matar mais lobos que neste momento não existe”, explica Marta Cálix.
Além das provas de que as populações de lobo na Europa não se encontram num estatuto de conservação favorável que justifique a mudança no estatuto de protecção, os estudos científicos mostram que “o controlo letal de lobos não é eficaz, porque o que faz é desestabilizar as alcateias”, acrescenta ainda a bióloga. Matar lobos faz com que os outros animais das alcateias se dispersem e procurem novas áreas, o que gera mais ataques no gado - ou seja, “não diminui de nenhuma forma os ataques”.
Faltou prevenção
O que fazer, então, para resolver os problemas dos ataques? “Falta uma atitude pró-activa de preparar a chegada deste animal a zonas onde a espécie está a expandir-se”, explica Marta Cálix. “As soluções existem, mas não estão a ser adoptadas a nível político nem a ser implementadas no terreno.”
Aliás, alguns dos países que têm feito mais pressão para estas alterações, como Alemanha, Bélgica e Países Baixos, não são “sequer os países que têm mais lobos”, mas sim aqueles onde existe produção de gado mas não houve medidas de prevenção de prejuízos.
Ou seja, apesar de a reintrodução do lobo na Europa ter sido uma história de sucesso (apesar de ainda não ser suficiente), houve desde o início uma falta de coordenação entre os pelouros da conservação da natureza e os da economia, em particular a agricultura.
Um alerta que tem sido feito há vários anos, relata Marta Cálix, é a “falta de integração de medidas de prevenção de prejuízo nos apoios da CAP”, uma omissão “flagrante” que cria uma situação que podia ter sido prevenida.