Fit for 90, da União Europeia, uma meta mais do que improvável!

A União Europeia, muito provavelmente, não irá conseguir atingir as metas a que se comprometeu, as quais são bandeiras da Presidente da Comissão Europeia. Fit for 90, uma falácia ou uma farsa?

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A 30 de Novembro de 2023, por altura da COP28 no Dubai, escrevia o PÚBLICO: “Fit for 90? Bruxelas já está a preparar a nova meta de redução das emissões até 2040. A UE chegava à COP28 com o trabalho de casa feito: todas as propostas legislativas do pacote Fit for 55 foram aprovadas, e a sua execução pode resultar num corte próximo dos 60% até ao final da década.” E em Julho deste ano era anunciado que a presidente da Comissão Europeia, porque precisava dos votos dos Verdes para a sua reeleição, se comprometeu a satisfazer os mínimos das exigências dos ecologistas, salvando os seus anteriores compromissos climáticos (redução de 90% de emissões até 2040).

Mas, em Janeiro deste ano, citando o PÚBLICO num artigo de Aline Flor de 22 de Fevereiro, ficámos também a saber que, de acordo com o relatório do Tribunal de Contas Europeu (TCE), o orçamento comunitário de 2021-2027 e os planos nacionais de energia e clima dos Estados-membros “pouco indica que as acções para alcançar as aspirações de 2030 sejam suficientes”. O TCE tinha encontrado um buraco de 406 mil milhões de euros por ano no investimento climático da UE até 2030.

E em Julho foi anunciado que Portugal e 25 outros países europeus tiveram a abertura de processos de infracção por estarem em falta na transposição legislativa (relativo à Lei de Bases do Clima) sobre a taxação das emissões de carbono, de modo a fomentar a sua redução. Os Estados-membros deveriam transpor para as respectivas leis nacionais a legislação europeia até 30 de Junho de 2024. Apenas a Áustria o cumpriu, o único país que escapou ao processo de infracção.

Por aqui se vê, se continuarmos assim, que a UE, muito provavelmente, não irá conseguir atingir as metas a que se comprometeu, as quais são bandeiras da presidente da Comissão Europeia.

Fit for 90, uma falácia ou uma farsa?

Façamos uma pequena análise. De 1990 a 2022, a UE27 reduziu em 28,6% as suas emissões de CO2, de 3,87 para 2,76 mil milhões de toneladas, correspondendo a uma taxa média de 1%/ano (ver imagem abaixo). Já entre 2005 e 2022, reduziu 26,1%, com taxa anual de apenas 1,8%. Para reduzir 90% até 2040, face ao valor das emissões de 1990, a UE, a partir de 2023, teria de reduzir as emissões a uma taxa média de 10,9%/ano. Ora, para cumprir a meta do pacote Fit for 55 (depois de revista para 60% de redução até 2030), nos seis anos que ainda faltam desta década, a UE terá de reduzir as emissões a uma taxa média de 8%/ano (seguida de uma taxa de 12%/ano na década seguinte).

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Evolução das emissões de dióxido de carbono da União Europeia a 27, distribuída por fonte de emissões (fonte de dados: Our World in Data)

Vejamos! Se em período algum, com a excepção do primeiro ano da pandemia covid-19 (redução de 9%) e da crise de 2008 (redução de 8%), a UE nunca conseguiu, de forma sustentada, reduções significativas de emissões de dióxido de carbono superiores a 2%/ano (exceptuando o período 2009-2013, por efeito da crise), então como é que a UE27 vai conseguir reduções desta grandeza? Qual o plano? Serão apenas intenções e uma boa lista de narrativas, ou há um plano concreto e revolucionário que rompa com o paradigma da economia global?

A taxa sustentada de redução de emissões da UE27 desde 2005 foi de 1,8%/ano e de 1,9% para a ex-UE28 (UE27+ Reino Unido), compatível com a normalidade das taxas da economia europeia e mundial. Pois tudo o que seja substancialmente acima destes valores são excepções ou mudanças disruptivas que rompem com o paradigma. E nos casos ou sectores da economia em que ocorrem crescimentos sucessivos de ou próximos de dois dígitos, ao fim de uma ou duas décadas observa-se o efeito de saturação, ou de “arrefecimento”, como aconteceu recentemente com a economia chinesa, ou com as economias ocidentais desde os anos 80, depois de duas décadas a crescerem próximo dos dois dígitos.

Tal como referi no artigo de 24 de Outubro de 2023, a “sustentabilidade” e os green new deals estão a tornar-se uma moda, uma nova forma de greenwashing, correndo o risco de se tornarem uma utopia, tal como a “economia verde” se tornou desilusão e fracasso. Não faltam por aí casos de fraude no mercado de créditos de carbono, empresas que branqueiam a sua imagem com supostos padrões de sustentabilidade através das compensações de carbono — compra de crédito de carbono.

Um sistema que supostamente corresponde à captura real de carbono através da plantação de árvores, maioritariamente no Sul Global, ou do restauro de zonas húmidas, para compensar as emissões. Mas, no final, vamos ver, e grande parte das árvores ou não se desenvolveu, ou foi cortada, ou nem sequer foi plantada. E a captura de carbono que supostamente compensava as emissões das empresas ou Estados que compraram os créditos, afinal, é uma fraude. Uma simples oportunidade de negócio para muitos operadores do mercado privado.

Muito recentemente, a Amazon anunciou uma nova norma de compensação de carbono, para credibilizar o que está a perder “crédito”, uma alternativa à norma globalmente aceite e desenvolvida por uma organização financiada por Jeff Bezos, o próprio fundador da Amazon.

Não devemos esquecer que nos fomos habituando a ouvir frequentemente muitos analistas, políticos e especialistas em economia a referir que o combate às alterações climáticas é uma nova oportunidade para a economia mundial. Claro que é, está a ser… para alguns! Desta forma, está a perder-se a oportunidade da verdadeira mitigação climática.

Estas realidades põem em risco o cumprimento das metas de redução de emissões de carbono e do limite de aquecimento global de 1,5 a dois graus, através da neutralidade carbónica até 2050. Se a União Europeia não conseguir cumprir com as suas próprias metas, qual é o país ou grupo de países que conseguirá? Se globalmente não se conseguir, quem assumirá o falhanço? A UE nem sequer é das regiões que mais contribuem para as emissões globais, contribuindo globalmente com pouco mais de 7%.

Os cientistas têm mostrado que, mesmo que se cumpra o plano das Contribuições Nacionalmente Determinadas (metas com que cada país se compromete para se alcançar a neutralidade carbónica), o planeta aquecerá entre 2,7 e 3,3 graus Celsius. E se não se cumprirem, nem que seja apenas uma parte dessas contribuições, poderemos esperar um aquecimento global superior a três graus até ao final do século. Se um aumento de 1,5 graus é perigoso, mais de três graus é catastrófico!

O sexto e último relatório de avaliação climática do IPCC, o AR6, é taxativo ao afirmar que, para qualquer cenário superior a 2,5 graus, o aquecimento global continuará a aumentar no próximo século. E o que é que isso significa? Numa consulta rápida ao mesmo relatório, pode-se constatar que, apesar de muito pouco provável, existe a possibilidade de o nível médio do mar poder subir cerca de sete metros até 2300.

Para se ter uma ideia concreta do que significa uma subida do nível do mar de sete metros, é o suficiente para que as marés inundem frequentemente a Baixa de Lisboa até ao Rossio, bem como parte do Parque das Nações até às portas do Campus de Justiça, sede do tribunal que condenou este ano activistas climáticos pelas suas acções de protesto. Que tamanha ironia do destino!

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