“Ter o frigorífico vazio é pobreza, mas ter a casa fria também é”
A água e a humidade são problemas que entram dentro de casa da população portuguesa, especialmente em tempos de chuva. No país, cerca de 30% das habitações têm problemas de humidade e infiltrações.
Com a chuva dos últimos dias, ter água a pingar dentro de casa e humidade nas paredes é um problema que afecta muitos portugueses. Outro problema são as temperaturas gélidas mesmo dentro de casa. Em Portugal, muitas famílias vivem em condições de pobreza energética e sem grande forma de melhorar a situação. É uma barreira difícil de ultrapassar: se no Inverno é preciso andar com várias camadas de roupa dentro de casa, no Verão o calor torna-se insuportável.
A pobreza energética está em grande parte associada à qualidade dos edifícios, mas também aos rendimentos das famílias, ao preço da energia e à maneira como usamos energia em casa, explica João Pedro Gouveia, doutorado em alterações climáticas e investigador do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade – Cense, da Universidade Nova de Lisboa.
O investigador diz que a humidade, infiltrações e bolores estão relacionados com a forma como construímos a estrutura do parque habitacional em Portugal. “Termos construído na década de 1980 e 1990, em que os regulamentos térmicos ou não existiam (antes de 1990), ou também não eram muito ambiciosos e não tinham muito critério na parte térmica”, foram factores preponderantes. “A maioria das habitações em Portugal, ou a grande parte, não tem isolamento. A qualidade não era a melhor, e muitas pessoas construíram a própria habitação”, explica o investigador.
No Porto, há casas em bairros e em ilhas, complexos de pequenas casas com um corredor ou pátio exterior comum, que estão abandonadas por faltas de condições de habitabilidade. Mesmo assim, há algumas que são habitadas, à falta de melhores soluções. Outras habitações são remodeladas para serem habitadas por estudantes ou reconstruídas como alojamentos locais, destinados a turistas.
Existem casas em que os problemas de humidade são evidentes logo no exterior. Esses problemas estendem-se para o interior, onde as paredes ficam molhadas e negras. “É uma coisa assustadora”, diz ao PÚBLICO o assistente social José António Pinto sobre o município do Porto, no que diz respeito à pobreza energética: “A dimensão de 445 casas do [Bairro do] Lagarteiro, em que mais de metade não pagam luz, porque senão não comem...”. José António Pinto, conhecido por “Chalana”, diz mesmo que as casas do Lagarteiro “ainda ficaram piores depois das obras”.
Para José António Pinto, assistente social na Junta de Freguesia de Campanhã, o diagnóstico é claro: “Ter o frigorífico vazio é pobreza, mas ter a casa fria também é."
Um problema de Portugal continental às ilhas
Pelo país, o investigador João Pedro Gouveia diz que existem zonas com mais humidade e com mais chuva, um problema adicional relativamente a zonas onde há mais calor, mas que este é um problema que vai de Portugal continental até às ilhas. E a (fraca) qualidade dos edifícios é geral no país.
“Temos quase 30% das habitações com problemas de humidade e infiltrações”, afirma. “Da última vez que tinham saído estes dados estatísticos, há cerca de dois anos, este valor andava nos 25%. Portanto, ainda conseguimos piorar face às estatísticas já bastante más que tínhamos há cerca de dois anos.” E, há cerca de dois anos, recorda o investigador, “já éramos o segundo pior país da União Europeia, atrás de Chipre, com pessoas a reportar que vivem em casas com humidade, infiltrações e bolores”.
Que medidas podem ajudar?
Sem obras, é difícil estar perto de medidas que possam ser uma solução total para o problema da pobreza energética, especialmente em casos mais graves. Ainda assim, existem medidas que podem ajudar a combater a humidade e bolores que se espalham dentro das casas.
A questão da humidade não é só consequência da "qualidade dos edifícios e dos equipamentos que usamos". "Há aqui uma componente comportamental também relevante: a ventilação é muito importante, arejar a casa é muito importante", diz o investigador. Abrir as janelas permite que haja circulação do ar.
Por outro lado, João Pedro Gouveia reconhece a importância que as condições financeiras desempenham nesta situação. "O pouco dinheiro que [as pessoas] têm para a energia não querem desperdiçar. Se têm a casa minimamente quente, a certa altura, podem não querer deixar circular o ar".
No combate à falta de condições nas habitações e à pobreza energética, João Pedro Gouveia realça a importância do "alinhamento com as estratégias de descarbonização e do combate às alterações climáticas na redução das emissões", uma vez que se cria "uma sinergia importante em medidas estruturais, ou seja, não se olha para a pobreza energética só numa perspectiva de componente social, do rendimento das famílias". Olha-se, também, "com uma visão de eficiência energética, de integração de mais energias renováveis, para reduzir a factura das famílias em termos potenciais".
Sobre medidas já implementadas neste sentido, João Gouveia menciona que "o Roteiro da Neutralidade Carbónica, o Plano Nacional de Energia e Clima 2030 e a estratégia de longo prazo de renovação dos edifícios, de 2020, e deste ano [2024] a estratégia de longo prazo para mitigação da pobreza energética são relevantes", na medida em que há um reconhecimento pelo Estado deste problema preocupante em Portugal. "[Mas] não chega, obviamente. Precisamos de medidas concretas".
Em Portugal, o doutorado em alterações climáticas e especialista em sustentabilidade energética refere duas principais medidas para o combate à pobreza energética: a tarifa social e o Vale Eficiência. Com a tarifa social, "há uma redução na factura de cerca de 33% e, portanto, as pessoas têm menos dificuldades potenciais em pagar uma factura. Podem pensar em gastar um bocadinho mais para aquecer ou para arrefecer [a casa]". No entanto, esta não é uma medida estrutural.
O Vale Eficiência "está muito alinhado com a elegibilidade da tarifa social e aí olha mais para a parte de eficiência energética e para a integração de [energias] renováveis". Se a primeira versão do Vale Eficiência tinha "um valor muito baixo", a "nova versão, que agora aponta para três vales e para as pessoas poderem ter realmente 3900 euros mais IVA, já começa a ser um valor muito mais relevante para mudanças mais transformativas na habitação. Uma pessoa, assim, talvez já consiga mudar as janelas todas da casa ou isolar".
Em termos de apoio directo à população nesta matéria, João Pedro Gouveia exemplifica com os projectos governamentais dos balcões de apoio ou “one stop shops” de apoio ao cidadão. Não trazem um tal financiamento directo, "mas capacitam as pessoas, ou agentes do território, para ajudarem as famílias a aceder a financiamentos, para perceberem melhor a sua factura e escolherem melhor o comercializador de energia".
O investigador também desenvolveu projectos neste sentido, como o menu de renovação verde, um projecto digital, e uma “one stop shop” física, que é um contentor marítimo renovado que "tem vindo a rolar entre municípios" a fim de ajudar a combater a pobreza energética.
Texto editado por Claudia Carvalho Silva