Os Grandes Lagos da América do Norte tiveram, no primeiro dia do ano, a menor quantidade de cobertura de gelo dos últimos 50 anos, segundo dados do governo norte-americano. Este declínio surge no contexto de uma descida de cinco décadas na cobertura de gelo que, segundo os especialistas, se deve em parte às alterações climáticas causadas pela actividade humana.
"É um número extremo", diz James Kessler, físico do Laboratório de Investigação Ambiental dos Grandes Lagos (GLERL) da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês). "Dito isto, estamos no início da estação e há uma variabilidade de ano para ano. Mas, em média, estamos a assistir a uma menor cobertura de gelo e a estações mais curtas".
No primeiro dia do ano, apenas 0,35% dos Grandes Lagos estavam cobertos de gelo, muito abaixo da média de 9% para esta altura do Inverno, de acordo com dados da NOAA. No dia de Ano Novo de 2023, mais de 4 por cento dos Grandes Lagos estavam cobertos de gelo, enquanto 2,35% estavam cobertos de gelo a 1 de Janeiro do ano anterior.
Um dia não são dias
Kessler advertiu que, embora o mínimo de segunda-feira seja notável, os mínimos de um dia não são tão estatisticamente significativos como os mínimos de um mês. Acrescentou que a cobertura máxima de gelo, ou seja, o ponto do Inverno em que a percentagem dos Grandes Lagos com cobertura de gelo é mais elevada, ocorre normalmente em Fevereiro e Março, e que Janeiro é o início da estação.
Espera-se, contudo, que este decréscimo da cobertura de gelo se mantenha à medida que a Terra continua a aquecer, com implicações em todos os sectores e ecossistemas. De acordo com Kessler, uma cobertura de gelo robusta protege as margens dos lagos das ondas altas que podem provocar inundações graves e danificar a linha costeira. Também há microorganismos que utilizam o gelo como um refúgio seguro para desovar.
A falta de cobertura de gelo pode levar a tempestades de neve mais graves, porque um lago que não está congelado é um pré-requisito para a neve do tipo "efeito de lago". Este fenómeno ocorre quando o ar frio, geralmente vindo do Canadá, varre a superfície dos Grandes Lagos. À medida que o ar frio passa pelas águas descongeladas e relativamente quentes dos Grandes Lagos, o calor e a humidade são transferidos para a parte mais baixa da atmosfera.
O declínio na cobertura de gelo também tem efeitos na indústria multimilionária da navegação comercial, que pode beneficiar de uma época de navegação mais longa com menos gelo. Mas a diminuição do gelo pode reduzir o turismo nas cidades que emolduram os lagos, uma vez que muitas dependem de competições de pesca no gelo ou de hóquei nos lagos congelados para atrair visitantes.
Cinco décadas de declínio
Em Dezembro, o Serviço Norte-Americano do Gelo previu que os cinco Grandes Lagos — Superior, Michigan, Huron, Erie e Ontário — teriam uma cobertura de gelo abaixo da média nesta época. Os lagos registaram temperaturas acima da média em Dezembro e espera-se que em Janeiro registem temperaturas igualmente mais quentes do que o normal.
O declínio da cobertura de gelo ao longo das últimas cinco décadas pode ser medido de várias maneiras, disse Kessler. Entre 1973 e 2017, a cobertura média de gelo dos Grandes Lagos diminuiu cerca de 70%, de acordo com uma análise da NOAA. No entanto, Kessler acautelou que esta estatística pode ser enganadora porque mede a variação percentual relativa, em vez do valor absoluto da cobertura de gelo.
Os Grandes Lagos registam também, cumulativamente, menos 46 dias congelados por estação — definidos como um dia em que pelo menos 5% da superfície do lago estava coberta de gelo — com as reduções mais significativas nos lagos Ontário e Superior, de acordo com a Agência de Protecção Ambiental.
Em média, o máximo anual é de cerca de 53%, com mais de metade dos Grandes Lagos cobertos de gelo. Segundo Kessler, esta percentagem também tem vindo a diminuir de forma constante, em média 5% por década, desde a década de 1970.
Uma publicação nas redes sociais, que já foi vista mais de um milhão de vezes, começou por destacar o ano ameno em termos de cobertura de gelo, embora tenha dito erradamente que os Grandes Lagos têm uma cobertura de gelo típica de 55%.
O valor mais baixo registou-se em 2002, quando a cobertura máxima de gelo para a época foi de 11,8%. Mas apenas cinco anos atrás, em 2019, a cobertura máxima de gelo era de 81%, entre as mais altas de todos os tempos, ilustrando a variabilidade anual que pode acontecer mesmo durante o declínio, disse Kessler. O cientista acrescentou que é difícil prever qual será o máximo deste ano.
"Mas o que podemos dizer é que há uma tendência clara [de decréscimo] e que a cobertura de gelo nos Grandes Lagos está a diminuir", afirmou.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post