A sustentabilidade e o sentido da vida

A vida é para aproveitar, ajudar outros a aproveitar e fazer o que podemos para deixar um mundo que futuras gerações possam também aproveitar.

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Quando estudamos sustentabilidade, vivemos sustentabilidade e trabalhamos sustentabilidade, às vezes até “dói” ver a facilidade com que a palavra é utilizada nos mais diversos contextos. Quando isso acontece, dou por mim várias vezes a relembrar os meus interlocutores da definição clássica de sustentabilidade. Algo tão simples como: “satisfazer as necessidades das gerações atuais sem comprometer a das gerações vindouras”.

Gosto desta definição, que me acompanha há mais de duas décadas, porque numa frase curta diz quase tudo: “satisfazer as necessidades” para que foquemos no que realmente é essencial (remetendo-nos para o princípio da suficiência), fala das “gerações existentes” porque somos nós que agora habitamos o planeta (em conjunto) que podemos fazer algo, e diz “sem comprometer as das gerações vindouras” para nos lembrar que é importante utilizar os recursos que planetários mais devagar que o que a Terra é capaz de repor. No fundo, uma espécie de “deixa o planeta melhor do que o encontraste”, uma máxima aplicável a tantas facetas da vida.

Mas só agora, quando dois dos meus melhores amigos, que são também dos mais inteligentes, se dedicaram, praticamente ao mesmo tempo (e talvez demasiado), a pensar no sentido da vida, é que percebi como os dois temas – sustentabilidades e o sentido da vida estão relacionados.

Aos quarenta anos, ou perto, começaram a dedicar tempo àquelas perguntas que a tantos nos intrigam: porque estamos aqui? Qual é o significado da vida?

Respostas como “a vida é para viver”, “para ser feliz” ou “para aproveitar” não foram satisfatórias, e o resultado foi o que seria de esperar: angústia, dúvidas, desmotivação, depressão.

Claro que os meus amigos não estão sozinhos e não faltam pessoas que procuram a mesma resposta. Só não são mais, acredito, porque muitos preferimos nem questionar o status quo, quanto mais parar para pensar numa questão que atormentou filósofos e pensadores ao longo dos tempos.

Não vou de todo tentar passar por um entendido em história da filosofia, mas uma pequena e rápida pesquisa na Internet apresenta uma lista cujos nomes ou trabalho me são de alguma forma familiares, como Sócrates, Nietzche ou Sartre.

Mas foi quando um destes dois amigos me passou um vídeo sobre o “Mito de Sísifo”, e a interpretação de Camus, que estabeleci a ligação. Não cheguei a uma resposta universal à pergunta eterna, nem creio que exista, mas ajudou-me a pôr em palavras algo que já levava dentro.

Para quem não conhece o “Mito de Sísifo”, trata-se de uma história da mitologia grega em que o Rei de Éfira (Sísifo) irritou os Deuses por diversas vezes, conseguindo com astúcia evadir-se de castigos, e até enganar a morte, até ao dia do seu castigo final.

Nesse dia Zeus condenou-o a rolar uma pedra enorme e pesada até ao topo de uma íngreme colina. Só que a pedra caía sempre antes de chegar ao cimo, obrigando Sísifo a começar a sua tarefa de novo e a passar nisto o resto dos seus dias.

Camus vê nesta história uma metáfora para a vida humana, que considera desprovida de significado (e até absurda) por inerência, tal como a tarefa interminável de Sísifo: uma busca constante por significado num mundo sem sentido. Quem nunca pensou isso do mundo?

No entanto, argumenta que, apesar desta falta de resposta, é possível sentir-se realizado ou encontrar valor (ou felicidade) aceitando esta condição e encontrando o significado nas atividades da nossa “luta” diária. Ele imagina Sísifo feliz, colina abaixo, preparado para repetir a sua tarefa e satisfeito por conhecer a sua missão, sem se preocupar em como ela encaixa no sentido da vida.

Perante a impossibilidade de encontrar um sentido para a vida, porque na escala das coisas a nossa é sem dúvida insignificante e efémera, podemos de facto chegar a concluir que a vida é para aproveitar. Mas é aqui que entra a sustentabilidade: a vida é para aproveitar, ajudar outros a aproveitar e fazer o que podemos para deixar um mundo que futuras gerações possam também aproveitar.

Neste princípio não há lugar para ganância ou egoísmo, até porque ter, a partir de certo ponto, não é garante de satisfação e, sozinhos, não podemos ser felizes.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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