O estranho caso do ambiente, o grande ausente do debate eleitoral

É certo que os programas eleitorais abordam o tema do clima, muitos en passant, mas o mesmo deixou de ser veiculado com o seu imperativo de urgência que não pode dar-se ao luxo de recuos.

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Como alguns têm notado, a campanha eleitoral para as legislativas de 10 de março tem sido pródiga em debates e ainda mais fértil em comentários de analistas. No entanto, há um "elefante na sala" de que não se fala e que ninguém parece estranhar: a ausência do ambiente do espaço público e da agenda de quem se candidata a deputado, a formar governo ou ao cargo de primeiro-ministro – mau grado o ataque com tinta verde ao líder Luís Montenegro, que sobressaltou a campanha do PSD e resultou em mais uma detenção de um jovem ativista climático.

As alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição crescente e generalizada que se alastra pelo planeta são consideradas pelas Nações Unidas a "tripla crise planetária" que hoje enfrentamos. No entanto, estranhamente, não são uma prioridade dos partidos, estando longe de figurar no topo das suas preocupações, como seria expetável. Os jornalistas também fazem na generalidade tábua rasa do assunto. É certo que os programas eleitorais abordam o tema do clima, muitos en passant, mas o mesmo deixou de ser veiculado com o seu imperativo de urgência que não pode dar-se ao luxo de recuos, impasses ou indecisões.

O que aconteceu desde que o Parlamento Europeu (PE), em novembro de 2019, declarou que vivemos já no "olho do furacão", isto é, em "emergência climática" com as suas brutais consequências em termos de impacte sobre os recursos naturais, segurança agrícola, alimentar e hídrica, agravamento das condições de saúde e aumento exponencial de perdas financeiras que advêm da ocorrência de fenómenos climáticos extremos cada vez mais intensos e frequentes?

Já no final da presidência espanhola do Conselho da União Europeia, a débil Declaração de Granada foi omissa em relação ao Pacto Ecológico Europeu, anunciado com pompa no final de 2019, e aos respetivos dossiers pendentes ou por finalizar, já para não mencionar a necessidade de negociar, no quadro europeu saído das eleições de junho deste ano, a versão 2 do Green Deal. Deixou a Europa de ser verde? A Realpolitik intrometeu-se definitivamente e deixou, lá como cá, as ambições de sustentabilidade por cumprir?

Ao anunciar, em 19 de fevereiro, a sua recandidatura ao cargo de presidente da Comissão Europeia – a formalizar no Congresso do Partido Popular Europeu, que decorre em Bucareste nos dias 6 e 7 de março –, Ursula von der Leyen claramente evitou sequer mencionar o Pacto Ecológico Europeu, centrando a sua intervenção nos temas da defesa, segurança e prosperidade económica. Os desígnios europeus afastam-se cada vez mais da temática ecológica, como se a UE estivesse disposta a deixar de ser um “farol” na liderança ambiental. Mas a própria Comissão estima que os “serviços do ecossistema” contribuem para mais de metade do PIB mundial e o crescimento, preconiza o Pacto Ecológico, deve ser “dissociado” do consumo de recursos.

Uma agressiva extrema-direita em ascensão sobre os partidos tradicionais esgrime velhos "papões" – como o da imigração maciça que ameaça o Velho Continente – e inventa novas armas de arremesso, colocando a sustentabilidade como inimiga dos agricultores. Ficam esquecidas as assimetrias de rendimentos entre uma minoria proprietária do agronegócio, que recebe 80% dos subsídios da PAC, face aos restantes 96% da agricultura familiar, além da cadeia intermediária que verdadeiramente lucra entre o custo do produtor e o preço final pago pelo consumidor.

A invasão da Ucrânia pela Rússia, que provocou o aumento do custo de vida, agravado pela incerteza causada por um novo conflito no Médio Oriente, explica a ausência do ambiente e do clima do centro do debate público. Mas o certo é que a degradação das condições socioeconómicas, em Portugal e na Europa, resulta antes da nossa ausência de autonomia energética – que só se alcança com o reforço da aposta nas energias renováveis e no seu armazenamento –, da dependência de longas cadeias de produção, da falta de uma verdadeira economia circular, da eletrificação do sistema logístico e do limitado sistema de transporte público, intermodal, flexível e tendencialmente partilhado. O debate sobre a Estratégia Industrial Verde, prevista na Lei de Bases do Clima, mobilizando partidos e parceiros sociais, é absolutamente crucial se queremos superar as grandes crises ambientais, sociais, económicas, políticas e geoestratégicas que nos interpelam.

A tudo isto, entre nós, parece responder-se com um encolher de ombros. O Chega e a Iniciativa Liberal, por exemplo, são defensores da energia nuclear. Quem se lembra de um jornalista ter inquirido André Ventura e Rui Rocha sobre a não competitividade económica desta indústria, sobre as suas elevadíssimas externalidades – o desmantelamento de uma central nuclear demora décadas e tem custos financeiros extremamente altos, que são pagos pelos nossos impostos –, sobre a absoluta ausência de soluções/ localizações consideradas seguras para a deposição de resíduos nucleares ou acerca do facto de ser uma fonte de energia tão, tão perigosa que não existem companhias de seguros dispostas a cobrir a atividade que, em caso de acidente, é pago uma vez mais com dinheiro dos contribuintes?

Além de ignorarem o ambiente, os políticos em Portugal são obcecados pelo crescimento económico. Um conceito obsoleto baseado no produto interno bruto (PIB), porque perversamente coloca o bem-estar humano e a proteção da natureza ao serviço da economia, descurando o mais importante, o desenvolvimento ou a aspiração humanos. Daí que o conceito de Well-being Index ou de Better Life Index proposto pela OCDE, que integram fatores como as condições de alojamento, a integração na comunidade, a educação, a proteção ambiental, o equilíbrio profissão-vida pessoal ou a satisfação com a própria vida não passem nas estratégias partidárias nem nos media.

Os políticos parecem ainda ignorar que a prosperidade da humanidade foi o resultado de milénios e de séculos de cooperação e espartilham-nos com números, taxas e objetivos macroeconómicos que nos colocam a competir de forma insana, crianças contra crianças, adultos contra adultos, empresas contra empresas e países com outros países. Só a competição estratosférica os parece satisfazer. Mesmo que à custa de uma generalizada falta de qualidade de vida das populações e de uma pressão sobre o planeta que ignora os seus limites biofísicos e os "pontos de não retorno".

Em maio de 2023, o PE acolheu um grande debate relativo ao tema do pós-crescimento, questionando o conceito do crescimento pelo crescimento, que a Agência Europeia de Ambiente já antes pusera em causa. Para quando teremos então uma campanha centrada nas verdadeiras necessidades das pessoas, que obviamente implicam cuidar do nosso habitat, da água que bebemos, do ar que respiramos, do restauro da natureza, da integridade da paisagem e do direito de todos a uma alimentação de qualidade e livre de pesticidas, garantindo assim o direito à saúde? Quando poderemos aspirar a que haja em Portugal mais vida além do PIB? Isto é, quando passaremos da geopolítica do medo à geopolítica da esperança?

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico