A energia nuclear é de esquerda ou de direita?
Até ao momento, dois partidos associados ao espectro político da direita inscreveram a energia nuclear nos seus programas eleitorais. Isto torna a energia nuclear uma energia de direita? Os eletrões não têm cor nem filiação política, no entanto há uma tentativa de conotar a energia nuclear a determinadas cores políticas.
Movimentos activistas de esquerda defendem 100% renováveis até 2030. Uma posição ambientalmente responsável defenderia as tecnologias de baixo carbono nas quais o nuclear se insere. Porque são as renováveis consideradas de esquerda? Certamente não será por apoio ao regime em vigor na China onde mais de 80% dos painéis fotovoltaicos são manufacturados e de onde o domínio na produção de geradores eólicos também se começa a sentir.
Na região de Xinjiang, de maioria Uyghur, onde se concentra a etapa de maior consumo de energia no processo de fabrico de painéis solares, a refinação do polissilício, o carvão representa 77% da produção de energia. Os Uyghur são utilizados como mão-de-obra escrava. Há também trabalho infantil no Congo, na mineração de cobalto, um elemento indispensável à transição energética. Apesar de a esquerda ter conhecimento destes factos opta por os ignorar.
O ambiente justifica a posição da esquerda contra o nuclear, mas ao uso de carvão para produzir as tecnologias ditas verdes, fecham os olhos e aceitam como um mal necessário? As renováveis têm crescido na China (30% da produção de electricidade do qual metade corresponde a hídrica), assim como o nuclear (5%), mas o uso de combustíveis fósseis não decaiu (61% carvão), e são estes que têm contribuído para o seu poderio industrial.
Historicamente, o nuclear nasceu apartidário. A Guerra fria opôs o bloco soviético ao bloco americano, e ambos investiram no desenvolvimento da energia nuclear quer para uso civil quer para a produção de armas. O crescimento da oposição à energia nuclear nos anos 70 criou alguns precedentes para que haja uma percepção mais dividida da energia nuclear. Nomeadamente, partidos/movimentos "Verdes", mais associados à esquerda, revelaram-se mais vocais contra o nuclear, devido à proliferação das armas nucleares, aos acidentes de Three Mile Island e Chernobyl e posteriormente Fukushima.
Dizer que a energia nuclear moderna ajuda à proliferação de armas nucleares é similar a dizer que ter indústria de aviação ajuda à proliferação de armamento! Todas as tecnologias humanas podem ser bem ou mal usadas e podem ser usadas para o bem ou para o mal. "Uma análise sistemática da evidência histórica sugere que a ligação entre os programas de energia nuclear e a proliferação é exagerada" (N.L. Miller; International Security, 2017).
Programas nucleares civis aumentam a capacidade técnica de um estado para construir armas nucleares, mas também aumentam a probabilidade de que programas paralelos de armas nucleares sejam detectados pela Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA), enfrentando pressões e o custo das sanções de contra-proliferação. Há ainda um exemplo emblemático de contributo da energia nuclear para a não proliferação. Em 2013, ao abrigo do programa Megatons to Megawatts, o urânio do arsenal de armas nucleares russo foi transformado em combustível, tendo uma em cada 10 lâmpadas americanas sido alimentada por armas nucleares desmanteladas.
Com o evoluir do tempo, maior segurança e regulamentação permitiu a alguns partidos verdes encararem a tecnologia nuclear como essencial para ter electricidade sem emissões, barata e segura. A Suécia, por exemplo, nos anos 80 passou por uma pressão política enorme para antecipar o fecho das centrais nucleares. Mas em 2009, houve um acordo político bipartidário focado em garantir a segurança energética.
Actualmente o nuclear é visto como positivo em ambos os lados da bancada partidária e a Suécia tem reafirmado o seu compromisso e objectivos ambiciosos de investimento em energia nuclear. No Reino Unido o apoio ao nuclear também abrange ambos os espetros políticos, assim como em muitos países que sempre tiveram nuclear (França, Europa do leste, Estados Unidos). E neste momento até em países onde o nuclear é visto como negativo politicamente, ainda existe o desejo de discutir, considerar, e até investir em I&D (Dinamarca).
Este consenso também está cada vez mais presente no Parlamento Europeu que, em Novembro de 2023, votou a favor do reconhecimento da energia nuclear como uma tecnologia para a descarbonização no âmbito da “Net-zero industry act” (456 a favor da inclusão da energia nuclear e 153 contra). Esta legislação coloca o nuclear em pé de igualdade com outras tecnologias, como as energias renováveis. A energia nuclear, uma arma de descarbonização maciça (5-6 g CO2/ kWh) finalmente reconhecida pelo parlamento Europeu.
Um mês depois o mesmo parlamento adoptou (com vasta maioria de votos a favor) um relatório sobre os pequenos reactores modulares (SMR), confirmando a importância destas tecnologias no apoio à descarbonização, garantindo a segurança do fornecimento e apoiando sectores difíceis de descarbonizar, como a indústria. 48% dos deputados portugueses votaram contra, 24% votaram a favor e 24% abstiveram-se. Seria importante que os grupos parlamentares nacionais demonstrassem interesse em saber mais sobre o assunto antes de votarem estes temas para evitar votarem por ideologia em detrimento de factos e ciência. Votar contra nuclear na UE não impede (diretamente) países europeus de alcançarem o nuclear. Apenas prejudica a indústria nuclear europeia, favorecendo que países como os Estados Unidos, Coreia do Sul e, num futuro próximo a China, possam encontrar novas oportunidades de negócio na área.
A presidente da Comissão de Energia do Instituto Espanhol de Engenharia, Yolanda Moratilla, defendeu que Espanha, em vez de encerrar centrais nucleares, deveria aumentar o seu número para manter a robustez do sistema elétrico e a construção de dez pequenos reactores modulares, para evitar apagões e um aumento significativo da fatura da eletricidade num futuro próximo. Aumentando o desacordo com a narrativa em vigor afirmou que maior penetração das energias renováveis só é possível com tecnologia nuclear. São questões sobre as quais o nosso país deveria reflectir. O ano passado importámos de Espanha 20% da electricidade consumida no país e 7.4% da electricidade consumida nestes primeiros dias de 2024.
A discussão sobre o papel que a energia nuclear pode ter no nosso cabaz energético não deveria ser uma manifestação de ideologia política. Os electrões não têm cor e a energia nuclear é apartidária e beneficia todos independentemente da filiação política.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.