João Portugal Ramos estava na região dos Vinhos Verdes desde 2010, nos últimos anos em Monção e Melgaço, mas não estava "com pés e cabeça", o que na forma de estar no negócio do produtor, mais conhecido pelos seus vinhos do Alentejo mas também pela operação no Douro, com a Duorum — onde o PÚBLICO o entrevistou, esta segunda-feira —, significa necessariamente ter controlo sobre a matéria-prima e o "berço" das uvas.
Sem abandonar os vinhos que faz de Alvarinho, o agrónomo volta agora ao 'início', ao Paço do Cardido, onde começou o seu percurso nos Verdes, para se focar no vale do Lima e na casta Loureiro. Os primeiros vinhos sairão já da vindima deste ano, sendo que o portefólio da empresa na região não mudará drasticamente. Será mais um reajuste do que é produzido nos Verdes, sendo que do Paço do Cardido pode sair um vinho com o nome do lugar.
Que novidade é essa da João Portugal Ramos estar agora de forma mais investida nos Vinhos Verdes? De que negócio estamos a falar?O tempo passa muito rapidamente, nós já lá estamos [na região] há 14 anos e, curiosamente, começámos em 2010 exatamente com o Paço do Cardido. Com o
Com a família Portela...
Sim, com a família Portela Morais. A nossa primeira opção foi o Paço do Cardido. Montámos uma adega no Paço do Cardido e depois, dado o constrangimento que era não se poder produzir Alvarinho, chamar-lhe Vinho Verde Alvarinho, se não fosse da sub-região de Monção e Melgaço, resolvemos desmontar a adega e fazer uma adega na zona industrial de Monção, onde estivemos por seis ou sete anos... Com a abertura da região e o facto de se poder fazer Alvarinho em todas as regiões, e porque nós acreditamos também que o Alvarinho bom não está só em Monção e Melgaço — até porque essa é uma zona mais quente, até um bocado 'caldeirão' —, nos dias de hoje, procuramos frescura. Isso no que diz respeito ao Alvarinho.
Pois, porque o Paço do Cardido é no Vale do Lima...
Sim, é Ponte de Lima. No vale do [rio] Lima temos condições muito boas para a produção de Loureiro, que é uma casta que também está cada vez mais no radar dos consumidores. Podemos produzir Alvarinho. Não quer dizer que, num ou noutro ano, não façamos também o Alvarinho de Monção e Melgaço, mas estamos agora focados na região do vale do Lima e no Loureiro.
Vamos por partes. Desde que lá estiveram, da primeira vez, que a atenção ao Loureiro é diferente. Há hoje uma revolução em torno dessa outra uva branca dos Vinhos Verdes. Em Monção e Melgaço, compram uva. Como é que fica a operação lá? O que é que vai mudar?
Vamos passar a fazer tudo, a vinificar tudo, no vale do Lima, no Paço do Cardido, que tem adega. Podemos manter alguma relação com os fornecedores antigos [de uva] na região de Monção e Melgaço e vinificar em Ponte de Lima. É uma questão que ainda vamos estudar. Mas não estamos forçosamente agora amarrados [pelo projecto no vale do Lima].
É um contrato de arrendamento?
É um contrato de arrendamento de vinha e adega.
Por quanto tempo?
Dez anos. E depois, à medida que o nosso projecto nos Verdes for, enfim, sendo solidificado, não quer dizer que nós não possamos olhar para outras operações. Mas, mesmo que alarguemos o nosso raio de acção a outra região dentro dos Verdes, a nossa intenção é mantermo-nos sempre ligados ao Paço do Cardido. São dez anos, mas para continuar.
Qual é a área de vinha lá?
São 16 hectares.
O projecto que têm para ali inclui comprar uva ou, para já, vão vinificar apenas desses 16 hectares?
Não, inclui comprar uva.
No vídeo que mostram no acolhimento de visitantes na adega de Estremoz, o João dizia, diz, que o crescimento é sempre perigoso, só não é perigoso quando é sustentado e sobretudo quando não se descuram pormenores e qualidade. O que é não correu como tinha imaginado nos Verdes?
É fácil de explicar o nosso percurso nos Verdes. Quando vendemos a Falua, a nossa operação em Almeirim, tínhamos só uma adega na zona industrial de Monção, e deixou de fazer muito sentido, [porque] a [então nossa] enóloga, que ficou com a Falua, também era residente em Monção, ela é que tratava da adega. Só para ter Alvarinho, não me pareceu uma boa ideia ter uma adega na zona industrial de Monção sem ter vinhas [na sub-região], sem intervir na matéria-prima. Assim intervimos na matéria-prima e não temos que estar umbilicalmente ligados a Monção e Melgaço. Não estamos.
E nas referências da João Portugal Ramos nos Verdes, o que é que vai acontecer?
Estamos a estudar o portfólio. Até agora, tínhamos Loureiro e Alvarinho com o meu nome e dois espumantes. Tínhamos quatro referências e chegámos a ter cinco, produzimos um Reserva. E estamos a reequacionar o portfólio, isso está entregue ao Marketing. Eventualmente, será uma marca Paço do Cardido. Ali, temos raízes, um berço, está a ver?
Mas, então, porquê o compromisso a dez anos?
De parte a parte, estamos convencidos que vai durar, que vai ser renovado.
Mas nos Verdes a operação é uma associação?
Acaba por ser. Foi uma forma muito importante para ambos, Paço do Cardido e nós, de ter um princípio de negócio nos Vinhos Verdes. O investimento para nós é zero. A vinha está feita. A adega está feita. Ou antes, não há investimento inicial.
A operação é a meias?
Não, não é meias. É um valor fixo pelas uvas e pela adega e estão ligados ao sucesso da marca, como eu fiz com Marquês de Borba.
Pergunto também porque o vale do Lima é um sítio para onde outras empresas estão a olhar...
Claro. Mas sabe uma coisa engraçada? Eu até nisso fui um bocadinho pioneiro. Há 14 anos, o Vinho Verde não tinha a força que tem agora. Não estava lá ninguém.
E o primeiro Loureiro varietal...
Foi em 2010. Foi o Loureiro mais vendido em Portugal.
Ouvi-vos outra expressão, que agora iam "para os Verdes com pés e cabeça". O que é que isso quer dizer?
Primeiro é controlar a matéria-prima e ter um berço para mostrar, para as pessoas perceberem que nós somos agrónomos e estamos muito ligados à terra, que acreditamos muito no terroir, na vinha, que é onde nasce tudo, enfim, nas chamadas condições edafoclimáticas onde está instalada uma vinha. Nunca fomos olhados para andar a comprar vinho a granel e engarrafar, nem queremos ser olhados como tal. Não é o nosso ADN.
Voltando ao portfólio, no vale do Lima, já têm ideia se vão começar com um vinho, dois, três...
Estamos à volta do assunto. Aliás, vamos estar lá todos esta semana... Nestes últimos dez anos, houve um ataque enorme de flavescência dourada, que obrigou a arrancar a vinha toda. Esta vinha tem oito anos, mas eu provei alguns vinhos que estavam lá, da vinha nova, e gostei. Gostei do perfil. E lembro-me de há 14, 13, 12 anos — estive lá três ou quatro anos, ainda assim — as condições serem boas. São boas.
E para que segmento apontam ali?
Não queremos estar ligados a vinho branco com gás e com 10 graus... Eu fui para os Vinhos Verdes para fazer bons vinhos brancos na região dos Vinhos Verdes. Não é para estar ligado a vinhos com 9 e 10 graus e 10, e cheios e gás e açúcar. Aí, é preciso ter outra escala. E nós não estamos vocacionados para isso.
Em termos de preço também apontam para outra...
Para outro nível de preço, sim.
Ia perguntar-lhe se o peso que a exportação tem no vosso volume de negócios vos influenciou nesta procura de alargar portfólio a outra região.
Sem dúvida, começando por aqui [a entrevista decorreu na Duorum, em Castelo Melhor, Vila Nova de Foz Côa]. O Douro também nasce dessa minha vontade de ter um portfólio mais diversificado, sobretudo lá para fora.
Para além da sua vontade, os próprios mercados, e é uma tendência mundial, pedem aos produtores um portefólio mais diversificado. Pelo menos, outras empresas a investir noutras regiões cá dentro falam um bocadinho dessa necessidade de lá fora apresentarem mais uma região.
Sim e não. Mas eu acho que o consumidor conhece muito melhor o nosso projecto no Alentejo do que o do Douro, por exemplo. Mas isso nota-se um bocado, sim. E faz sentido.
E continuando a falar da exportação, e de tendências mundiais, a aposta nos Verdes é a pensar na crescente procura de vinhos frescos?Agora tenho essa consciência. Em 2010 achei que era uma região que podia produzir bons vinhos brancos. Mais do que vinho verde, bons vinhos brancos. Agora é, sem dúvida, a pensar que vamos precisar desse tipo de perfil. Sem dúvida.
Lá fora e cá dentro, como é que se distribui o vosso negócio por segmentos, digamos? Lá fora quem compra ainda quer preço...
As pessoas [lá fora] ainda olham para Portugal e associam o país, infelizmente, a preços de entrada de gama. E depois, também, infelizmente, sem ser em mercados de afinidade, o vinho português está muito pouco disponível no on-trade. No off-trade, já se sabe, que tem que se ter volume e preço. É aí que está o vinho português. Veja o que aconteceu na pandemia. Na pandemia, as vendas dos vinhos portugueses dispararam porquê? Não estavam no on, mas estavam no off. Contrariar isso demora gerações.
Os Verdes estão condicionados também por isso, não é?
Os Verdes estão condicionados e também estão condicionados pelo facto de os grandes operadores de Vinho Verde apontarem para um segmento de mercado que, no fundo, se coaduna com a realidade do mercado lá fora: sendo vinho português, sendo vinho verde, tem que ser barato. Isso demora tempo, demora tempo. O caminho é fazer grandes brancos na região dos Vinhos Verdes. Perdi-me um bocadinho, mas, obviamente, se os produtores portugueses quiserem alguma dimensão têm de ter algum volume e algum preço. E só com essa, digamos, média gama, é que se consegue ter a máquina a funcionar e hipótese de fazer grandes vinhos. Repare, as grandes empresas portuguesas, se passarem para uma determinada dimensão, já não conseguem vender. Não conseguem, são nichos de mercado. É, no fundo, jogar nos dois campeonatos. E acho que nós fazemos isso bem. Eu nasci, no mundo dos vinhos, a fazer bons vinhos, com preços médios-altos, mas, fazendo o percurso que fiz, começando do zero, não conseguiria pagar as contas só com vinhos premium e super-premium.
Falando de dimensão, nos Verdes, tem uma estimativa do que pode ser a produção?
Hoje em dia, fazemos para aí 200 mil garrafas, mais ou menos. É uma coisa pequena ainda, com o Loureiro e com o Paço do Cardido, podemos aumentar um bocadinho, mas ali a ideia não é o crescimento em si, é o ter a presença que queríamos ter naquela região.
E que investimento está previsto fazer nos próximos anos?
Não lhe sei dizer. Vamos melhorar a recepção na adega e, eventualmente, vamos lá pôr uma prensa, estamos a estudar ainda. Sabe, nós [na empresa] fizemos tudo do zero. E as contas são para pagar. E não se cresce da maneira que nós crescemos, não se passa de zero hectares de vinha para 300 hectares de vinha própria, mais adega aqui, mais adega lá, mais 15 projectos de IFAP [Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas]... Tem de se pagar o banco, não é? E nesta altura, como a Ana Isabel sabe, e referiu nas suas perguntas, o que é que vai acontecer ao mundo do vinho? Nós também não sabemos. Estando a caminhar, enfim, para o equilíbrio das minhas contas, não me apetece nada estar agora a investir muito sem ver o que é que se vai passar. Estou numa posição expectante. Mas por isso é que eu lhe disse há bocadinho: o Paço do Cardido para nós foi uma solução boa, na nossa concepção do negócio em si e do ponto de vista financeiro também, porque não há um investimento. E estamos sempre abertos a estudar novas operações. Isso estamos sempre abertos.
Em 2023, facturaram 30 milhões de euros. Percebi que sublinham que essa facturação inclui a aguardente. É assim tão relevante na vossa operação?
É, 20%. Nós escolhemos e envelhecemos aguardentes. Temos aguardentes de região — XO é Vinho Verde, por exemplo — e temos aguardentes sem região.
Com a queda das vendas de destilados e dos vinhos com teor alcoólico mais elevado, vocês estão a sofrer alguma coisa nessa fatia do negócio?
Curiosamente, para já, não. Na CRF [Carvalho Ribeiro & Ferreira], não. E nos destilados também não. Sabe que há quem diga que o consumo de álcool do mundo é sempre o mesmo. O consumo per capita de álcool do mundo é sempre o mesmo, [os consumidores] mudam é de categoria.
Como é que estão a preparar a vindima deste ano? Têm stocks de vinho em excesso? Por estes dias, foram notícia os 120 milhões de litros de excedentes em cooperativas e adegas privadas.
Eu acho que é muito mais. Na minha cabeça, é mais. A sua pergunta é o que é que nós vamos fazer perante isso?
Certo, e se vocês também têm excedente de...
Nós não temos. Nós nunca teremos excedentes porque só vinificamos aquilo que sabemos que vamos vender. E temos fornecedores de há muitos anos mas, mesmo nesta altura muito complicada para quem produz e vende, temos que ter memória. Estamos cá para as alturas boas e para as alturas más. Este ano, se eu quisesse comprar as uvas a metade do preço a que estou a comprar, comprava. Temos compromissos, mesmo não estando escritos, com produtores que nos fornecem há 15 e mais anos. Estamos numa altura muito difícil, para todos. E também não podemos andar a comprar as uvas muito fora de mercado ou deixamos de ser competitivos perante a concorrência, mas queremos manter os nossos compromissos e as relações que temos com quem nos fornece uvas há não sei quantos anos. Este ano preferimos comprar um bocadinho mais de uvas do que ir ao mercado comprar vinho. Já no ano passado não comprámos. Só não recebo mais uvas porque não tenho capacidade de vinificação.
Porque tem pessoas a ir ter consigo para...
Comigo e com toda a gente. É um ano muito complicado para toda a gente.
Aqui no Douro, há empresas a dispensar fornecedores de toda a vida.
Eu sei, mas... Olhe, se eu dispensasse fornecedores de toda uma vida, mesmo sem acordos assinados, eu ganharia muito dinheiro. Muito dinheiro. Tanto a comprar uvas muito mais barato, como, no limite, a comprar vinho em vez de uvas. Não me sentiria bem. Até me sinto incomodado por o sector estar a deixar uvas... E depois, sabe, uma pessoa tem uma vinha muito especial com 2 hectares e vende as uvas a 1 euro ou a 1,5 euros. Ah, a uva vale 1,5 euros. É mentira. Vale a uva daquele hectare. O mercado não está aí.
Mas eu perguntava também como vê o momento actual do sector, no Douro, mas não só.
Eu digo Portugal, porque está tudo igual. Essa é uma pergunta de um milhão de dólares, não é?
Mas têm sido avançadas soluções, da destilação de crise ao arranque de vinhas.
Quem tiver água, tiver uma vinha indiferenciada e vender as uvas, não pode continuar no negócio de vender uvas. Não pode. Há soluções muito mais interessantes. Veja o olival. Você para ganhar 500 ou 1.000 euros num hectare de vinha vê-se aflita, quando pode ganhar 5.000 euros num olival... E isso este ano. No ano passado, eram 9.000 ou 10.000 euros. Há outras soluções. Mas isto é à portuguesa. Se uma coisa está a dar vai tudo... Veja o que aconteceu com a amêndoa. Foi toda a gente para a amêndoa e já há muita gente arrependida de tirar amêndoa e pôr olival. Tem de se deixar o mercado fluir naturalmente. E eu critico muito o Douro nesse aspecto. Não deixa o mercado fluir naturalmente. A região tem uma série de regras, algumas do meu ponto de vista até anticoncorrenciais.
Que são...
Tantas. A lei do terço. O benefício. O controlo das produções. Quem tem controlo da produção é o produtor. O produtor é que sabe se consegue vender as uvas ou não consegue vender as uvas. Portanto, resolver o problema dos excedentes via limitação de produções é o maior erro possível, porque os pequenos deixam de ser viáveis e os que podem ser viáveis deixam de ser competitivos.
Aqui no Douro o que mudou? O João Portugal Ramos tinha um sócio...
Reformou-se.
Mas a minha pergunta era se estavam a mudar alguma coisa no portfólio ou na estratégia...
Nada, não mudou absolutamente nada. O Antero [responsável pelas vinhas], o João [Perry Vidal] e o José Maria Soares Franco fizeram o projecto todo, que no dia-a-dia foi sempre acompanhado pelo Antero e pelo João, que é enólogo e tem muito conhecimento de viticultura. Se quiser, saiu o José Maria e entrou o [meu filho] João Maria.
Mas o João Portugal Ramos comprou a parte dele?
Ele era sócio da nossa holding e estava previsto que, quando se reformasse, a empresa recompraria as suas acções. E foi o que aconteceu.