Maternidade de substituição pode salvar o rinoceronte-branco-do-norte

Sucesso da transferência de um embrião fertilizado in vitro volta a trazer esperança ao processo de reabilitação da subespécie, que apenas conta com duas fêmeas conhecidas, residentes no Quénia.

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Najin fará 35 anos este ano, enquanto Fatu vai fazer 24. Em média, os rinocerontes-brancos-do-norte vivem até aos 40 anos Jan Zwilling I Ol Pejeta Consevancy
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Só se conhecem dois rinocerontes-brancos-do-norte (Ceratotherium simum cottoni) Najin e Fatu, ambas fêmeas, mãe e filha. São protegidas dia e noite pela unidade de conservação da vida selvagem Ol Pejeta, no Quénia, onde Sudan, o último macho, também viveu.

Em 2018, ano da morte de Sudan, os rinocerontes-brancos-do-norte passaram a estar “funcionalmente extintos”. Diz-se que uma espécie ou subespécie está “funcionalmente extinta” quando a população é composta por menos indivíduos que os necessários para o desempenho de um papel significativo no ecossistema. Neste caso, a situação é ainda mais dramática.

Mas a iminente trajectória para a extinção teve um revitalizante desvio, graças à transferência bem-sucedida de um embrião de rinoceronte fertilizado in vitro. Do processo, não resultará nenhuma cria Curra, a rinoceronte-branca-do-sul (Ceratotherium simum simum) que serviria de portadora à gravidez da subespécie do norte, acabou por morrer, mas por motivos alheios ao procedimento.

A autópsia revelou que o feto de 70 dias (Curra ainda teria cerca de 14 meses de gravidez pela frente) estava a desenvolver-se bem, pelo que não fosse a bactéria clostridia as hipóteses de sobrevivência eram muito altas. O anúncio desta quarta-feira foi feito pelo projecto BioRescue.

“Este pequeno bebé é a prova de tudo”, disse Thomas Hildebrandt ao The Guardian. “A injecção de esperma, a fertilização, o nitrogénio líquido, o descongelamento isto nunca foi feito antes com rinocerontes. Tudo isto podia ter falhado.” Sob um tom de brincadeira, o cientista-chefe do BioRescue não deixa de frisar: “Os humanos são simples! Estamos a trabalhar com um mamífero de duas toneladas e meia.

Mas como é que a fertilização in vitro pode ser uma solução se já não há machos? E como entra a maternidade de substituição em tudo isto? A ciência é clara. Graças à criopreservação do esperma de dois machos já falecidos, agora misturados com oócitos, ou óvulos em desenvolvimento, de Fatu, hoje, existem 30 embriões de rinocerontes-brancos-do-norte, preservados em azoto líquido na Alemanha e em Itália.

Mas nem Fatu nem Najin estão aptas a engravidar. E é aqui que entram os rinocerontes-brancos-do-sul, subespécie distinta mas suficientemente próxima para o bom resultado do processo entre as diferenças mais significativas estão o menor tamanho e peso dos do norte, além da maior concentração de pelos nas orelhas e pés, mais adequadas ao habitat pantanoso.

Já com novas medidas contra possíveis infecções bacterianas, estima-se que Arimet e Daly, ambas da subespécie do sul, possam ser as próximas receptoras de uma gravidez assistida em laboratório. Falta esperar o cio, período em que o animal está pronto para copular.

Com o intuito de evitar falsos alarmes, e assim evitar o desperdício do finito material genético, os cientistas deixarão que a natureza faça o seu papel. À semelhança do que foi feito com Curra, usar-se-á um touro rinoceronte esterilizado, que servirá de provocação à fêmea. Para aumentar a taxa de sucesso da intervenção, o embrião deve ser implantado, através do ânus, uma semana depois do acasalamento. Em caso de sucesso, este será o primeiro rinoceronte-branco-do-norte a nascer desde 2000.

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Só se conhecem dois rinocerontes-brancos-do-norte, Najin e Fatu, mãe e filha JAN ZWILLING I OL PEJETA CONSEVANCY

Ao que tudo indica, e até que os rinocerontes-brancos-do-norte voltem a reproduzir-se naturalmente, a chave de esquivo à extinção passará pelos ventres dos primos. Mas para que, no futuro, a subespécie possa voltar a autonomizar-se, é preciso diversificar a genética da população.

Com a utilização de técnicas de células estaminais, os cientistas pretendem transformar células da pele, disponíveis em amostras de tecido guardadas em jardins zoológicos, em células sexuais, técnica já feita em ratos de laboratório. De acordo com o plano, que também inclui a edição de genes vindos de outras amostras em museus (crânios, por exemplo), as células sexuais criadas em laboratório deverão ser combinadas com espermatozóides e óvulos naturais. “Planeamos ir a todos os museus com espécimes de rinocerontes-brancos-do-norte. Não se trata apenas de uma experiência científica, queremos mesmo trazê-lo de volta”, afirma Hildebrandt.

E mesmo que os novos rinocerontes-brancos-do-norte possam nascer de rinocerontes-brancos-do-sul, os cientistas querem que as crias conheçam e aprendam com indivíduos da própria subespécie. Para tal, os bebés terão de nascer antes de as duas fêmeas restantes morrerem. Najin fará 35 anos este ano, enquanto Fatu vai fazer 24. Em média, os rinocerontes-brancos-do-norte vivem até aos 40 anos.

Mas porque estão os rinocerontes-branco-do-norte "funcionalmente extintos"?

A esmagadora redução do número de rinocerontes-brancos-do-norte não advém da pouca capacidade de reprodução por vias naturais da subespécie, mas da ganância dos caçadores furtivos, encantados pelos seus chifres (geralmente usados para esculturas e aplicações medicinais não comprovadas). Este método científico também poderá servir outras populações em estado crítico, como o rinoceronte-de-java e o asiático rinoceronte-de-sumatra, com menos de 100 indivíduos cada.

Em África, existem também os rinocerontes negros, com três subespécies associadas. Estima-se que haja, neste continente, cerca de 23 mil rinocerontes: seis mil são negros e os restantes 17 mil brancos-do-sul.

No final do século XIX, calculava-se que a subespécie do sul estivesse fadada à casa das dezenas. A sua larga recuperação é um precedente para este sonho de preservação da biodiversidade.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas