Governos e sociedade continuam a ignorar, há que (des)normalizar
Governos e instituições internacionais querem manter o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius até ao final do século XXI, preferencialmente não superior a 1.5 graus, contudo continuam a ignorar a tendência do aumento da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera e o consequente ritmo de aquecimento global.
Governos e sociedade, na COP28 realizada no Dubai, comprometeram-se a iniciar o fim do uso dos combustíveis fósseis. E até há países que já conseguiram reduzir as suas emissões desde 1990. A Europa a 27 conseguiu reduzir 30% das suas emissões, dos cerca de 6 mil milhões para cerca de 4 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono. Mas o que se observa a nível mundial, apesar da forte redução em 2020 devido à pandemia, é o contínuo aumento de emissões, em particular de dióxido de carbono, mas também de metano e óxido nitroso.
Este aumento, apesar de pontualmente existirem anos de redução ou estagnação, deve-se, em parte, ao contínuo aumento médio das emissões globais, principalmente dos países em desenvolvimento e em particular das economias emergentes (e.g. China e Índia). Mas deve-se também a emissões de fontes naturais devido ao próprio aquecimento global, como é o caso do carbono e metano sequestrados há centenas de milhares de anos no Árctico, no pergelissolo (perfmafrost em inglês).
Trata-se de um fenómeno de feedback positivo, que juntamente com outros mecanismos são e serão responsáveis por uma amplificação do aquecimento global. É esta a razão, tantas vezes pregoada pela Greta Thunberg e por muitos cientistas do clima, pela qual se considera um elevado risco ultrapassar-se o limite de 1.5 graus de aquecimento global face ao período pré-industrial.
Há que desnormalizar comportamentos, atitudes e consumos de elevadas emissões, bem como, a negação e a fadiga climática. Mas também, há que normalizar estratégias e métodos de medição e de avaliação que definam, de forma inequívoca e antecipada, o limiar de aquecimento global, bem como o período que ainda falta para o atingir. Ou seja, saber antecipadamente o ponto de não-retorno, o limite a partir do qual a crise climática se tornará irreversível, sob pena de continuarmos à deriva, sem saber qual o nosso rumo e qual o destino reservado à economia mundial.
Temos de ter método, pois não podemos ficar à espera do doomsday (juízo final), isto é, não podemos ficar à espera que chegue o tempo dos mega-incêndios no Verão, das super-tempestades, das mega-secas e das sucessivas e prolongadas ondas de calor intenso com elevadíssimos custos económicos e perda de vidas humanas.
Recentemente, um artigo publicado na revista Nature propôs uma solução para sabermos com alguma antecipação quando é que o limiar de 1.5 graus Celsius (ou de 2 graus) de aquecimento global será ultrapassado. Dada à inércia do sistema climático, de lenta resposta aos factores de mudança, dada à divergência e falta de consenso científico quanto à linha de base (período de referência do aquecimento global) e aos métodos de cálculo (médias de 30 anos ou inferiores), dado o oportunismo de cépticos e negacionistas, bem como, o oportunismo de certos políticos e dos perdedores da mitigação climática (e.g. indústria do petróleo), poderemos correr o risco de ultrapassar esse limiar sem darmos por ele. Não se pode gerar a noção errada de que ainda há tempo, como alguns pregoam, para reagir e resolver a mitigação climática.
Em climatologia, as médias e os indicadores climáticos são por norma determinados com períodos de 30 anos. Em situação de estabilidade climática esta abordagem funciona perfeitamente. Mas em tempos de alterações climáticas, significa que só poderemos ter médias definitivas dos últimos 30 anos, sem sabermos na verdade os valores actuais. Por exemplo, por esta via, só saberemos qual a média da temperatura actual em Portugal daqui a 15 anos.
O mesmo se passa com a subida do Nível Médio do Mar (NMM), pois a taxa de 3.3 milímetros por ano dos últimos 30 anos corresponde à taxa do ponto médio desse período, de 2009 e não de 2023. Ou ainda, ao afirmarmos que o NMM na costa de Portugal atingiu nos últimos 30 anos os 16 cm acima do referencial vertical nacional, estamos na prática a determinar o valor médio relativo a 2009 e não de 2023. Mas recorrendo a outras técnicas matemáticas (indicadores precoces) podemos estimar hoje que o NMM em 2023 terá já subido 25 cm nos últimos 100 anos, e não apenas 16 cm.
Dada a dinâmica dos indicadores climáticos em situação de aquecimento global contínuo, forçado por um aumento contínuo de concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, os autores desse artigo propõem que se use, em alternativa, médias de períodos mais curtos, de 20 anos, e que se incluam nessas médias os valores das projecções do futuro próximo (a 10-20 anos), combinando-as com os valores observados dos últimos anos. Desta forma saberemos antecipadamente, e com elevado grau de certeza, quando iremos ultrapassar o limiar de 1.5 ou 2 graus Celsius, de modo a calcularmos com rigor o tempo que ainda nos resta.
O exercício de simulação deste raciocínio é fácil de concretizar. Pegando nas séries de médias anuais de 4 centros de investigação que monitorizam o aquecimento global (ver imagem abaixo) e na projecção de aquecimento global de curto prazo, até 2050, conseguem-se obter as médias de 10, 20 e 30 anos. E desta forma saber quando poderá ser confirmado o momento em que, com a tendência actual, se ultrapassará o limiar de 1. 5 graus Celsius de aquecimento global.
Se usarmos médias de 30 anos teremos a confirmação de ultrapassar 1.5 graus apenas em 2050. Já se usarmos médias de 20 anos teremos a confirmação desse limiar só em 2040. Mas com médias de 10 anos teremos a confirmação em 2035. Ou seja, mantendo a normalização de médias climáticas com dados de 30 anos, só em 2050 saberemos que ultrapassámos o limiar de 1.5 graus, quando na prática a média móvel de 10 anos já nos indicará nessa altura que estaremos acima desse valor e a caminho de atingir os 2 graus Celsius. Em 2050 é tarde de mais! Porque perdemos 15 anos em discussão e 20 anos após sabermos a verdade.
Pessoalmente, preconizo um período mais curto de 10 anos, através da média móvel sobre os dados mais projecções de curto prazo, para determinar o tempo que nos resta. São oito anos até atingirmos 1.5 graus e 28 anos para atingir os 2 graus de aquecimento global. Depois disso, apenas só com emissões negativas, recorrendo à captura e sequestro de carbono em larga escala, para reverter o aquecimento global e trazê-lo de novo para 1.5 graus.
Temos de definir concertadamente a nível internacional, no quadro da Organização Meteorológica Mundial (incluindo os organismos nacionais como o Instituto Português do Mar e da Atmosfera) e do IPCC, a forma correcta de antecipadamente sabermos o momento em que se irá quebrar a meta definida em 2015 na COP21 de Paris. E assim sabermos o tempo que nos resta para tomarmos decisões urgentes e difíceis, com elevado impacto na economia, na sociedade e nas populações. Os políticos e decisores têm de ser alertados.