Será que o Azerbaijão é realmente um parceiro fiável?

A parceria energética com o Azerbaijão é uma solução preguiçosa, nociva para os interesses europeus, pois legitima um autoritarismo incompatível com os princípios da União Europeia.

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A invasão da Ucrânia, em 2022, marcou o início de uma transformação do mercado energético para a União Europeia (UE). Com a introdução das sanções do mercado internacional à Rússia e a crescente instabilidade política na plataforma euroasiática, Bruxelas foi forçada a procurar alternativas ao país dos czares, que até aí tinha dominado a exportação de combustíveis de origem fóssil para a Europa.

Esta conjuntura abriu uma janela de oportunidade para que outros exportadores de combustíveis fósseis ocupassem a quota do mercado energético pertencente à Rússia. Esse papel foi entregue ao Azerbaijão, sobretudo por duas razões geoestratégicas, devido às seguras infraestruturas do Corredor do Sul do Cáucaso preexistentes para exportação de gás natural e ao reforço da posição europeia na sua periferia, com a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, a afirmar que o Azerbaijão é um “parceiro fiável” para a UE.

Posto isto, será que o Azerbaijão é realmente um parceiro fiável para estabelecer sinergias económicas fundamentais com a UE?

Se olharmos de relance, o Azerbaijão tem a matéria-prima e potencial energético para ser um substituto eficaz a médio prazo, garantindo uma exportação segura de combustíveis fósseis. No entanto, é necessário compreender o que isto implica para os interesses europeus e para a coesão interna relativa à preservação dos pilares democráticos da UE.

No rescaldo da nomeação do Azerbaijão para organizador da COP29, a cimeira climática das Nações Unidas agendada para 2024, este é o momento certo para discutir a agenda mediática de greenwashing no Cáucaso, que conta com a conivência da arena internacional.

As práticas do Azerbaijão quanto à proteção dos direitos humanos, que empurra a nação azeri para um dos últimos lugares da Freedom House (índice que quantifica a performance dos Estados em relação às liberdades garantidas), bem como o papel do Azerbaijão como maior produtor de energia de fontes fósseis do mercado global colocam em causa o futuro sustentável do mercado europeu e global.

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Ilham Aliyev, presidente do Azerbaijão, a discursar após a operação militar em Nagorno-Karabakh ROMAN ISMAYILOV/EPA

Ora vejamos, a nação que vem ocupar um espaço central na exportação de energia para a UE tem um registo muito semelhante, quase copiado a papel vegetal, ao do seu antecessor. As acusações de perseguição a jornalistas e adversários políticos desde a tomada de posse do presidente Aliyev em 2003 têm sido uma constante. O último caso sonante ocorreu durante novembro e dezembro, com a censura e detenção em massa de vários jornalistas independentes ou estrangeiros, que denunciaram práticas de corrupção no governo azeri.

Para além disso, os atos de guerra contra alvos civis têm sido modus operandi a mando do executivo azeri na região do Nagorno-Kharbakh, à semelhança da atuação da Rússia na Ucrânia e, anos antes, na Abecásia e Ossétia do Sul. Definir o Azerbaijão como ‘parceiro fiável’ é inaugurar um precedente que perpetua ações como as tomadas pelo aparelho militar azeri quando, em Setembro, ocupou a cidade de Stepanakert (capital do Nagorno-Kharabakh e desde aí denominada Khankendi) com ataques indiscriminados contra a população étnica arménia, o que obrigou ao êxodo da população para território arménio, numa fuga pela sobrevivência.

Estas ações de ingerência em enclaves ou territórios soberanos pertencentes a outras nações aproximam a posição de Bacu à posição de Moscovo na região. Tais laços políticos foram consumados com todo um simbolismo, num encontro diplomático entre Putin e Aliyev, menos de um mês após os incidentes em Stepanakert, o que serviu para, se alguma dúvida houvesse, legitimar mutuamente a posição da Rússia na Ucrânia e do Azerbaijão no Nagorno-Kharabakh.

Se ao nível da proteção dos direitos humanos o Azerbaijão está longe de ser ‘um parceiro fiável’, na dimensão energética não augura um futuro particularmente sustentável, configurando um entrave sério ao cumprimento dos 17 objetivos definidos pelas Nações Unidas. Segundo o diário britânico The Guardian, ao contrário da tendência global de investimento em fontes de energia renovável, o governo azeri planeia aumentar a sua produção de combustíveis não renováveis em 12 mil milhões de metros cúbicos até 2034. Perante evidências de uma aposta deliberada na exportação de gás natural proveniente de fontes não renováveis, esta parceria acarreta três pequenas subversões dos interesses da UE.

Primeiro, os acordos com o Azerbaijão impedem a emergência de novas soluções menos poluentes para a Europa, atrasam a procura por novas geografias com potencial energético para parcerias de longo prazo. Segundo, o desenvolvimento de energias renováveis na UE e de um plano de sustentabilidade interno sai prejudicado. Esta utilização massiva de fontes fósseis gera um obstáculo no desenvolvimento infraestrutural para produção de energia renovável, uma vez que estas formas de energia não serão competitivas a longo prazo, enquanto o não renovável liderar o mercado. Por último, esta parceria deixa no ar a sensação de que o Azerbaijão funcionará nos próximos anos como um placeholder do lugar russo no mercado energético, até que, findada a guerra na Ucrânia, a Rússia volte a entrar nos parâmetros aceitáveis para estabelecer novos acordos com a UE.

Portanto, enquanto a UE e as Nações Unidas fazem do discurso em prol da defesa dos direitos humanos uma das suas bandeiras de desenvolvimento, juntamente com os apoios às energias renováveis para uma transição energética célere, executa o oposto daquilo que apregoa. Enquanto penalizam o mal maior, a Rússia, perpetuam a legitimidade do Azerbaijão, que, neste contexto, será o mal menor – muito semelhante em forma, mas menor em dimensão mediática.

A parceria energética com o Azerbaijão passa despercebida ao crivo da opinião pública, no entanto é uma solução preguiçosa, nociva para os interesses europeus, pois legitima um autoritarismo incompatível com os princípios da UE. Por agora, resta-nos aguardar mais um acordo saído da COP29, que não começou de forma auspiciosa para os princípios democráticos, com a seleção de 28 homens e zero mulheres para o comité de organização da cimeira. Até lá, poucos serão os avanços para a transição energética europeia, dada a insistência da UE e da ONU em perpetuar o greenwashing de regimes ditatoriais exportadores de combustíveis fósseis, à semelhança do que aconteceu nas últimas duas cimeiras do clima.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico