Diferentes responsáveis do sector vitivinícola pediram, esta quinta-feira, mais fiscalização na estrada e nas adegas portuguesas, por forma a que a rastreabilidade do vinho rotulado e vendido como sendo português seja infalível. E defenderam uma aposta em mais e melhor informação ao consumidor, para que este decida sabendo exactamente o que está a comprar.
Na conferência sobre os desafios e oportunidades para o sector do vinho, promovida pela Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas (ANCEVE) e pela Universidade Portucalense, deveria ter estado o ministro da Agricultura e Pescas, que à última da hora, e por causa dos incêndios que fustigam o país — José Manuel Fernandes tem a pasta das florestas —, cancelou a presença na iniciativa.
Num primeiro painel, mais focado na competitividade do sector, o foco esteve quase sempre na fiscalização e, apesar do apelo do jornalista do PÚBLICO, Manuel Carvalho, que moderou a discussão, para que os oradores avançassem com “soluções concretas” para “uma resposta robusta” do sector a uma crise que há muito se adivinhava, só no final a maioria foi, de facto, concreta.
Da plateia, alguém pediu uma medida concreta a cada um: criar e monitorizar o fluxo de produção em cada adega de forma a saber em cada momento o que lá está e de onde vem (Francisco Toscano Rico, presidente da Associação Nacional das Denominações de Origem Vitivinícolas); sensibilizar e conseguir colocar a restauração a servir vinho certificado, em concreto com Indicação Geográfica, como vinho da casa (Rodolfo Queirós, presidente da Comissão Vitivinícola Regional da Beira Interior); controlo, obrigando "as pessoas a reportar tudo — a Autoridade Tributária controla-nos a todos, sem fiscalizar assim tanto (António Sucena Cláudio, do Fórum Unidos pela Vinha de Portugal); “reduzir o limite de produção máxima por hectare nas uvas tintas já este ano” (Francisco Mateus, presidente da Comissão de Viticultura Regional Alentejana); “investir na interoperabilidade do sector, que é chave” para sair da actual crise (Filipa Melo-Vasconcelos, sub-inspetora-geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica).
Antes, já a tónica tinha sido colocada sobretudo na fiscalização, com Rodolfo Queirós, a defender que o sector deve “apertar a fiscalização”, com “uma maior colaboração entre as diferentes entidades”, para “haver algum controlo dos vinhos que andam de região para região ou, neste caso, de país para país”.
“Quando este Governo tomou posse, a Andovi apresentou um conjunto de medidas prioritárias. Mais e melhor controlo sobre os fluxos vínicos e a fileira toda. Queremos e temos insistido muito junto dos diferentes organismos, seja o Instituto da Vinha e do Vinho – porque nos vinhos de mesa, esse controlo não acontece –, seja a ASAE. Precisamos que seja reactivada a base de dados isotópica da ASAE, para que as CVR tenham conhecimento efectivo do vinho que entra nas suas regiões”, considerou, por seu turno, Francisco Toscano Rico.
A prioridade tem de ser o “bom funcionamento do mercado” e isso significa duas coisas, defendeu: “fiscalização e boa informação ao consumidor.”
Dada a insistência na questão da fiscalização, Filipa de Melo-Vasconcelos começou por lembrar que “o trabalho da ASAE não se esgota no sector vitivinícola” e que, mesmo nesse sector, “a fiscalização não é só andar atrás de camiões”. A responsável enumerou diferentes tarefas, da recolha de amostras à análise laboratorial, para defender que só com uma “conjugação de esforços de todas as entidades” é que a fiscalização será mais eficaz.
Recorde-se que, nesta vindima, a ASAE assinou um protocolo de colaboração precisamente com uma comissão vitivinícola, a da região dos Vinhos Verdes, e com o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto.
Melo-Vasconcelos disse ter tido a “experiência de testar dois modelos de fiscalização”: “antes de 2006, quando a fiscalização estava radicada no IVV” e depois quando essa competência passou para a ASAE. E, notou, se é verdade que antes de 2006, “o IVV tinha 112 pessoas no sector da fiscalização só a trabalhar o sector vitivinícola” e "essa fiscalização era paga pelas taxas cobradas ao sector”, também é verdade que hoje há vários instrumentos, nomeadamente um sem-número de “documentos declarativos”, que permitem rastrear o que acontece da vinha ao copo. Haja para isso “maior interoperabilidade”, defendeu.
A ASAE tem “duas vezes e meia o número de inspectores” que tinha o IVV há quase 20 anos, mas esse contingente é para todo o sector agro-alimentar, justificou.
António Sucena Cláudio, do Fórum Unidos pela Vinha de Portugal, considerou que falta uma estratégia ao / para o sector e que essa estratégia devia estar hoje com o Estado. Porque, no seu entendimento, a crise só chegou onde chegou, porque “existe uma conivência total com a ilegalidade e a fraude no sector” Por ano, sublinhou, “entram 100 milhões de litros de vinho [estrangeiro] no nosso país”, “mais ou menos a produção anual do Alentejo”.
“Não podemos permitir que sejam vendidos como portugueses.” Nem entrando em lotes com Denominação de Origem ou Identidade Geográfica, de forma ilegal, nem entrando no vinho certificado pelo IVV apenas com a menção “Mistura UE [União Europeia]”.
Ainda em relação a uma fiscalização mais eficaz, Filipa de Melo-Vasconcelos lembrou que, pese embora possam existir poucos fiscais, não faltam instrumentos de fiscalização e que, inclusivamente, “qualquer compra a Espanha tem de ser comunicada ao IVV”. “Há uma portaria para isso. A questão se calhar não é haver mais fiscalização. Nós temos de mudar o chip. Nós não vamos para casa do produtor para saber o que é que ele lá tem. Há uma série de instrumentos que têm de servir para fazer análises mais finas. O sector é que tem de decidir se vai continuar a empurrar com a barriga e a pôr as fichas todas na promoção.”
“Há várias maneiras de fazer uma fiscalização eficaz. E ela será tanto ou mais eficaz quanto melhores forem os documentos declarativos”, insistiu a responsável da ASAE.
Consumidor informado comprará português
Rodolfo Queirós comentou que “o vinho certificado [ao nível das regiões] tem, de facto, outra rastreabilidade” que o vinho de mesa, como já se chamou e como ainda hoje é entendido por muitos, e que “o consumidor não faz ideia” dessa garantia de rastreabilidade, nomeadamente da origem do vinho.
Faria sentido comunicar isso? “Eu sou da opinião que faz sentido, sim. As pessoas nem sabem porque é que o vinho leva um selo. Há uma rastreabilidade no vinho que nós certificámos que no vinho de mesa não há. Um vinho certificado tem efectivamente um controlo diferente e a origem é portuguesa.”
Francisco Toscano Rico ressalvou que "todos os vinhos que estejam no mercado têm de ter indicação de origem” e que "os vinhos não certificados têm o seu papel e mercado”. Mas, justificou, o que acontece é que a menção “mistura UE” surge nos rótulos “em letras muito pequeninas”. “Há iliteracia por parte do consumidor e nós precisamos de investir nisso”, concordou.
Quem regula o tamanho da letra? “Está neste momento em consulta pública, por iniciativa do IVV, uma proposta que consideramos boa para o tamanho mínimo da letra passar a ser 5 milímetros”, revelou o presidente da Andovi. E mais, disse: “para dizer, em vez de UE, que é, por exemplo, Portugal mais Espanha”. Ou seja, para os rótulos terem mais detalhe e darem, no fundo, mais informação ao consumidor.
Preço e imagem de qualidade
“Protegermos as nossas DO e IG é a mais-valia que vamos ter no valor acrescentado do nosso vinho”, considerou também Gilberto Igrejas. O presidente do IVDP também falou na importância de apostar cada vez mais nas categorias especiais de vinho do Porto, como forma de obter também mais rendimento para a região duriense, e revelou que organismo que lidera quer, no próximo ano, "revitalizar o termo vinhas velhas", que deve ser "uma menção diferenciadora". Igrejas falava já num segundo painel, num debate mais focado em exportações e preço.
Essa mesa – em que se incluíam também Dora Simões, da Comissão Vitivinícola da Região dos Vinhos Verdes, o produtor e enólogo Anselmo Mendes, o presidente da ViniPortugal, Frederico Falcão, e o professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro João Rebelo – foi unânime num aspecto: é preciso mais e melhor promoção.
Dora Simões falou “numa aposta de entrar por cima”, numa promoção que dê prioridade no que “vai à frente e tem mais valor”, nos vinhos de qualidade. O resto, leia-se, os vinhos de volume e mais democráticos no preço, “vai atrás”. Nos Vinhos Verdes, região que lidera, deu o exemplo do posicionamento da sub-região de Monção e Melgaço. E disse ver com agrado que “outras regiões e a ViniPortugal” estão a fazer o mesmo: a comunicar o que de melhor Portugal produz.
Novas plantações e apoio ao arranque de vinha também foram temas numa conferência a que assistiram representantes de 130 empresas do sector. Rodolfo Queirós (Beira Interior) defendeu “reflexão interna” em matéria de novas plantações. E Francisco Mateus (Alentejo) deixou uma primeira interrogação: “Desde 2016 que andámos a atribuir autorizações de plantação em Portugal, 2.000 hectares por ano. Onde é que a vinha está? As estatísticas dizem que temos menos vinha. Há alguma coisa que está mal.”
Nem a vinha aumentou, nem a produção de vinho é excessiva, uma vez que, como o PÚBLICO dava conta numa grande reportagem no arranque da actual vindima, Portugal não produz vinho suficiente para fazer face à soma de consumo interno e exportações. Segundo Frederico Falcão, Portugal exporta 46% do vinho que produz. "Somos deficitários". Daí, concordou com a mesa o responsável da ViniPortugal, é preciso apostar na qualidade e na diferenciação.