Os agricultores que protestam em toda a Europa têm como alvo as regras ambientais da UE, que, segundo eles, estão a aumentar uma pilha de encargos para o sector, desde os baixos preços ao consumidor até à importação de alimentos baratos.
Ao mesmo tempo, a agricultura é um dos sectores mais afectados pelas alterações climáticas. Os agricultores europeus já estão a sofrer com o aumento do calor, das secas e das inundações – os mesmos impactos que algumas políticas verdes estão a tentar evitar.
Agravamento do clima
O agravamento das condições climatéricas extremas piorou os problemas dos agricultores nos últimos anos. A produção de azeite da UE caiu para um nível recorde nos 12 meses que terminaram em Junho de 2023, quando a seca atingiu os maiores produtores europeus. As principais culturas espanholas, entre as quais o trigo, a cevada e o arroz, estão a registar os níveis de produção mais baixos desde há mais de uma década.
A UE prevê que a sua produção cerealífera global seja 4,3% inferior à média dos últimos cinco anos na actual campanha, sobretudo devido ao mau tempo.
No ano passado, fortes chuvas atrasaram a colheita e deixaram as culturas de trigo encharcadas em zonas da França, Alemanha e Polónia. As condições meteorológicas extremas reduziram as colheitas de maçãs e peras em Itália e na Grécia e as condições de humidade invulgares alimentaram as doenças fúngicas que prejudicam a qualidade dos frutos.
E neste ano, as alterações climáticas já estão a afectar o sector. No mês passado – o Janeiro mais quente na Terra de que há registo – os agricultores italianos alertaram para o facto de o Inverno invulgarmente quente e a seca estarem a destruir as culturas.
Papel das alterações climáticas
O Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, um painel das Nações Unidas que avalia os dados científicos mais recentes sobre o clima global, destacou o agravamento das colheitas de milho, arroz, soja e trigo como uma das formas em que as alterações climáticas já estão a afectar a Europa.
As alterações climáticas estão a tornar as ondas de calor mais quentes e mais frequentes, condições que podem impedir o crescimento das plantas e agravar as secas que devastam as culturas.
As alterações climáticas causadas pelo homem desempenharam um papel "preponderante" na onda de calor extrema que se fez sentir na Europa em Julho passado e que provocou danos em grande escala nas colheitas e perdas de gado, segundo a equipa de cientistas da World Weather Attribution.
Estas condições quentes e secas também alimentam os incêndios florestais, como os que varreram a Grécia no Verão passado, destruindo explorações agrícolas e olivais. Ao mesmo tempo, uma atmosfera mais quente pode reter mais humidade, pelo que o aquecimento global significa que, quando chove, a precipitação pode ser mais forte. Isto agrava o risco de inundações – como se viu em países como a Itália, onde um dilúvio em Maio passado deixou milhares de quintas debaixo de água.
Cada vez pior
Sem uma acção rápida para travar as alterações climáticas, os seus impactos nos agricultores europeus irão agravar-se. O IPCC afirmou que mais de um terço da população do Sul da Europa enfrentará escassez de água se as temperaturas médias globais subirem até 2ºC acima dos níveis pré-industriais. O planeta já registou um aquecimento de 1,2ºC em relação à era pré-industrial.
A falta de água já está a atormentar os agricultores no Mediterrâneo, propenso à seca. A Itália, famosa pelos vinhos e pelo trigo para massas, enfrentou uma das suas secas mais graves em 2022. Em Espanha, que é responsável por um terço da produção de fruta da UE, o Governo afirmou que mais de um quinto da terra está em alto risco de se tornar infértil.
Em Maio do ano passado, face a “uma escassez estrutural de água”, os ministros da Agricultura de Portugal e de Espanha pediram a Bruxelas a activação do fundo de reserva de crise da Política Agrícola Comum (PAC) para fazer face à seca. Em Portugal, a seca persistente no sul do país, na região do Algarve e do Alentejo, ameaça o futuro da agricultura.
O Governo português anunciou em Janeiro deste ano cortes de 25% no fornecimento de água ao sector agrícola (em relação aos números do ano passado) e de 15% no sector urbano (que inclui o turismo), também em relação ao ano passado, entre outras medidas para enfrentar a seca e a falta de água no Algarve.
Regras da UE
Os agricultores em protestos por toda a Europa criticaram as regras verdes da UE, que, segundo eles, os sobrecarregam com custos e burocracia que os produtores fora da Europa não enfrentam.
Em resposta aos protestos, a UE enfraqueceu algumas delas. Na semana passada, a UE eliminou, à última hora, um objectivo de redução das emissões agrícolas do seu roteiro climático para 2040. Bruxelas também retirou uma lei comunitária para reduzir os pesticidas e adiou um objectivo que obrigava os agricultores a deixar algumas terras em pousio para melhorar a biodiversidade.
Os defensores dos Verdes criticaram estas medidas, alertando para o facto de que o enfraquecimento das políticas ecológicas agora prejudicará os agricultores a longo prazo, se os ecossistemas se deteriorarem ainda mais e as alterações climáticas se agravarem. Mas alguns agricultores dizem que as políticas são impostas de cima para baixo, com pouca compreensão do impacto no terreno.
Os produtores de arroz para paella em Espanha, por exemplo, dizem que os seus rendimentos foram reduzidos por um fungo, depois de a UE ter proibido o pesticida utilizado para o evitar.
Futuro da agricultura
Como envolver os agricultores na agenda verde da UE – sem provocar mais agitação – é uma questão que se coloca aos decisores políticos. Para já, Bruxelas está na defensiva. Os ministros da agricultura dos países da UE reúnem-se no final deste mês para discutir mais formas de reduzir a burocracia para o sector.
Mas a UE afirma que a agricultura terá ainda de reduzir as emissões muito mais rapidamente, para cumprir os objectivos climáticos. A agricultura contribui com mais de 10% do total das emissões de gases com efeito de estufa da UE. Estas emissões praticamente não diminuíram nas últimas duas décadas.
Bruxelas está a trabalhar em ideias políticas para resolver este problema – entre elas, um regime de mercado de carbono em que os agricultores seriam pagos para armazenar CO2 nos solos, segundo algumas fontes na UE.
O futuro muito dependerá da próxima reforma da UE relativamente ao seu enorme orçamento de subsídios à agricultura para além de 2027, e do apoio que esta oferecerá à adaptação às alterações climáticas e à redução das emissões.