É por isto que adoramos coisas “tão más que são boas”
As coisas “tão más que são boas” são, provavelmente, mais engraçadas e absurdas, características que parecem ser a chave para o entretenimento que proporcionam.
À medida que a temporada de filmes de Verão se aproxima, começam os sucessos e os fracassos. E se a maioria das pessoas vai ver os filmes mais aclamados, outros irão procurar precisamente os flops. A lista de filmes de má qualidade inclui The Room, Sharknado e Cocaine Bear.
Este fenómeno parece ir contra aquilo que intuímos acerca das decisões humanas.
“O comportamento humano é complicado. E até as coisas que parecem óbvias, como as pessoas escolherem as coisas que acham que são melhores, em detrimento das coisas que acham que são piores, nem sempre acontece”, refere Caleb Warren, professor de marketing na Universidade do Arizona, que estuda o fenómeno relacionado, o consumo irónico. “Temos estes motivos diferentes, estes objectivos diferentes, e às vezes estes diferentes objectivos estão em competição.”
O primeiro estudo empírico controlado que tentou perceber porque é que as pessoas podem preferir algo que é pior do que as alternativas – e porque é que podemos achar que algo “é tão mau que é bom” – foi publicado em Novembro no Journal of Consumer Psychology.
A investigação, que examinou 12 estudos pré-registados com 5393 indivíduos, acrescenta uma profundidade interessante ao nosso entendimento de como os humanos tomam decisões.
“É uma daquelas conclusões que ressoa. É algo que todos experienciamos”, diz Stephen Spiller, professor de marketing e de comportamento de tomada de decisão na UCLA Anderson School of Management, que não fez parte da investigação.
Às vezes, as pessoas preferem a má opção
Na primeira experiência do estudo, foi pedido a 385 participantes que escolhessem uma piada entre várias opções com base numa pontuação de qualidade.
Como esperado, os participantes preferiram, na maior parte das vezes, a opção mais bem pontuada. Mas a segunda opção mais escolhida foi a pior pontuada. Também se verificou que é mais provável que os participantes escolham a piada pior pontuada em comparação com as piadas medíocres do meio da tabela.
Este padrão manteve-se em experiências subsequentes, nas quais os participantes tiveram que escolher entre videoclipes do So You Think You Can Dance, performances de karaoke e audições do American Idol. Independentemente do conteúdo, mais pessoas escolheram as piores performances do que as opções medianas.
Esta preferência pelo que é mau “é algo que não é apenas idiossincrático a uma coisa em particular. É algo sobre o qual tens de pensar em múltiplos domínios diferentes”, explica Evan Weingarten, professor assistente de marketing na Carey School of Business da Universidade do Arizona, e autor do estudo.
Aproveitar o humor e o absurdo – desde que seja barato
Para determinar que características fazem com que as pessoas achem que algo é “tão mau que é tão bom”, os investigadores apresentaram imagens de arte de qualidade diferente a 596 pessoas. Desenhos de comunidades online no Reddit com boas obras (r/art), medíocres (r/begginer_art), e até péssimas (r/delusionalartists) – “[onde se inserem as] pessoas que acreditam que são o próximo Picasso mas não têm talento”, desvenda Weingarten.
Os indivíduos tiveram de pontuar a obra de arte com base no humor, absurdo, estética, utilidade ou “tão mau que é bom”.
As obras que as pessoas acharam “tão más que eram boas” eram mais prováveis de ser mais engraçadas e absurdas, características que parecem ser a chave para o entretenimento. Os resultados de outra experiência mostraram que o valor entretenimento é o que leva as pessoas a procurarem algo mau.
Esta conclusão encaixa com outra teoria de humor, desenvolvida em parte por Warren, que diz que defraudar as expectativas de uma forma não ameaçadora pode ser engraçado. “Quando não estamos a defraudar os nossos objectivos, as opções muito más podem ser uma fonte de divertimento”, refere Weingarten.
Mas quando temos objectivos mais práticos e utilitários, é menos provável que procuremos essas más opções. “Por exemplo, não queremos um aspirador que ‘é tão mau que é bom’. Isso não faria sentido.”
Noutra experiência, os investigadores pediram a 555 participantes para seleccionar vídeos de performances de karaoke em bares, com base em propósitos hedónicos ou utilitários, aleatoriamente. Os participantes que tinham objectivos utilitários tinham menor probabilidade de escolher as opções menos pontuadas (21,8%), em comparação com aqueles que estavam à procura de divertimento (33,6%). Também era mais provável que escolhessem a opção do meio.
Adicionar um custo também altera as preferências. Noutra experiência, os participantes que tinham de pagar 25 cêntimos por selecção escolheram muito menos vezes a opção pior do que os que tinham acesso a ela gratuitamente.
Empatia pelas diferenças
A investigação abre portas para potenciais investigações subsequentes que explorem outras facetas do prazer pelo que é mau.
Por exemplo, a investigação actual foca-se nas diferenças na qualidade, algo que os economistas e marketeers chamam de diferenciação vertical na comparação de produtos. “Mau”, aqui, significa que algo está “a falhar nos seus objectivos”, explica Weingarten. Não se refere directamente a questões de gosto ou diferenciação horizontal, onde a qualidade é praticamente a mesma, como a diferença entre Coca-Cola e Pepsi.
Podem os produtos de alta qualidade mas de sabor questionável ser caracterizados como “tão maus que são bons”? Weingarten aponta o subreddit r/ATBGE, “awful taste but great execution” (em português, sabor horrível mas óptima execução), como uma fonte rica em exemplos. (Algumas publicações incluem um teclado feito de chaves, que parece queijo, uma máscara de ski cor da pele e feita em crochê, e um Rolls Royce de veludo.)
A investigação também nos lembra de ter empatia por algumas das nossas diferenças de opinião. O que uma pessoa acha “tão mau que é bom”, outra pode achar, simplesmente, mau.
Mas podemos “apreciar o facto de que pessoas diferentes escolhem coisas diferentes por diferentes razões”, lembra Spiller. “E está tudo bem com isso.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post