Para lá dos peidos de vaca: a urgência da educação climática
O ano é 2020, encontro-me no epicentro da cena dos assuntos públicos da Europa, a estagiar numa proeminente consultoria de Bruxelas, a tratar de matérias relacionadas com sustentabilidade empresarial. Enquanto deliberamos sobre a abordagem a tomar para articular a posição de um cliente referente às suas emissões de gases com efeito de estufa (GEE), sou surpreendido pela resposta de uma figura sénior quando lhe coloco uma questão sobre metano: "Metano? Isso não passa de peidos de vaca; não há nada com que nos preocuparmos". Não poderia estar mais errado.
Numa escala temporal de 100 anos, o metano possui um potencial de aquecimento global 28 vezes superior ao do dióxido de carbono e é 84 a 86 vezes mais potente num período de 20 anos. De facto, reduzir as emissões de metano em 45% antes de 2030 pode evitar cerca de 0,3 °C de aquecimento global até 2045 — um passo crucial para o sucesso dos esforços de combate à crise climática. O combate às emissões de metano mereceu uma atenção considerável na agridoce COP28, tendo sido assinado um Compromisso Mundial sobre o Metano, a fim de catalisar os esforços das nações para a mitigação do perigoso gás. Mas porquê só agora? As razões são múltiplas, mas só uma é partilhada entre a ignorância de um gestor sénior de sustentabilidade e a reação tardia da COP: a iliteracia climática.
A falta de conhecimento climático continua a ser um desafio premente no nosso quotidiano. Nas minhas conversas informais, torna-se evidente que o entendimento sobre as alterações climáticas e dos seus factores subjacentes é muito limitado. Esta falta de percepção é particularmente preocupante quando consideramos o atual estado do planeta. Hoje, cada ação que tomamos, cada voto que exercemos, tem o potencial de moldar significativamente o nosso futuro comum. A literacia climática tornou-se inevitavelmente um requisito obrigatório para a nossa existência, tornando necessário o cultivo dessa consciência crítica junto de todos. Para tal, há que direcionar o nosso foco para a espinha dorsal da sociedade — as nossas escolas.
Ao crescer, não fosse a minha curiosidade incessante, as alterações climáticas teriam permanecido um conceito obscuro ouvido uma vez ou outra na escola. E isto ainda hoje perdura pelo globo. Dados recentes da UNESCO, recolhidos em 100 países, revelam que apenas 53% dos currículos escolares nacionais incluem menção às alterações climáticas. Para além disso, quando o tema vem à tona, recebe sistematicamente pouca prioridade.
Em Portugal, o discurso sobre as alterações climáticas é hoje introduzido a partir do oitavo ano. No entanto, o feedback dos alunos indica uma experiência pouco favorável, atribuída a um currículo pobre que abrange apenas aspectos gerais, não explorando em profundidade as causas subjacentes. Esta situação é predominantemente uma consequência de um apoio inadequado aos educadores. Os professores têm dificuldade em fornecer informações completas e atualizadas devido à falta de recursos e de formação. Além disso, os atuais programas escolares e manuais escolares não refletem a evolução real do problema.
Ora, se as crianças — e todos nós, na verdade — terão de viver sob os impactos das alterações climáticas, torna-se imprescindível que os currículos escolares mudem e sejam capazes de impulsionar a mudança necessária. Uma coligação liderada pela organização Earth Day procurou transmitir isso mesmo, ao enviar uma carta aberta à presidência da COP28. Apesar da falta de êxito, o grupo transmitiu factos cruciais que exigem atenção.
Um estudo de 2020 sobre o papel da educação climática nas emissões individuais de carbono ao longo da vida mostrou que "educação climática pode ser tão eficaz na redução das emissões de carbono como outras soluções, como a energia solar nos telhados ou os veículos elétricos". Sabendo do profundo impacto da educação na promoção da capacitação e na formação de decisões futuras de quem aprende, é imperativo integrar a educação climática enquanto elemento obrigatório e padronizado em todos os currículos escolares.
Idealmente, esta integração deve acontecer nos primeiros anos da escola primária e estender-se a todas as disciplinas, reconhecendo a natureza complexa das alterações climáticas. Para abordar de forma abrangente as dinâmicas da poluição, o desigual esgotamento de recursos, a perda de biodiversidade e as ramificações dos fenómenos meteorológicos extremos, a educação climática deve transcender as fronteiras disciplinares tradicionais. Em vez de confinar a educação climática apenas às ciências naturais, a sua integração deve ocorrer em todas as outras disciplinas nos diferentes níveis de ensino. As disciplinas sociais, em particular, surgem como uma arena crucial para uma integração interdisciplinar, proporcionando uma plataforma para os estudantes se tornarem atores cívicos com a capacidade de compreender os impactos humanos, navegar nas complexidades políticas, compreender as implicações culturais e explorar as complexas interações que compõem a crise climática.
A crise climática é uma questão intrincada e intersetorial, longe de ser binária, e atualmente a educação é severamente subutilizada como uma ferramenta de mitigação. Colocar a educação climática na vanguarda das prioridades escolares poderá capacitar a próxima geração ao encontro de soluções eficazes e justas que permitam melhor lidar com esta iminente ameaça coletiva.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico