Nikita Zimov caminhava pela lama castanha e pegajosa da Sibéria, mesmo acima do Círculo Polar Árctico. O sol irradiava sobre a república russa de Sakha, também conhecida como Iacútia, num dia de quase 21 graus Celsius. Estávamos em Agosto de 2022, mas em muitos aspectos o jovem cientista tinha acabado de recuar milhares de anos no tempo.
Camadas de solo descongelado elevavam-se dezenas de centímetros acima de Zimov, o director do Parque Pleistoceno e chefe da Estação Científica do Nordeste, na Iacútia. Essas camadas continham folhas, raízes e restos de animais que morreram há milénios, durante o período do Pleistoceno, conhecido como a mais recente Idade do Gelo do planeta.
A Sibéria está a aquecer duas vezes mais depressa do que outras partes do mundo. Esta rápida mudança está a provocar o degelo do solo congelado pela primeira vez em séculos. Este solo é conhecido como permafrost e cobre cerca de dois terços da Rússia.
A vegetação rasteira e arbustos quebradiços têm alimentado fogos florestais violentos. O degelo do solo está a libertar gases com efeito de estufa. Pela primeira vez em centenas de milhares de anos, surgiram camadas de terra amolecida, revelando esqueletos, doenças e vida que desperta.
Em Julho, os cientistas conseguiram reanimar um verme com 46.000 anos que estava preso no permafrost. Investigadores europeus alertaram para o facto de, à medida que o solo continua a descongelar, poderem surgir vírus antigos.
O tempo está a esgotar-se
Nikita Zimov está a acompanhar os efeitos do degelo e a trabalhar num plano para os tentar atenuar. À medida que o permafrost vai derretendo, os micróbios alimentam-se do carbono retido no gelo, libertando dióxido de carbono e metano, um gás com efeito de estufa potente, para a atmosfera. O gás é visível mesmo em pequenos riachos. Quando Zimov perfurou o solo com uma longa vara de pescar, houve bolhas de gás que flutuaram para a superfície. Os funcionários do parque monitorizam as emissões de metano. O solo está a libertar mais gases com efeito de estufa por ano do que alguns países emitem anualmente.
Zimov vive a cerca de 41 quilómetros do parque, num local remoto, com a mulher e três filhas. “Há toneladas de mosquitos no Verão e é superescuro e frio no Inverno”, descreveu. “Mas o nosso lar é o nosso lar.”
Nikita Zimov cresceu na estação de investigação, onde o seu pai, Serguei, era cientista. Em 2006, Serguei e a ecologista Katey Walter Anthony, do Alasca, publicaram uma investigação na revista científica Nature que descrevia em pormenor a forma como o degelo do permafrost estava a contribuir para as alterações climáticas.
Os Zimovs decidiram resolver o problema ao fazer um “rewilding” da tundra árctica. O seu pequeno pedaço de terra é habitado por animais de pasto de clima frio, como bisontes e camelos, que esperam que possam aplanar e espalhar a neve isolante durante o Inverno, permitindo que o solo volte a congelar antes dos meses de Verão.
O tempo está a esgotar-se. O degelo do solo está a alterar a vida quotidiana nestes locais remotos. As infra-estruturas estão a desmoronar-se. As casas estão a entrar em colapso. Os cemitérios estão a ficar inundados. Na aldeia de Srednekolimsk, no Norte, as sepulturas foram sendo deslocadas à medida que o gelo vai derretendo. Um edifício que outrora albergava uma estação de tratamento de águas residuais na Iacútia desmoronou-se.
Zimov recolhe dados sobre a profundidade do permafrost para medir a quantidade que está a desaparecer nas aldeias acima do Círculo Polar Árctico. Espera que, nos próximos 25 anos, o parque esteja livre de interferências humanas. “O objectivo do nosso trabalho é criar um sistema auto-sustentável”, disse. Mas os aspectos negativos da missão não o deixam indiferente.
“A principal crítica ao nosso projecto é que se trata de uma tarefa demasiado árdua e que não há tempo suficiente”, afirmou. “Talvez sim, talvez seja uma tarefa demasiado difícil. Mas isso não significa que não devamos tentar.”
Aqueles que vivem nas condições extremas da Sibéria recorrem a costumes com séculos, criados para respeitar e sobreviver ao frio. Os canos são construídos acima do solo. Os carros são deixados a trabalhar durante todo o Inverno porque, se forem desligados, congelam imediatamente e não podem ser postos de novo a trabalhar.
As pessoas vestem-se de pele da cabeça aos pés para poderem viver com as temperaturas negativas. É uma questão de sobrevivência, mas é também um modo de vida que está agora em perigo.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post