O aquecimento global está a acelerar? Há cientistas que dizem que sim, o debate está lançado

Perante os últimos anos mais quentes, há climatologistas que acreditam que estamos num novo momento de aceleração do aquecimento global. Mas outros defendem que é demasiado cedo para se ter certezas.

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Ao longo das décadas, a humanidade tem vindo a lançar quantidades cada vez maiores de gases com efeito de estufa Mohamed Abd El/Reuters

Há vários anos que um pequeno grupo de cientistas tem vindo a alertar que em algum momento no início deste século, o ritmo do aquecimento global – que se tem mantido praticamente estável há décadas – poderá acelerar. As temperaturas poderão subir mais depressa. O ritmo dos desastres climáticos pode tornar-se mais acentuado. E agora, após o ano que se prepara para ser o mais quente desde que há registos, os mesmos especialistas acreditam que isso já está a acontecer.

Num artigo publicado no mês passado, o climatologista James E. Hansen e um grupo de colegas argumentaram que o ritmo do aquecimento global deverá aumentar 50% nas próximas décadas, com a consequente escalada dos impactos.

De acordo com os cientistas, o aumento da quantidade de energia térmica retida no sistema do planeta – o chamado “desequilíbrio energético” do planeta – irá acelerar o aquecimento. “Se houver mais energia a entrar do que a sair, fica mais quente, e se duplicarmos esse desequilíbrio, o aquecimento será mais rápido”, afirmou Hansen numa entrevista telefónica.

Zeke Hausfather, um cientista climático da Berkeley Earth, também classificou as temperaturas dos últimos meses como “absolutamente absurdas” e observou que “há cada vez mais provas de que o aquecimento global acelerou nos últimos 15 anos”.

Mas nem toda a gente concorda. O climatologista Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia, argumentou que ainda não é visível qualquer aceleração: “A verdade já é suficientemente má”, escreveu numa publicação no seu blogue. Muitos outros investigadores também se mantêm cépticos, afirmando que, embora esse aumento possa ser previsto em algumas simulações climáticas, não o vêem claramente nos dados obtidos do próprio planeta. Pelo menos, não o vêem para já.

O Washington Post utilizou um conjunto de dados da NASA para analisar as temperaturas médias globais obtidas à superfície entre 1880 e 2023.

O registo mostra que o ritmo do aquecimento acelerou claramente por volta de 1970. Há muito que os cientistas sabem que esta aceleração resulta de um aumento acentuado das emissões de gases com efeito de estufa, combinado com os esforços de muitos países para reduzir a quantidade de poluição atmosférica que tem também a capacidade de reflectir os raios solares. Mas os dados são muito mais incertos quanto ao facto de estar em curso uma segunda aceleração.

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Entre 1880 e 1969, o planeta aqueceu lentamente – a um ritmo de cerca de 0,04 graus Celsius por década. Mas a partir do início da década de 1970, o aquecimento acelerou, atingindo 0,19 graus Celsius por década entre 1970 e 2023.

Esta aceleração não é controversa. Antes das décadas de 1970 e 1980, além dos humanos queimarem combustíveis fósseis, também libertavam grandes quantidades de poluição atmosférica, os aerossóis. Os aerossóis de sulfato são partículas de cor clara que têm a capacidade de compensar temporariamente parte do aquecimento causado pelos combustíveis fósseis. Essas partículas reflectem a luz solar para o espaço e influenciam a formação de nuvens reflectoras.

Quanto mais aerossóis houver no ar, mais lentamente o planeta aquecerá: uma troca a que Hansen chama de “pacto faustiano”. A ideia é que, como os poluentes dos aerossóis têm efeitos perigosos para a saúde das pessoas, as sociedades mais cedo ou mais tarde acabam por decidir limpá-los – nesse processo de limpeza da atmosfera, é revelado um aquecimento dramático que já estava em curso.

No início e em meados do século XX, os países desenvolvidos estavam tão poluídos que o mundo estava a aquecer lentamente. “Era a época dos nevoeiros de Londres e da poluição extrema nos Estados Unidos”, afirmou Gabi Hegerl, climatologista da Universidade de Edimburgo. Um estudo recente publicado no Journal of Advances in Modeling Earth Systems concluiu que, na década de 1980, aquelas partículas compensavam cerca de 80% do aquecimento climático.

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No entanto, desde as décadas de 1970 e 1980, a influência da poluição por aerossóis estabilizou, graças, em parte, a políticas como a lei do ar limpo nos Estados Unidos de 1990. Ao mesmo tempo, as emissões de gases com efeito de estufa aumentaram – deixando os aerossóis incapazes de as acompanhar. O resultado é um planeta que está a aquecer muito mais depressa agora do que na primeira metade do século XX.

Mas os dados são mais obscuros quando se trata de saber se o ritmo do aquecimento nas últimas décadas acelerou ainda mais – esse aumento poderia acelerar os incêndios florestais, as inundações, as ondas de calor e outro tipo de impactos em todo o mundo. Poderão ser necessários mais anos de dados para ultrapassar os obstáculos estatísticos inerentes à ciência do clima.

“Acho que provavelmente precisamos de mais três ou quatro anos” de dados, disse Chris Smith, um cientista climático da Universidade de Leeds. "Neste momento, é um pouco cedo demais."

Os cientistas estão cautelosos, em parte, porque alguns chegaram à conclusão oposta há cerca de uma década. Nessa altura, alguns cientistas e muitos comentadores políticos sugeriam que o ritmo das alterações climáticas tinha estagnado ou estava a abrandar. A hipótese do que alguns chamaram de um “hiato” no aquecimento global nunca foi especialmente forte – e, em retrospectiva, não parece que a taxa de aquecimento tenha mudado substancialmente – mas serve como uma nota de precaução sobre declarações de que o aquecimento está a ficar mais rápido ou mais lento.

Para perceber por que razão as questões são actualmente ambíguas, considere-se a seguinte figura da “tendência das tendências”, baseada numa análise de Mark Richardson, um cientista climático do Laboratório de Propulsão a Jacto da NASA, que publicou um artigo estatístico no ano passado em que concluiu que a aceleração do aquecimento ainda não é claramente detectável.

Mark Richardson analisou cada tendência de 30 anos no registo de temperatura da NASA, começando com o período de 1880 a 1909 e terminando com o período entre 1994 e 2023. Valores mais elevados indicam taxas mais elevadas de aquecimento global. Aqui, mostramos o resultado do período entre 1941 e 1970 em diante, para melhor perceber como a taxa de aquecimento mudou na segunda metade do século XX, e se ainda está a mudar agora:

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Embora haja um indício de um aumento da taxa de aquecimento no final do registo, este não é nem de perto nem de longe tão pronunciado como a mudança que ocorreu desde 1970. Este facto ajuda a explicar por que razão muitos cientistas se mantêm, por enquanto, distanciados da hipótese de haver uma aceleração.

“A temperatura à superfície da Terra é apenas uma camada fina, e é fácil as temperaturas oscilarem muito”, disse Richardson. Por esta razão, os cientistas necessitam de mais tempo para ter a certeza de que uma mudança está a ocorrer, mudança essa que está para além das oscilações esperadas, acrescentou.

Mas alguns cientistas acreditam que os dados relativos à temperatura ainda não mostram uma aceleração iminente.

O papel dos navios

As recentes alterações nos aerossóis provocarão um forte aumento da taxa de aquecimento já nos próximos anos, argumenta James E. Hansen. Em 2020, a Organização Marítima Internacional instituiu uma regra que exige uma redução substancial do teor de enxofre do combustível dos navios. A poluição por aerossóis de sulfato proveniente da navegação oceânica diminuiu.

Grande parte do debate actual sobre se o aquecimento está a tornar-se mais rápido gira em torno das consequências destas mudanças marítimas, que têm o potencial de afectar a quantidade de calor que está a ser absorvida em enormes extensões dos oceanos do mundo.

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Os últimos anos têm sido marcados por intensas ondas de calor um pouco por todo o mundo ISABEL INFANTES/Reuters

James E. Hansen e os seus co-autores argumentam que a mudança nas emissões dos navios está a contribuir para um grande aumento do desequilíbrio energético da Terra – a quantidade extra de calor que permanece no sistema terrestre em vez de escapar para o espaço. Mas nem todos os cientistas concordam que as regulações de poluição para os navios oceânicos tenham tido um impacto tão grande.

Os dados sobre a temperatura da superfície global, por si só, ainda não apresentam uma imagem totalmente clara da aceleração, reconhece Hansen. Mas o investigador prevê que o farão em breve, uma vez que as temperaturas aumentam muito mais no actual El Niño. “No final da próxima primavera, já não haverá qualquer argumento, pois estaremos muito afastados da linha de tendência”, disse Hansen.

Alguns modelos climáticos também prevêem uma aceleração do aquecimento nos próximos anos, à medida que os aerossóis diminuem. “Embora haja cada vez mais provas de uma aceleração do aquecimento, não é necessariamente ‘pior do que pensávamos’ porque os cientistas já esperavam algo deste género”, disse Hausfather.

A maioria concorda que é demasiado cedo para dizer se a segunda aceleração está em curso. “Tentar estimar a taxa de aquecimento subjacente a partir de um curto período de tempo é muito difícil”, disse Andrew Dessler, um cientista climático da Universidade A&M do Texas. “O facto de se obter uma tendência que parece ser muito rápida não nos diz qual é a taxa de aquecimento subjacente.”