Com uma ETAR à beira do areal, o que explica as interdições na praia da Zambujeira do Mar?

Repetem-se as interdições na praia da Zambujeira do Mar, quase sempre com a mesma explicação: “Contaminação microbiológica da água” libertada pela ETAR. O que explica este fenómeno?

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Praia da Zambujeira do Mar Miguel Manso/ARQUIVO
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Uma década depois de o Festival do Sudoeste ter assentado arraiais na Herdade da Casa Branca, a cerca de três quilómetros da praia, as interdições no acesso às águas oceânicas têm-se repetido com inusitada frequência. Tanto a população da pequena localidade com cerca de 900 habitantes como diversas autoridades públicas, incluindo a Associação Bandeira Azul, atribuem, ao longo das últimas duas décadas, a origem do fenómeno ao mau funcionamento da estação de tratamento de águas residuais (ETAR), mas também às escorrências oriundas do Perímetro de Rega do Mira.

O PÚBLICO, que já se deslocou várias vezes à praia da Zambujeira do Mar quando ocorre uma interdição de uso das águas balneares, observou sempre a presença de crianças e adultos a chapinhar nas “águas limpinhas” da pequena ribeira que atravessa o areal e por onde é lançado o efluente descarregado a partir da ETAR.

A ETAR está instalada a cerca de 200 metros do areal e apresenta há mais de duas décadas problemas de funcionamento. E, sempre que surge mais uma interdição, tanto os residentes como os veraneantes que procuram a Zambujeira do Mar para passar as suas férias exigem que sejam apuradas responsabilidades, mas o contencioso repete-se com demasiada frequência, sem que até agora tenha sido solucionado.

Zambujeira do Mar é uma das praias mais procuradas no litoral alentejano e uma das vencedoras do concurso 7 Maravilhas – Praias de Portugal, atribuição que se explica pela beleza das falésias que contornam o pequeno areal. Este quadro natural foi atraindo, ano após ano, um fluxo crescente de veraneantes à pequena localidade, que vê aumentado o número de residentes durante o período estival. E desde 1997, com a realização do festival de música, tem sido confrontada com a presença de milhares de jovens. Em 2023, mais de 85 mil pessoas rumaram à Zambujeira do Mar para assistir à edição do festival MEO Sudoeste. Este enorme diferencial no número de pessoas explica a sobrecarrega de efluentes na ETAR, o que impossibilita o seu tratamento adequado.

Para além dos efluentes domésticos, a ETAR de Zambujeira do Mar recebe, por vezes, escorrências do regadio das culturas hortícolas intensivas, ricas em nutrientes químicos, como o azoto e o fósforo, bem como de pesticidas que são utilizados neste tipo de agricultura. Em 2004, durante uma acção de uma campanha de inspecção a descargas da ETAR na zona balnear costeira, realizada pela Inspecção-Geral do Ambiente, foi observado que os equipamentos que faziam as descargas em zonas sensíveis “não se encontravam em condições de garantir os critérios de descarga para os parâmetros nutrientes azoto e fósforo". Este tipo de efluentes pode revelar-se perigoso por contacto com o corpo humano.

Identificar pontos de contaminação

Decorridas duas décadas, o presidente da Câmara de Odemira, Hélder Guerreiro, adiantou ao PÚBLICO que a autarquia "continuará empenhada em identificar, junto das entidades competentes e com os recursos que tem à disposição, as causas que têm conduzido a estes episódios, de modo a resolvê-los de forma permanente". E este procedimento passará pela recolha de amostras e análises em vários pontos da linha de água, para identificar quais os pontos de contaminação da ribeira da Zambujeira. "Não vamos parar enquanto não conseguirmos resolver todas as fontes de poluição da ribeira", assumiu o autarca.

No mais recente episódio que conduziu a mais uma interdição da zona balnear, no passado dia 13 de Agosto, de entre as situações anormais que ocorreram nas afluências à ribeira da Zambujeira, destaca-se uma rotura no sistema de rega do Aproveitamento Hidroagrícola do Mira, a montante da ETAR, o que “aumentou significativamente o caudal do curso de água que desagua na praia e provocou um forte arrastamento no leito da ribeira”, explicou o autarca. E, “pelo que foi possível apurar, a água debitada não representou perigo para a saúde pública”, garantiu o município, através de comunicado.

Contudo, na véspera deste incidente, a Câmara de Odemira recebeu da empresa Águas Públicas do Alentejo (AgdA) a indicação de que tinha sido identificada “uma deficiência nos arejadores e nas bombas de recirculação da ETAR”, uma anomalia que não terá tido um “impacto significativo” no tratamento dos efluentes, foi garantido ao município.

Impacto do festival Sudoeste

Ainda assim, as análises efectuadas posteriormente e na sequência destes incidentes vieram a determinar a interdição a banhos na praia da Zambujeira do Mar, “devido a contaminação microbiológica da água”, facto que vai impor nova interdição da Bandeira Azul na época balnear de 2025, constrangimento que já marcou a ausência do galardão em 2024. Como refere a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), “na anterior época balnear, a água balnear esteve sujeita a poluição devido a bypass por afluências indevidas à ETAR, o que afectou a sua qualidade microbiológica”.

Reagindo às sucessivas interdições que marcaram a anterior e a actual época balnear no acesso aos banhos nas águas costeiras na praia alentejana, José Archer, presidente da Associação Bandeira Azul, é peremptório: “O caso da Zambujeira do Mar está relacionado com o impacto do festival de Verão que decorre na localidade do sudoeste alentejano.” E acrescenta: "São situações pontuais que levam a que os frequentadores da praia alentejana fiquem um ano sem poder hastear a Bandeira Azul. Também é um alerta para o comportamento das pessoas, de que às vezes uma atitude imprudente leva a que o esforço de uma comunidade vá por água abaixo", salientou José Archer.

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Rui Gaudêncio/ARQUIVO

Perdida a Bandeira Azul para a próxima época balnear, também não vai ser possível ter acesso ao Galardão de Qualidade de Ouro instituído pela Associação Nacional de Conservação da Natureza - Quercus. Sara Campos, membro da organização ambientalista, explicou ao PÚBLICO que “basta haver um ano em que se revele alguma irregularidade na qualidade da água” para a praia ser desclassificada na sua atribuição.

Assim, o símbolo de qualidade e excelência atribuído pela Associação Bandeira Azul da Europa foi hasteado, este ano, nas praias do Malhão Norte, Malhão Sul, Franquia, Farol, Furnas Rio, Furnas Mar, Almograve Norte, Almograve Sul, Alteirinhos, Carvalhal e na praia fluvial de Santa Clara, todas no concelho de Odemira.

Por sua vez, a Quercus atribuiu em 2024 o Galardão Qualidade de Ouro às praias do Malhão, Franquia, Farol, Furnas, Almograve, Alteirinhos, Carvalhal e Santa Clara.

Hélder Guerreiro lamentou, em Maio, o facto de a Bandeira Azul não ser hasteada em 2024 na praia de Zambujeira do Mar, sublinhando a sua “forte vontade” de recuperar a Bandeira Azul nesta praia, que classifica como “uma das mais bonitas de Portugal”. O autarca reconhece que, nos últimos anos, “temos tido análises irregulares naquela praia, umas vezes por uma razão, outras vezes por outra”. Mas, para a próxima época balnear, a praia de Zambujeira do Mar não irá receber novamente os dois galardões já referidos.

A empresa Águas Públicas do Alentejo, entidade responsável pela recolha e tratamento de águas residuais do município de Odemira, disse ao PÚBLICO que as intervenções a executar na ETAR da Zambujeira do Mar “constam no Plano de Investimentos da empresa, com o prazo de execução previsto para 2025-2026”, e estão incluídas no Plano de Gestão de Região Hidrográfica Sado Mira - 3.º ciclo.