Espécies de peixes em risco de extinção podem ser cinco vezes mais do que pensávamos
Com recurso à inteligência artificial, cientistas reavaliaram número de espécies de peixes em risco de extinção. Nova estimativa é cinco vezes superior às anteriores, sugere estudo da PLOS Biology.
Cientistas estimam que mais de 12% das espécies de peixes marinhos estão em risco de extinção, sugere um estudo publicado esta quinta-feira na revista científica PLOS Biology. Este valor, obtido com recurso à inteligência artificial, é cinco vezes maior do que o avaliado anteriormente pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), entidade que faz um inventário global do estado de conservação das espécies.
“A primeira grande mensagem deste estudo é que o risco de extinção das espécies de peixes marinhos parece ser maior do que o inicialmente estimado pela IUCN, aumentando de 2,5% para 12,7%, e que precisamos de estratégias de conservação ambiciosas para as proteger”, afirmou ao PÚBLICO o primeiro autor Nicolas Loiseau, investigador da Unidade de Biodiversidade Marinha, Exploração e Conservação (Marbec, na sigla em francês), em Montpellier, na França.
Os autores recorreram à inteligência artificial, tirando partido da capacidade que esta abordagem oferece para processar gigantescos volumes de dados. O objectivo era analisar ao detalhe quase 5000 espécies de peixes teleósteos marinhos que não receberam um estatuto de conservação da IUCN devido à falta de informação.
Para colmatar esta lacuna, os cientistas combinaram um modelo de aprendizagem automática com uma rede neural artificial para avaliar se o estatuto de conservação dos peixes poderia ser estimado sem intervenção humana. Os modelos foram previamente “alimentados” e treinados com dados de ocorrência, características biológicas, taxonomia e interesse económico (ou sociocultural) de 13.195 espécies.
“O nosso objectivo não é propor um estatuto de conservação alternativo ao da IUCN, mas sim complementar. As avaliações directas do risco de extinção das espécies são as mais precisas, mas exigem muito tempo e recursos. Os modelos oferecem uma forma mais rápida e económica de prever estes riscos”, explica Nicolas Loiseau, numa resposta por escrito.
Esta ausência de dados por parte da IUCN tem uma explicação: verificar se um animal está ameaçado na natureza é uma tarefa que consome muito tempo e inúmeros recursos. Em 2024, a Lista Vermelha da IUCN avaliou mais de 163.000 espécies. No entanto, mais de 21.000 destas espécies não dispõem de dados suficientes para determinar o seu risco. E muitas espécies existentes no planeta (mais de 1,8 milhões) não foram avaliadas de todo.
Os autores do estudo da PLOS Biology sublinham que os modelos de machine learning não podem substituir as avaliações das espécies em risco no terreno, ainda que a inteligência artificial ofereça “uma avaliação rápida, ampla e rentável do risco de extinção das espécies”, refere a nota de imprensa do grupo PLOS.
“A biodiversidade está a atravessar uma grande crise ambiental e há preocupações crescentes no que toca ao papel da inteligência artificial. No entanto, a capacidade de a inteligência artificial processar grandes quantidades de dados pode efectivamente ajudar a fornecer avaliações mais precisas do risco de extinção e ajudar a proteger a biodiversidade”, diz o co-autor ao PÚBLICO.
Criação de um novo índice
Nicolas Loiseau sugere a criação de “um novo índice de ‘estado previsto pela IUCN’ baseado nos mais recentes métodos de previsão e modelação”. Este índice “funcionaria em paralelo com o sistema actual e forneceria mais dados aos cientistas, aos governos e ao público para melhor compreenderem e responderem à crise da biodiversidade”, sugere o investigador.
Os cientistas classificaram 78,5% das 4992 espécies de peixes analisadas como “não ameaçadas” ou “ameaçadas” (o que inclui as categorias “criticamente em perigo”, “em perigo” e “vulnerável” da IUCN). As espécies ameaçadas previstas aumentaram em cinco vezes (de 334 para 1671) e as espécies não ameaçadas previstas aumentaram em cerca de 30% (de 7869 para 10.451).
Os autores do estudo sugerem ainda alterações no mapa da conservação mundial dos peixes. As ilhas do Pacífico e as regiões polares e subpolares do hemisfério sul, por exemplo, deveriam ser consideradas prioritárias no que toca a espécies em risco emergente. Já o mar da China meridional, os mares das Filipinas e de Celebes e as costas ocidentais da Austrália e da América do Norte figuram como áreas sensíveis para as espécies ameaçadas, segundo a avaliação feita com a ajuda da inteligência artificial.
As espécies estimadas como ameaçadas tendem a ocupar uma área geográfica relativamente pequena, a ter uma grande dimensão física e, por fim, a ter uma baixa taxa de crescimento. Os autores verificaram ainda que o risco de extinção está associado a um habitat marinho de baixa profundidade.
“Esperávamos que as espécies de grande porte, como as garoupas, estivessem muito representadas nas categorias de ameaça, o que é verdade. Mas também descobrimos que espécies de peixes pequenos e escondidos, como os gobies e os blénios, também estão em risco. Estes peixes criptobentónicos desempenham papéis vitais nos ecossistemas dos recifes, especialmente nas cadeias alimentares e na saúde geral dos recifes. Como são difíceis de detectar e vivem no seu habitat específico, é difícil avaliar as suas populações, o que significa que alguns podem estar a caminhar silenciosamente para a extinção. Este facto realça a necessidade urgente de dar mais atenção a estas espécies”, alerta Nicolas Loiseau.
O que são peixes teleósteos?
O grupo dos teleósteos marinhos inclui a maioria dos peixes comuns, que contam com esqueleto ósseo, escamas curvas, bexiga-natatória e maxilar móvel. Algumas espécies que muitos portugueses compram para comer, como a sardinha (Sardina pilchardus) e a dourada (Sparus aurata), são peixes teleósteos. É um grupo tão grande que permite, segundo Nicolas Loiseau, ser mais abrangente e não negligenciar espécies que de outro modo dificilmente seriam estudadas.
“Entre os vertebrados, os peixes teleósteos marinhos têm a maior proporção de espécies deficientes em dados e não avaliadas, enquanto muitas destas espécies enfrentam múltiplas ameaças e dão contributos fundamentais para a natureza e para as pessoas (ciclo de nutrientes, sequestro de carbono, resiliência dos ecossistemas...)”, refere.
“A avaliação dos riscos para os peixes baseia-se principalmente em estimativas das unidades populacionais de peixes e da biomassa tendencial. Estas estimativas omitem maioritariamente as espécies não-alvo. Trata-se de uma grande proporção de espécies que passam despercebidas, especialmente as espécies mais esquivas e raras, que são frequentemente as mais ameaçadas. O nosso trabalho inclui a maioria dos peixes marinhos, o que faz uma grande diferença”, conclui o cientista francês.