Seca no Algarve: Governo anuncia cortes de 25% na agricultura e 15% no sector urbano

A Comissão da Seca esteve reunida esta quarta-feira para definir novas medidas para a região do Algarve. “Se nada fosse decidido, chegaríamos ao final do ano sem água para abastecimento público.”

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Seca na barragem de Odeleite, no Algarve Rui Gaudêncio
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O Governo anunciou nesta quarta-feira cortes de 25% no fornecimento de água ao sector agrícola (em relação aos números do ano passado) e de 15% no sector urbano (que inclui o turismo), também em relação ao ano passado. As medidas para enfrentar a seca e a falta de água no Algarve foram anunciadas após a reunião da comissão da seca que decorreu em Faro.

“A situação que temos hoje no país é muito assimétrica”, afirmou o ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro. As circunstâncias de seca concentram-se no Sul do país, sobretudo no Algarve, explicou. “Se nada fosse decidido e nada fosse feito, aconteceria que chegaríamos ao final do ano sem água para abastecimento público” na região.

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Ainda assim, os agricultores do perímetro de rega do sotavento algarvio receberam da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) autorização para ir aos furos buscar a água que o sistema de barragens Odeleite/Beliche não tem para lhes fornecer. Com esta medida excepcional, a proposta de redução dos consumos na agricultura ficou nos 25% e não nos 70%, valor que anteriormente tinha vindo a público e que se referia às águas superficiais. O princípio, explicou o ministro Duarte Cordeiro, é garantir a “sobrevivência” dos pomares, embora reconheça que a seca poderá vir a pôr em causa a produção.

A ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, admitiu virem a ser concedidos “apoios financeiros” aos agricultores e associações do sector para compensar as eventuais perdas de culturas. As medidas anunciadas vão ser acompanhadas por grupos de trabalho sectoriais que irão monitorizar a evolução da seca e divulgar, todos os meses, boletins informativos da situação hidrológica.

Dentro da redução de 25% do abastecimento agrícola está compreendida a redução em 50% do volume titulado para rega no perímetro hidroagrícola do sotavento; a redução em cerca de 40% do volume utilizado para rega a partir da albufeira do Funcho “face à campanha de rega homóloga”; e a redução em 15% da captação de água subterrânea para rega. No caso do perímetro hidroagrícola do sotavento, “a redução na captação superficial vai ser compensada pela reactivação de furos em zonas em que os aquíferos não estejam em situação crítica e também pela água para reutilização”, segundo o comunicado de imprensa enviado após a reunião.

O ministro do Ambiente referiu que estas medidas foram tomadas com base em vários indicadores: as reservas das albufeiras, os registos de precipitação dos últimos anos (neste caso tendo em consideração o pior ano de chuva), a evapotranspiração das albufeiras e as obrigações do ponto de vista dos caudais ecológicos dos rios. Outro dos objectivos é garantir a sobrevivência das espécies do sector agrícola, disse Duarte Cordeiro.

“É muito importante que todos os sectores se empenhem [para cumprir estas metas e a poupança de água], realçou ainda Duarte Cordeiro. A 18.ª Reunião da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca durou quase quatro horas e foram decididos cortes menores do que os que estavam inicialmente previstos para a agricultura, que se estimavam ser de 70%.

Prejuízos na agricultura

Embora o cenário para a agricultura não seja tão cinzento como se tinha imaginado, a situação do sector é a mais delicada, principalmente para os produtores que dependem do regadio. “Logicamente que qualquer gota de água a mais ajuda”, disse ao PÚBLICO João Garcia, agricultor e presidente da Associação de Regantes e Beneficiários de Silves, Lagoa e Portimão, reagindo aos anúncios feitos na conferência de imprensa.

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“Atingimos o nível quatro de contingência, que é o nível máximo, estamos a falar de rega de sobrevivência, vamos tentar com este volume de água fazer com que os pomares não sequem”, explicou. “Com esta água não conseguimos garantir a produção.”

Dos 2600 hectares de área de rega associados aos três municípios, 1000 hectares correspondem aos pomares de citrinos. Os outros hectares são de culturas anuais que, sem água, não podem ser cultivadas. “O prejuízo é na ordem dos 12 milhões de euros”, disse João Garcia. “Se não houver ajuda dos overnos às empresas e aos agricultores muitos deles vão acabar na falência”, referiu, acrescentando que o sector está à espera de saber quais vão ser os pacotes de ajuda que o Governo vai, de facto, disponibilizar.

A médio prazo a ambição do responsável é a sobrevivência. “Queremos tentar sobreviver este ano e que para o próximo ano consigamos ter mais água do que agora para que a agricultura não desapareça deste território”, disse João Garcia, adiantando que não tem conhecimento de se vai haver manifestações mais fortes contra o Governo. “A nossa função é tentar, junto com o diálogo, ajudar a encontrar soluções que consigam dar resposta ao problema que já temos.”

Duarte Cordeiro destacou na conferência que vai ser lançado o concurso para a construção da dessalinizadora, em Albufeira, e no próximo mês de Setembro será conhecida a proposta técnica para fazer a ligação das barragens do Algarve ao rio Guadiana.

Medidas no turismo

O sector do turismo, à semelhança do que sucede no ciclo urbano, sofre uma redução no abastecimento de água de 15%. Os municípios, enquanto as reservas subterrâneas o permitirem, também vão poder socorrer-se dos furos para abastecer a população, mas não será permitido regar espaços verdes públicos, “só o suficiente para a garantir a sobrevivência das plantas”, sublinhou Duarte Cordeiro. O incumprimento das regras – 40 medidas a aprovar por uma resolução do Conselho de Ministros – dá direito a “penalizações” que vão ser instituídas, mas ainda por definir.

No entanto, a perspectiva é mais optimista no turismo, o sector económico mais importante no Algarve. “As medidas que vão ser implementadas foram trabalhadas com o sector com uma forte participação das associações” para atingir o objectivo dos 15%, disse ao PÚBLICO André Gomes, presidente da Associação do Turismo do Algarve. O “conjunto de medidas vai permitir à região manter o nível da oferta turística de que os nossos visitantes estão à espera, mantendo a importância do sector ao nível regional e nacional”, garantiu.

Algumas das acções incluem a promoção do uso de torneiras e autoclismos mais eficientes, a formação dos funcionários e a sensibilização dos turistas, a redução dos relvados nas áreas verdes e a possível substituição de espécies vegetais que consomem mais água por espécies autóctones, exemplificou André Gomes.

Haverá ainda “a implementação de um selo de eficiência hídrica, que terá de ser renovado periodicamente, de acordo com a aplicação de medidas prioritárias e estruturantes ao longo de todo o ano”, explicou o responsável. Este selo é voluntário, serão os hotéis, resorts e outros empreendimentos turísticos que escolhem ter este selo.

Ao nível dos 36 campos de golfe do Algarve, que em 2023 já tiveram de reduzir em 40% o consumo proveniente de águas superficiais, André Gomes adiantou que está a haver uma transição do número de campos de golfe que passam a usar águas tratadas nas estações de tratamento de águas residuais (ETAR). “Até 2027, teremos 12 campos totalmente regados com águas tratadas das ETAR, em 2030 serão 32”, anunciou.

Apesar das várias medidas de médio prazo anunciadas pelo Governo para a disponibilidade de água na região ser maior, André Gomes defende uma “coesão territorial a nível de água” que contemple todo o território nacional, e pede uma discussão alargada. Mas, em relação ao sector do turismo algarvio, não vê ameaças ao seu crescimento. “Nos últimos anos temos pugnado por ter um turismo sustentável. A perspectiva que temos é continuar com um nível de crescimento sustentável”, afirmou.

No ano passado, nesta altura, as seis barragens da região encontravam-se com 45% da sua capacidade de armazenamento; presentemente, estão nos 25%. Por isso, o ministro Duarte Cordeiro, apelou à “responsabilização colectiva”, para que até final do ano a água não falte nas torneiras, embora esteja previsto uma redução da pressão do caudal, para forçar os consumidores a poupar. Por outro lado, frisou, “não faz sentido os empreendimentos turísticos regarem jardins”, quando é pedido às câmaras para abdicarem desse luxo. Porém, as condições variam de concelho para concelho, e os municípios vão ser chamados a ter um papel activo na fiscalização.

A comissão que acompanha os efeitos da seca reuniu-se nesta quarta-feira em Faro com a presença do Governo, com o objectivo de definir um plano para limitar o consumo de água no Algarve, que atravessa um grave período de seca. O encontro foi presidido pelo ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, e pela ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes, na sede da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, em Faro.

Notícia corrigida às 10h35 de 18 de Janeiro de 2024: a proposta que se conhecia anteriormente de 70% no corte do abastecimento de água ao sector agrícola não era a proposta oficial do Governo, como poderia ser interpretado na versão não corrigida desta notícia.