Nanoplásticos podem afectar células intestinais e cerebrais activando processos inflamatórios
Estudo mostrou que os nanoplásticos interferem com receptores nas membranas de células intestinais e activam processos inflamatórios. No caso das células cerebrais, a resposta inflamatória será menor.
Os nanoplásticos, um dos principais poluentes do ambiente, especialmente da água, podem afectar células intestinais e cerebrais e desencadear respostas inflamatórias no corpo humano, segundo um estudo publicado em Novembro de 2023 e divulgado esta quarta-feira pelo Mare - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente.
As minúsculas partículas de plástico, que "podem ter dimensões 70 vezes inferiores ao diâmetro de um cabelo" estão entre os principais poluentes, sobretudo no meio aquático. "É graças ao continuado aumento da produção de plástico, ao seu descarte inadequado, à fragmentação de plásticos de maiores dimensões em partículas mais pequenas, e aos contaminantes associados que surge a preocupação relativamente aos malefícios que podem trazer à saúde humana. Isto porque os nanoplásticos têm tamanho suficiente para atravessar as membranas celulares do nosso corpo, tornando-se mais fácil a sua ingestão e absorção", refere um comunicado divulgado pelo MARE.
O trabalho dirigido por Joana Antunes, aluna de doutoramento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCT) e investigadora do Mare, foi realizado no âmbito do projecto Nanoplastox, coordenado pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL). Joana Antunes expôs vários tipos de células a nanoplásticos, nomeadamente células do cólon humano e células de microglia [células imunitárias do sistema central nervoso] de ratinho para entender as suas respostas inflamatórias, uma função vital para a defesa do organismo.
Os plásticos são materiais que se vão degradando e ficando cada vez menores. Os nanoplásticos são muito, mesmo muito menores que os microplásticos (que já são, por sua vez, mais pequenos do que um grão de arroz), podendo atravessar tecidos de diferentes órgãos e chegar à corrente sanguínea.
O estudo mostrou que "os nanoplásticos têm a capacidade de interferir com receptores existentes nas membranas das células intestinais e, consequentemente, activar processos inflamatórios que podem, eventualmente, alterar a permeabilidade da barreira intestinal". No caso das células cerebrais, a resposta inflamatória foi menos acentuada.
Apesar de referirem que "as consequências das respostas observadas neste estudo ainda não são claras", os cientistas assinalam que "a inflamação descontrolada ou crónica está associada a patologias mais graves como alergias, doenças auto-imunes e aumento do risco de desenvolvimento de doenças cancerígenas".
O estudo foi publicado na revista científica Environmental Toxicology and Pharmacology. Numa nova fase de investigação "serão analisadas misturas destes nanoplásticos com outros contaminantes que já existem no ambiente, como por exemplo o benzopireno, um hidrocarboneto (do petróleo) presente no fumo do tabaco".
Agora, impõe-se uma nova pergunta: "Será esta mistura mais prejudicial para a saúde humana? A equipa de investigadores do MARE e da FFUL pretende responder a esta questão através da exposição de modelos celulares e peixe-zebra a estas misturas."
Partículas na água engarrafada
Esta segunda-feira foi divulgado um outro estudo na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) que mostrava o resultado do trabalho de um grupo de cientistas que identificou e contabilizou na água engarrafada, pela primeira vez, estas pequeníssimas partículas de plástico – os nanoplásticos. Segundo concluíram, um litro de água engarrafada apresenta em média cerca de 240 mil fragmentos de plástico detectáveis, uma quantidade 10 a 100 vezes maior do que se imaginava a partir de estimativas prévias.
“Esta era até agora uma área obscura, desconhecida. Os estudos de toxicidade estavam apenas a estimar o que havia ali dentro. [Este trabalho] abre uma janela onde podemos olhar para um mundo que não nos foi apresentado antes”, afirmava o co-autor do estudo Beizhan Yan, químico ambiental do Observatório Terrestre Lamont-Doherty da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, citado numa nota de imprensa.
A presença de fragmentos de plásticos na água potável, sendo ela da torneira ou engarrafada, não é uma novidade. Um estudo de 2018, por exemplo, analisou 259 garrafas de água oriundas de nove países e detectou a presença de 325 partículas de microplásticos por litro. Estudos posteriores encontraram valores superiores.
O que este estudo da revista PNAS traz de novo reside na capacidade de, através de uma nova abordagem técnica, identificar e contabilizar a presença de nanoplásticos na água engarrafada. Trata-se de partículas muito menores que os microplásticos. É a primeira vez que os cientistas quantificam e classificam os minúsculos fragmentos invisíveis neste líquido.
Expostos desde o nascimento?
Mas, afinal, quais são os efeitos na saúde humana destes minúsculos fragmentos de plástico que parecem estar em todo o lado? Existem vários estudos que associam os fragmentos de plástico a potenciais efeitos nocivos na saúde humana, com este publicado em Novembro pelo Mare -- Centro de Ciências do Mar e do Ambiente. Muitos destes trabalhos são laboratoriais, recorrendo por exemplo a linhas celulares, uma vez que há questões éticas que limitam tais experiências em seres humanos. “São modelos que ‘imitam’ partes do corpo humano”, esclarece a bióloga Paula Sobral.
“Vários artigos têm reportado que os nanoplásticos estão associados à indução de processos inflamatórios, que podem desenvolver mais tarde doenças auto-imunes ou doenças cancerígenas. Mas, evidentemente, não podemos fazer uma associação directa, não podemos dizer que os nanoplásticos provocam cancro. Simplesmente não sabemos”, refere a investigadora que também faz parte da equipa de cientistas do Mare.
Os nanoplásticos são muito, mesmo muito menores que os microplásticos (que já são, por sua vez, mais pequenos do que um grão de arroz). São tão minúsculos que podem atravessar tecidos e até chegar ao sangue.
Chegados à corrente sanguínea, os nanoplásticos podem “viajar” pelo corpo e chegar a órgãos vitais como o cérebro. Já foram encontrados pedacinhos de plástico até no leite materno, o que sugere a hipótese de estarmos a ingerir estes contaminantes desde o nascimento.