Desequilíbrio energético: do crescimento económico às alterações climáticas
As alterações climáticas actuais resultam de um aquecimento global do planeta causado por um desequilíbrio energético devido a uma perturbação na composição química da atmosfera, por via do aumento da concentração dos gases de efeito estufa de origem fóssil. O nosso planeta retém hoje mais energia proveniente do Sol do que antes da revolução industrial. Da mesma quantidade de energia que recebe (cerca de 174 mil terawatt-hora por hora ou 342 watts/m2) há menos energia que escapa para o espaço exterior.
Quando em equilíbrio energético, o planeta mantém a sua temperatura estável com ligeiras oscilações que caracterizam a variabilidade climática. Em que a temperatura média oscila entre diferentes períodos ou frequências (de quatro a 200 anos), com amplitudes máximas que atingem apenas os 0.5 – 0.6 graus Celsius. Sob a influência de mecanismos associados a elevada actividade vulcânica ou a perturbações na actividade solar é perturbado o balanço energético, i.e., altera-se a diferença entre a energia recebida e a que escapa da Terra, causando um desequilíbrio natural que leva à variabilidade climática de curto período.
São também conhecidas outras mudanças climáticas de longo e muito longo período que resultam de processos naturais mais complexos. Com alterações muito mais substanciais nas amplitudes da temperatura média, até 7-8 graus de diferença em períodos de 100 a 200 mil anos, os designados períodos glaciares resultam de grandes mudanças no balanço energético terrestre. A principal causa são as alterações da órbita da Terra em torno do Sol (na excentricidade, obliquidade e precessão) que interferem com a quantidade de radiação solar que atinge o planeta (até mais ou menos 100 watt/m^2).
Uma outra causa que altera a temperatura média são as mudanças na composição da atmosfera ao nível da variação da concentração dos gases com efeito de estufa, uma cortina de gases que absorvem e irradiam a radiação infravermelha proveniente do albedo terrestre. Nesse caso, o balanço energético é alterado devido à redução (ou aumento) da quantidade de energia que sai do sistema.
Até à Revolução Industrial, esta componente ocorria de forma muito lenta quando as causas eram naturais (actividade vulcânica ou actividade fotossintética e respiratória de plantas, animais, fito- e zooplâncton, bactérias e fungos), mas agora, devido às emissões da queima de fontes de energia fóssil – carvão, petróleo e gás natural –, as mudanças são muito mais rápidas: 25 partes por milhão (ppm) por década contra 0.9 ppm por século no ciclo natural.
Com o desenvolvimento industrial, através da produção de grandes quantidades de energia a partir da queima de fontes fósseis, a humanidade alterou o equilíbrio climático por via do aumento da concentração de carbono na atmosfera. A queima de uma grande quantidade de combustíveis fósseis permitiu aumentar drasticamente a energia primária disponível, essencial ao crescimento económico, de cerca de 5.34 milhões de TWh (terawatt-hora) em valor de energia acumulada, consumida por toda a humanidade desde a primeira Revolução Industrial.
Esta quantidade de energia gerada pelas fontes fósseis foi responsável pela emissão de cerca de 1.8 biliões de toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera. A qual causou um aumento de 142 ppm na concentração de dióxido de carbono atmosférico, subindo das 280 ppm em 1800 para as 422 ppm em 2024. Na prática, a humanidade, para conseguir o crescimento económico e o seu desenvolvimento, mexeu no equilíbrio do ciclo curto de carbono – ciclo biológico –, através da transferência de grandes quantidades de carbono dos stocks de carbono fóssil pertencentes ao ciclo longo – ciclo geológico.
A energia conseguida para o crescimento económico alterou, de forma indirecta, o próprio equilíbrio energético do planeta, originando as consequentes alterações climáticas. A humanidade “transferiu” energia armazenada nos stocks naturais da crosta terrestre, energia fossilizada formada ao longo de dezenas de milhões de anos, para os stocks de energia da atmosfera e dos oceanos. E isso fez aquecer, até ao momento, cerca de 1.3 graus Celsius a atmosfera e cerca de 1 grau os oceanos, causando, respectivamente, as alterações climáticas e uma subida do nível médio do mar em cerca de 27 cm nos últimos 140 anos.
Mesmo que neste momento cessassem as emissões de carbono de origem fóssil, a atmosfera continuaria a aumentar a sua concentração de dióxido de carbono por mais uma a duas décadas, e a temperatura média global continuaria a subir por mais duas a três décadas, podendo alcançar valores próximos dos 2 graus. Já o nível médio do mar continuaria a subir nos próximos séculos e só estabilizaria nos próximos milénios, em mais de dois a três metros acima do nível actual.
Considerando a energia primária consumida entre os anos 1800 e 2022, com base nos dados disponibilizados pelo Our World in Data (ver figura 1), a humanidade consumia em 1800 apenas cerca de 6 mil TWh/ano, com um consumo anual per capita de 5.8 MWh (megawatt-hora) e uma população de mil milhões. Entre 1900 e 1940 o consumo mundial aumentou de 10 mil para 23 mil TWh/ano, tendo o consumo per capita atingido os 9.6 MWh/ano.
No pós-guerra, houve um aumento considerável, atingindo-se nos anos 60 um consumo mundial de energia primária de 41 mil TWh/ano e um consumo per capita de 14 MWh/ano. O consumo mundial continuou a crescer a uma taxa média de 2.4%/ano até aos dias de hoje, enquanto o consumo per capita estabilizou nos 19-20 MWh/ano no final do século XX. Voltando novamente a subir na primeira década até aos 22 MWh/ano e estabilizando até à actualidade (ver figura 2).
Sem fontes fósseis, temos actualmente uma produção de energia primária não-fóssil na ordem dos 59 mil TWh/ano, o que permitiria apenas um consumo médio per capita de 4.4 MWh/ano. Este valor é inferior ao consumo médio per capita do período pré-industrial, de 5.8 MWh/ano, quando se consumia essencialmente energia com origem na biomassa (lenha e carvão vegetal). Ou seja, sem energia fóssil estaríamos globalmente dependentes de menos energia disponível que os nossos antepassados antes da Revolução Industrial. Esta é uma forte razão pela qual a economia actual, fortemente dependente de elevados consumos energéticos e sem alternativas de renováveis com escala, não pode simplesmente acabar com 77% das suas fontes de energia, as energias fósseis.
Se a energia que cada ser humano vai buscar aos alimentos é apenas 0.8 MWh/ano (730 mil Kcal/ano, 2000 Kcal/dia), podemos imaginar onde a humanidade gasta tanta energia. Na produção alimentar, na protecção (habitação, saúde, aquecimento, vestuário, segurança), nos transportes, no lazer e na educação. Numa razão actual de 1/28 contra 1/7 no período pré-industrial. Mais de 70% da energia que gastamos é dispensável à sobrevivência humana.
Alterações climáticas e crescimento económico, é tudo uma questão de energia. Em resumo, a energia que estava sequestrada na Terra está a ser usada para nos desenvolvermos, e com esse processo gera-se um desequilíbrio na energia do planeta (≈ 2.6 watt/m2) que está a causar um forte e repentino aquecimento global.