À medida que as alterações climáticas e a escassez de água se tornam questões cada vez mais urgentes em todo o mundo, os governos estão a recorrer a novas opções para garantir o abastecimento adequado de água - incluindo a transformação de resíduos de esgotos em água potável. E se estiver na Califórnia, a água poderá em breve sair da torneira da sua cozinha.
Este mês, o Conselho de Controlo dos Recursos Hídricos do Estado votou a favor da possibilidade de as empresas de água bombearem águas residuais tratadas para as torneiras dos residentes no populoso estado, propenso à seca. Em comunicado, o conselho disse que a decisão daria à Califórnia "os padrões mais avançados da nação para o tratamento de águas residuais, de tal forma que o produto final cumpra ou exceda os padrões actuais de água potável".
"Este é um desenvolvimento empolgante nos esforços contínuos do estado para encontrar soluções inovadoras para os desafios do clima extremo impulsionado pelas mudanças climáticas", disse Joaquin Esquivel, presidente do conselho.
Os membros aprovaram por unanimidade os novos regulamentos, após anos de discussões e pouco antes do prazo estabelecido há seis anos para que o Estado adoptasse regulamentos para a reutilização de águas residuais até ao final de 2023. Depois de as novas regras serem finalizadas no próximo ano, as empresas de água poderão apresentar planos para projectos a aprovar pelo conselho.
As novas medidas pouparão energia e beneficiarão o ambiente, disse Esquivel, acrescentando que "estes regulamentos asseguram que a água produzida é não só segura, mas também mais pura do que muitas fontes de água potável em que actualmente confiamos".
"Reutilização potável indirecta"
Muitas pessoas já estão a beber águas residuais tratadas, disse Esquivel, segundo a Associated Press. O que existe agora são águas residuais tratadas pelo que é conhecido como "reutilização potável indirecta", um processo em que as águas residuais são lançadas em corpos de água naturais, como reservatórios e rios, antes de serem transformadas em água potável.
A recente votação deste mês permite esse tratamento.
De acordo com os novos regulamentos aprovados, cuja versão foi apresentada num documento de 62 páginas publicado no início deste ano, qualquer água reciclada desta forma deve ser submetida a pelo menos três processos de tratamento separados e será monitorizada e tratada para detecção de agentes patogénicos.
Estes incluem a utilização de um "processo de ozonização" - a adição de gás ozono, um poderoso desinfectante oxidante - à água, seguido da adição de carvão biologicamente activado à água, de acordo com o documento. A água será então submetida a um processo de "osmose inversa", que remove fisicamente os contaminantes da água, e a um processo de oxidação avançado, no qual são adicionados produtos químicos como o peróxido de hidrogénio ou o cloro para limpar a água.
A nova política não obriga as empresas de água a distribuir água através da reutilização directa de água potável, mas permite-lhes fazê-lo, numa medida que poderá ajudar a conservar recursos escassos e a reduzir a quantidade de resíduos libertados nos mares e nos cursos de água naturais.
A Califórnia passou recentemente mais de três anos em seca, no meio de vagas de calor e incêndios florestais sem precedentes. Para lidar com a questão crescente da escassez de água, o governador Gavin Newsom apresentou no ano passado novas propostas de objectivos de reciclagem de água, que deverão custar 27 mil milhões de dólares até 2040, segundo a AP. O Distrito Metropolitano de Água do Sul da Califórnia, que fornece água para quase metade dos 39 milhões de habitantes do estado, já iniciou a construção de um grande projecto de reciclagem de água, informou a AP.
A ideia não é nova
A ideia de transformar resíduos em água potável não é nova. Windhoek, a capital da Namíbia - um dos países mais secos de África - tornou-se a primeira cidade do mundo a introduzir a reciclagem de águas residuais há mais de 30 anos, de acordo com a fábrica da cidade.
Singapura instalou um extenso sistema de filtragem que pode tratar cerca de 238 milhões de galões (900,9 milhões de litros) de água por dia, o suficiente para encher 350 piscinas olímpicas. A maior parte é destinada a operações industriais e a sistemas de refrigeração, mas outra parte é misturada na água potável da cidade-estado.
A Califórnia - onde, na década de 1990, propostas semelhantes foram ridicularizadas como "da sanita para a torneira" - também não é o único estado dos EUA a utilizar estas tecnologias, à medida que as comunidades se vão habituando a ideias que outrora provocaram indignação.
O Texas começou a operar a sua primeira instalação de reutilização directa de água potável em 2013, enquanto o Colorado introduziu directrizes para a utilização de águas residuais para consumo no início deste ano.
Na Grã-Bretanha - que tem enfrentado secas e temperaturas recorde, e onde os residentes se opuseram a planos semelhantes em 2013 - o director da agência ambiental do país disse no ano passado que as pessoas precisavam de se tornar "menos sensíveis" ao conceito.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post