Branqueamento dos corais é tão grave que cientistas alargaram escala de danos
Depois de uma onda de calor marinho inédita que afectou como nunca antes recifes de coral ao largo da Florida, foi preciso ampliar a escala que mede a destruição associada ao branqueamento de corais.
Há mais de uma década que os peritos marinhos nos Estados Unidos se baseiam numa escala de alerta da NOAA, a agência norte-americana para a Atmosfera e os Oceanos, para indicar o grau de stress que o calor do oceano está a exercer sobre os corais e o risco de branqueamento. O nível mais elevado do sistema de dois níveis, o nível 2 de alerta de branqueamento, tem representado durante anos uma catástrofe para os corais. Este nível de alerta tem sido suficiente – até ao Verão passado.
Uma onda de calor marinho ao longo dos quase 600 quilómetros de recifes de coral da Florida elevou as temperaturas da água a níveis nunca antes vistos: temperaturas de cerca de 32 graus Celsius, com algumas águas superficiais a atingirem temperaturas superiores a 37,5 graus. Alguns locais registaram um branqueamento total do recife e obrigaram as equipas de conservação a retirar alguns corais da água.
Este acontecimento sem precedentes obrigou a NOAA a acrescentar três novos níveis de alerta para ter em conta as taxas de mortalidade e os níveis de branqueamento mais elevados. Segundo Derek Manzello, ecologista e director do programa Coral Reef Watch da NOAA, os níveis anteriores já não eram suficientes para mostrar o impacto extremo do stress térmico nos recifes de coral.
"O que aconteceu no ano passado foi realmente inesperado e fora dos padrões", disse Manzello. "Sabíamos que íamos ter mais episódios de branqueamento devido ao aquecimento dos oceanos. Sabíamos que se iriam tornar mais graves. O que não prevíamos era que um episódio tão grave acontecesse tão cedo", remata o ecologista.
De dois para cinco níveis de alerta
O novo sistema tem como objectivo dar uma melhor noção de como os recifes de coral respondem ao calor extremo. Quando os corais estão sob stress, libertam as algas – que lhes fornecem alimento e conferem a sua cor – e ficam pálidos ou brancos. Um coral branqueado não significa que o coral esteja morto, mas sim que está mais vulnerável e pode morrer.
A nova categoria mais extrema, o nível 5 de alerta de branqueamento, assinala uma mortalidade quase total dos corais, quando pelo menos 80% dos corais de uma área estão a morrer devido à exposição prolongada a temperaturas extremas.
O nível 5 de alerta de branqueamento é cinco vezes superior ao nível de stress térmico do primeiro nível, o nível 1 de alerta de branqueamento, que assinala um branqueamento significativo. Derek Manzello comparou este nível mais elevado a um furacão de categoria 5.
Este nível indica que "se esperam impactos drásticos, graves e duradouros nos recifes de coral", explica o especialista da agência norte-americana para a Atmosfera e os Oceanos.
O novo nível de alerta de branqueamento 3 está associado ao risco de mortalidade de várias espécies e o nível de alerta de branqueamento 4 está associado a uma mortalidade grave de várias espécies – 50% dos corais ou mais.
Ao abrigo do antigo sistema, a Florida e a maior parte das Caraíbas foram consideradas como estando no nível de alerta 2 durante mais de três meses no Verão passado. Segundo o novo sistema, o arquipélago de corais Florida Keys teria atingido os níveis 4 e 5, e a região das Caraíbas teria sido declarada de nível 5, afirmou Manzello.
Melhor preparação para episódios extremos
Para as entidades que gerem a conservação dos corais, o sistema de alerta alargado constitui uma ferramenta melhorada para prever os diferentes impactos das águas quentes nos corais. "Infelizmente, não estávamos preparados para a gravidade [das temperaturas]", disse Stephanie Schopmeyer, investigadora associada da Florida Fish and Wildlife. "Estes novos níveis de alerta ajudarão a preparar-nos para episódios mais graves."
Mas os novos alertas também servem de aviso para as condições da água no futuro. "É quase como se o ano passado tivesse sido uma chamada de atenção", disse Schopmeyer. "Não podemos ignorar as alterações climáticas."
O novo sistema de alerta alarga o limite de semanas com graus de aquecimento, ou seja, semanas em que a temperatura da água está pelo menos 1 grau Celsius acima do máximo médio do Verão.
O branqueamento dos corais começa por volta das quatro semanas de aquecimento – ou seja, quatro semanas em que as temperaturas estão 1 grau Celsius acima das médias máximas. A mortalidade dos corais começa por volta das oito semanas de aquecimento – onde terminava o antigo sistema de alerta. A nova escala preenche as lacunas onde a última escala terminava.
"Sabemos que os eventos de branqueamento vão aumentar em frequência, gravidade e magnitude, porque foi precisamente isso que aconteceu nos últimos 40 anos", afirmou Derek Manzello, da NOAA. "Se eventos como este se tornarem comuns, os recifes de coral vão ter um grande desafio para sobreviver nos próximos 20 anos ou mais."
De El Niño para La Niña
O branqueamento dos corais da Florida ocorreu em 2023, quando as temperaturas globais do ar e do mar atingiram recordes. Os cientistas explicam que este aquecimento foi consequência não apenas do aumento das concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera, resultantes da queima de combustíveis fósseis, mas também do padrão climático El Niño, caracterizado por águas oceânicas anormalmente quentes no Pacífico tropical.
Os meteorologistas do Serviço Nacional de Meteorologia norte-americano emitiram recentemente um alerta de La Niña – o oposto do El Niño –, que deverá desenvolver-se até Agosto. O fenómeno La Niña caracteriza-se por temperaturas mais frias do que o normal no oceano Pacífico e potencia as épocas devastadoras de furacões no Atlântico.
O fenómeno La Niña poderá proporcionar o tão necessário alívio de temperatura para os recifes de coral do mundo, se bem que tenham ocorrido recentemente eventos de branqueamento em massa durante o La Niña, recordou Derek Manzello, como o que ocorreu na Grande Barreira de Coral em 2022 e nas Ilhas Fiji em 2023.
Além disso, o aquecimento proporcionado durante o actual período de El Niño, que tem sido historicamente forte, pode anular algumas das condições mais frias habitualmente trazidas pelo La Niña, alertou Cindy Lewis, directora do Keys Marine Lab do Instituto de Oceanografia da Florida. "Pode ser uma temporada La Niña muito quente e não necessariamente mais fria, como preferíamos", disse Lewis.
Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post