O que andaram os animais a fazer na pandemia? As armadilhas fotográficas mostram
Durante a pandemia, alguns animais tornaram-se mais activos em zonas desenvolvidas e de noite. Os animais carnívoros eram mais sensíveis à presença humana, mas os herbívoros foram mais desinibidos.
A pandemia de covid-19 trouxe mudanças nas vidas e rotinas dos seres humanos e mesmo os animais sentiram diferenças. Mudaram hábitos, comportamentos e também se adaptaram a uma nova realidade. Alguns mamíferos foram mais activos em zonas urbanizadas, de noite, e os animais herbívoros foram menos sensíveis aos humanos comparativamente com os carnívoros. As conclusões são de um grupo de cientistas que realizou uma investigação em 21 países e publicou um artigo sobre o tema nesta segunda-feira (18) na revista científica Nature Ecology & Evolution. A equipa colocou armadilhas fotográficas pelos 21 países, antes e durante períodos de confinamento, e estudaram 102 imagens de 163 espécies individuais.
Os animais têm diferentes reacções à presença do ser humano e adaptam-se às situações: tanto podem considerá-lo uma ameaça como procurar protecção e alimentação junto deles. Assim, o objectivo da equipa foi investigar de que forma o “comportamento dos mamíferos se alterava em resposta a mudanças na actividade humana”, explica a Nature em comunicado.
Os autores do estudo perceberam que a actividade em zonas mais desenvolvidas, como é o caso das cidades, aumentava cerca de 25% quando a actividade humana era mais elevada. Por outro lado, constataram que “os mamíferos eram menos activos nas zonas menos desenvolvidas (habitats rurais e naturais)”.
"Quando a actividade humana aumentou, as alterações na actividade dependeram do grupo de mamíferos: a actividade dos grandes herbívoros aumentou, enquanto a dos carnívoros diminuiu”, esclarecem os autores. No artigo, lê-se também que os animais “carnívoros foram os mais sensíveis, apresentando os maiores decréscimos de actividade e os maiores aumentos de nocturnidade”.
Os investigadores explicam no relatório que os animais carnívoros de grande porte e de grande distribuição “enfrentam um risco considerável de mortalidade por parte dos seres humanos, pelo que podem apresentar respostas mais avessas ao risco da actividade humana”.
O estudo indica que a actividade dos javalis omnívoros, dos ursos pretos americanos e dos ursos pardos diminuiu em habitats modificados pelo homem — provavelmente porque se alimentam de árvores de fruto e em caixotes, o que pode ser arriscado quando a actividade humana é elevada.
“Se os herbívoros não estiverem a ser caçados, parecem ser mais capazes de se habituar às pessoas e de viver com elas”, explica Cole Burton, investigador em conservação de mamíferos terrestres e um dos autores do estudo, em declarações ao PÚBLICO.
Comportamento humano vs. resposta animal
Segundo o artigo científico, as espécies de pequeno porte podem ser mais tolerantes à presença humana, tendo em conta que são menos visíveis do que as espécies de maior porte. Adicionalmente, têm também mais facilidade em transportar recursos.
Além do factor da presença humana, o comportamento dos animais também varia de acordo com as suas atitudes, e também com a configuração das paisagens, confirma o relatório.
Em ambientes abertos ou que sofram modificações pelo homem, os animais podem ser mais cautelosos do que em zonas com envolvência vegetal abundante ou poucas modificações. Do outro lado da moeda, o relatório explica que, em paisagens fortemente modificadas, os animais podem adaptar-se à presença humana.
As alterações nas actividades humanas decorrentes da pandemia de covid-19 proporcionaram aos investigadores a oportunidade de “estudar as respostas comportamentais a curto prazo dos animais selvagens”. Apesar do confinamento, as pessoas aproveitaram os espaços exteriores perto de casa para sair à rua. “Alguns parques e espaços verdes registaram um aumento da actividade humana, uma vez que as pessoas utilizavam os espaços exteriores disponíveis perto de casa”, diz Cole Burton.
As reacções dos animais à presença humana “variaram muito”. “Alguns animais, especialmente os predadores de maior porte (como os lobos ou os glutões), tiveram mais actividade durante os períodos de confinamento, uma vez que tendem a evitar as pessoas”, esclarece Cole Burton.
Por sua vez, outros animais “eram mais detectados quando a actividade humana era maior. Poderá tratar-se de presas (como o alce e o veado) que estavam mais seguras perto das pessoas porque os predadores as evitavam, ou de outras espécies que são atraídas por alimentos humanos (por exemplo, guaxinins, ursos)”.
A coexistência entre humanos e animais selvagens
As armadilhas fotográficas foram colocadas pelos investigadores num período entre Março de 2020 e Janeiro de 2021. Durante a pandemia, “algumas áreas naturais registaram um aumento da visitação humana, enquanto outras foram fechadas aos visitantes”. Em números, o estudo relata que a actividade animal em “zonas mais desenvolvidas (que contaram com intervenção humana) aumentou geralmente (+25%) com níveis mais elevados de actividade humana”.
Por outro lado, “os animais em zonas menos desenvolvidas diminuíram a sua actividade (-6%) quando a actividade humana era mais elevada”. Os autores explicam no estudo que encontraram uma “variação considerável nas respostas dos animais ao aumento da actividade humana”, sendo que registaram aumentos desde cinco vezes na nocturnidade até diminuições de seis vezes.
“Um padrão surpreendente é que as respostas dos animais à actividade humana variaram com o grau de modificação da paisagem pelo homem”, sublinham os autores no artigo. "Ficámos surpreendidos com a variação que existe nas respostas dos animais às pessoas e com o facto de muitos animais terem uma actividade mais elevada quando há mais pessoas por perto", confessou Cole Burton ao PÚBLICO.
É preciso conservar para proteger a vida selvagem
Com o propósito de proteger os animais, quem gere espaços de vida selvagem “deve tentar evitar demasiada actividade humana em áreas remotas, como paisagens mais selvagens, uma vez que os animais são mais sensíveis nessas áreas”, afirma Cole Burton, autor do estudo e investigador. Esta tomada de decisão pode conduzir à “imposição de limites à quantidade ou ao tipo de actividades recreativas na natureza”.
“Em zonas mais urbanas, onde as pessoas e os animais têm de partilhar a paisagem, os animais tendem a tornar-se mais activos à noite para evitar encontros negativos com as pessoas. Assim, devemos tentar limitar as nossas perturbações nocturnas dos habitats da vida selvagem”, aconselha ainda o investigador e professor.
Os animais fazem um esforço para se adaptarem à forma como vivemos e utilizamos o espaço exterior. “Temos de fazer a nossa parte para tentar minimizar os nossos impactos negativos nos animais, tendo cuidado com a forma como utilizamos as paisagens selvagens e como protegemos os animais à noite em paisagens mais urbanas”, apela Cole Burton.
Sobre os próximos passos da investigação, Cole Burton revela que os investigadores querem “continuar a monitorizar as reacções dos animais selvagens às pessoas e às mudanças de ambiente, para tentar compreender melhor os mecanismos subjacentes e as consequências para a sua saúde”. Além disso, há a intenção de “fornecer provas científicas que possam orientar os esforços para promover a coexistência entre humanos e animais selvagens”.
Texto editado por Claudia Carvalho Silva