Numa altura em que os incêndios florestais provocados pelas alterações climáticas estão fora de controlo, os cientistas demonstraram, pela primeira vez, que o fumo tóxico está a envenenar as orcas ao largo da costa ocidental da América do Norte. Os investigadores da Universidade da Colúmbia Britânica descobriram que os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP) gerados por fontes como os derrames de petróleo e a queima de combustíveis fósseis, mas também gerados pelos incêndios florestais, estão a contaminar os tecidos musculares e hepáticos de dois tipos de orcas, as baleias ameaçadas de extinção.
“A nossa investigação mostra que é provável que estas orcas estejam a ser expostas a substâncias químicas provenientes destas fontes”, afirmou Kiah Lee, a principal autora do artigo, que conduziu a investigação enquanto era estudante na Universidade da Colúmbia Britânica.
Foram encontrados PAH de fontes petrogénicas em orcas-residentes-do-sul, em perigo crítico de extinção, que vivem ao longo da costa entre o estado de Washington e a Colúmbia Britânica, o que as torna susceptíveis à poluição proveniente de refinarias de combustíveis fósseis, escapes de veículos e derrames de petróleo.
Com apenas 75 indivíduos, cada nascimento de uma residente-do-sul é crucial para a sobrevivência da população. Mas, num sinal preocupante, os investigadores descobriram que os predadores de topo que se alimentam de peixe estão a transferir PAH cancerígenos para as suas crias ainda por nascer, de acordo com o artigo publicado a 19 de Dezembro na revista Scientific Reports.
“É muito importante que os decisores políticos tenham isso em consideração quando analisarem o desenvolvimento de oleodutos e gasodutos ao longo da nossa costa”, afirmou Lee.
As orcas-de-bigg
Os HAP associados aos incêndios florestais e a outras fontes deste tipo foram encontrados nas orcas-de-bigg da costa ocidental. As orcas-de-bigg, também conhecidas como orcas-passageiras, são uma espécie ameaçada no Canadá e percorrem o oceano Pacífico desde o Alasca até ao México e tendem a viver longe das infra-estruturas costeiras. Estes padrões migratórios, combinados com o alcance do fumo dos incêndios florestais soprado pelo vento, tornam a ameaça representada pelos HAP particularmente abrangente.
“A Califórnia tem sido muito afectada pelos incêndios florestais e, por isso, pode ser essa a razão pela qual descobrimos que as orcas Bigg tinham mais PAH ligados a este tipo de fontes que chamamos pirogénicas”, disse Lee, que é actualmente estudante de mestrado na Universidade de Oslo.
No entanto, Kiah Lee disse que não é possível atribuir a contaminação pirogénica por PAH especificamente aos incêndios florestais, uma vez que os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos podem ser gerados pela queima de madeira, erva e carvão. Mas o co-autor Juan José Alava observa que a impressão digital de PAH encontrada nas orcas-de-bigg é característica do fumo de incêndios florestais, que seria transportado pelo vento para o habitat mais remoto dos animais. Não existem centrais eléctricas alimentadas a carvão na Califórnia e o Noroeste Pacífico depende em grande medida da energia hidroeléctrica para produzir electricidade.
A extensão do envenenamento por PAH nas populações de orcas é desconhecida, assim como os seus impactos exactos na saúde — embora o documento tenha referido que os cientistas associaram o cancro nas baleias belugas canadianas à contaminação por PAH. Os investigadores basearam as suas conclusões em amostras de tecido de uma dúzia de orcas que deram à costa na Colúmbia Britânica entre 2006 e 2018, antes dos incêndios florestais recordes que consumiram vastas áreas da Califórnia e do Noroeste Pacífico nos últimos anos. Em 2023, os incêndios florestais queimaram 18,4 milhões de hectares (45,5 milhões de acres) no Canadá, uma área do tamanho do Dacota do Norte.
Uma orfã chamada Luna
O estudo é “um novo trabalho importante sobre uma classe de contaminantes que não foram muito estudados em baleias”, disse John Calambokidis, biólogo e co-fundador da organização sem fins lucrativos Cascadia Research Collective em Washington. Calambokidis, que não participou neste trabalho, nota que estudos anteriores se concentraram na contaminação de mamíferos marinhos por compostos químicos tóxicos como os bifenilos policlorados (PCB).
Juan José Alava adianta que os investigadores encontraram contaminação por PAH de fontes como os derrames de petróleo e a queima de combustíveis fósseis e também gerados como os incêndios florestais apenas numa orca, uma residente-do-sul órfã chamada Luna. Tal como outros residentes-do-sul, Luna manteve-se perto da costa urbanizada, mas também foi seguida a viajar para áreas mais distantes do oceano, onde foi descoberta a contaminação por PAH de fontes como incêndios florestais.
“As alterações climáticas estão basicamente a exacerbar todos estes incêndios florestais, que se estão a tornar mais frequentes e mais intensos”, disse Alava, investigador associado e principal investigador do Instituto dos Oceanos e das Pescas da Universidade da Colúmbia Britânica. E conclui: “Portanto, todo este fumo está a agregar-se na atmosfera e a viajar ainda mais para oeste, para onde estão as orcas.”