O Grande Lago Salgado não está apenas a secar. Está a aquecer o planeta
Num estudo recente, os investigadores calcularam que 4,1 milhões de toneladas de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa foram libertados do leito seco do Grande Lago Salgado em 2020.
Como uma astronauta distópica, Melissa Cobo percorria as planícies escaldantes do seco Grande Lago Salgado, no Utah (Estados Unidos), a cada duas semanas, carregando uma mochila pesada presa por uma mangueira ao que parecia ser a tampa de uma cúpula de bolo. O que restava do lago parecia muitas vezes fora de alcance, enquanto ela lutava através da lama quente, da argila e de uma estranha camada cristalina que se quebrava com os seus passos numa lama esverdeada.
“Vê-se a água, mas nunca se chega a ela, por mais horas que se caminhe”, lembra Cobo.
Através destas caminhadas extenuantes, Cobo, na altura estudante de pós-graduação da Universidade do Estado do Utah, e o seu orientador, Soren Brothers, descobriram provas mais perturbadoras de que os lagos secos são uma fonte significativa de emissões de dióxido de carbono – uma fonte que não foi incluída na contabilidade oficial da quantidade de carbono que o mundo está a libertar para a atmosfera em aquecimento.
Num novo estudo publicado na revista One Earth, os investigadores calcularam que 4,1 milhões de toneladas de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa foram libertados do leito seco do Grande Lago Salgado em 2020, ano em que Cobo e outros recolheram as amostras. Isto representaria um aumento de cerca de 7% nas emissões de Utah causadas pelo homem, segundo os autores.
Embora outros investigadores tenham documentado as emissões de carbono de lagos secos – incluindo o mar de Aral, na Ásia Central –, Soren Brothers explica que o seu estudo tentou calcular que parte das emissões deste grande lago salgado poderia ser atribuída aos seres humanos, uma vez que o Grande Lago Salgado tem sido esgotado para uso humano, um declínio agravado pelas alterações climáticas e pela megaseca do Ocidente nas últimas duas décadas.
“Esta é a primeira vez que dizemos: 'Isto é algo que nos diz respeito'”, afirmou Brothers, actualmente curador de alterações climáticas no Royal Ontario Museum.
Os lagos de todo o mundo armazenam normalmente carbono. Os restos de plantas e animais depositam-se no fundo ao longo de milhares de anos sob a forma de sedimentos, muitos dos quais em camadas de baixo oxigénio que se degradam lentamente.
“Quando os lagos estão inundados de água, digamos que no seu estado útil, são uma espécie de aliados na nossa luta para remover o CO2 da atmosfera”, refere Rafael Marcé, investigador do Centro de Estudos Avançados de Blanes, em Espanha, que colaborou com Soren Brothers em trabalhos anteriores mas não esteve envolvido neste estudo.
Quando os lagos secam, o oxigénio pode penetrar profundamente nos sedimentos, despertando microrganismos que começam a alimentar-se da matéria orgânica, libertando dióxido de carbono, explicou Marcé. “A primeira coisa que fazemos quando acordamos é tomar o pequeno-almoço, certo?”, disse. “O mesmo acontece com eles.”
O Grande Lago Salgado do Utah – o maior lago salino do hemisfério ocidental – tem sido um lugar importante para os microrganismos nos últimos anos. Os níveis do lago caíram para mínimos históricos há dois anos. Recuperou um pouco depois dos dois últimos invernos húmidos, mas ainda há vastas extensões de leito seco do lago e os níveis continuam abaixo do que as autoridades estatais consideram ser um intervalo saudável. São muitos os perigos decorrentes do seu estado reduzido, incluindo poeiras tóxicas, perda de habitat para as aves e impacto na salmoura e noutras indústrias.
Brothers e os seus colegas utilizaram um analisador portátil de gases com efeito de estufa para medir a quantidade de dióxido de carbono e metano que emerge de diferentes áreas do leito seco do lago ou na água. “Assim que se coloca a cúpula na areia ou no leito exposto do lago, começa-se a ver o CO2 a subir”, conta.
As emissões eram mais elevadas no Verão do que no Inverno e tendiam a ser mais baixas nos locais que tinham existido como terra seca durante mais tempo. Marcé, que tem estudado o leito lacustre do mar de Aral, disse que algumas partes do antigo leito lacustre expostas durante 60 anos ainda estão a emitir dióxido de carbono. O investigador espera que isso continue.
“Provavelmente, está à escala de um século”, disse Marcé, que tem estado a trabalhar com um grupo de cientistas que documenta essas emissões em todo o mundo.
Tanto Brothers como Marcé afirmaram querer reunir provas suficientes para convencer as Nações Unidas a incluir este tipo de emissões quando os países calculam os seus inventários de carbono. “Têm de incluir os lagos secos nesses inventários”, reforça Marcé. “Porque no caso de lagos muito grandes, podem estar a perder algo que é muito relevante.”
A inclusão destas emissões de origem humana nos inventários nacionais exigiria uma comparação com as emissões destes lagos antes da secagem, acrescenta Pep Canadell, director executivo do Projecto Carbono Global.
Os acordos internacionais sobre o clima não têm como objectivo responsabilizar os países pelo dióxido de carbono produzido antes das últimas décadas, altura em que os acordos foram celebrados.
“Embora seja justo dizer que se trata de um fluxo em falta, a minha reacção inicial é que muitos ou alguns destes lagos provavelmente secaram há muitas décadas”, responde Canadell num email.
Mas, acrescenta, se a secagem dos lagos ocorreu após a entrada em vigor desses acordos e foi o resultado de actividades humanas directas, como a retirada de água para a agricultura, “então estamos certamente a perder esses fluxos e os países devem rever os seus sistemas de contabilidade”.