Duas frases, um clima
Um balanço de um ano que começou com uma onda de calor no Inverno e terminou com o início do fim dos combustíveis fósseis.
Se me pedissem para escolher uma frase marcante do ano que agora termina, eu apontaria duas. Uma não é nova, mas foi repetida várias vezes em 2023: “Este vai ser o ano mais frio do resto das nossas vidas.” Refere-se ao inescapável facto de que, apesar de termos enfrentado temperaturas recorde e desastres climáticos em várias partes do globo, o futuro ainda será pior.
A outra soa como um triunfo: “Começou o fim dos combustíveis fósseis”. É uma frase de efeito excecionalmente eficaz, um fantástico sound bite. Foi lançada em setembro pela Agência Internacional de Energia (AIE), mas ganhou muito mais força com a última conferência climática da ONU — a COP28, em dezembro, no Dubai —, na qual quase 200 países concordaram com uma transição de “afastamento” do petróleo, gás natural e carvão. São completamente diferentes as razões que levaram a AIE a dizê-la ou a COP a adotá-la. Mas já lá vamos.
Combinar essas duas frases resulta num bicho de duas cabeças, sem sabermos qual vai à frente. Devemos ficar preocupados com a possibilidade de o termómetro global subir ainda mais, mas esperançosos de que começamos finalmente a caminhar no sentido certo? Ou ficar preocupados por não termos acabado antes com os combustíveis fósseis, mas com a secreta esperança de que os desastres causados pelo clima este ano tenham sido culpa exclusiva do El Niño?
Do ponto de vista climático, 2023 foi um ano em alguns aspetos extraordinário. Começou com uma ideia aparentemente absurda: uma onda de calor na Europa em pleno inverno. No dia 1 de janeiro, as temperaturas atingiram valores inéditos em muitos países, como a Polónia, República Checa, Dinamarca, Países Baixos, Lituânia, Letónia. Na cidade de Delémont, a norte dos Alpes suíços, registaram-se 20,9 graus Celsius — quando a média das temperaturas máximas nesse mês é de 4,5 graus. Em Portugal, em alguns locais, bateram-se recordes de maiores temperaturas mínimas. Em Sines, na primeira noite do ano, os termómetros não desceram abaixo dos 17,4 graus.
O ano terminou novamente em calor na Europa, com Málaga, em Espanha, a escaldar com 29,9 graus a 12 de dezembro. Ironicamente, nesse mesmo dia, cerca de 100 mil pessoas despediam-se da COP28 no Dubai, cuja principal missão era definir novos rumos no combate às alterações climáticas.
Entre janeiro e dezembro, sucederam-se desastres aos quais já nos habituámos, mas com novos recordes. O Canadá teve o seu pior ano de fogos. Lavraram durante meses e consumiram 5% da floresta do país. Na Grécia, registou-se o maior incêndio florestal de sempre na Europa — com quase 80 mil hectares ardidos. Julho foi o mês mais quente jamais registado na Terra desde 1850, data a partir da qual há registos meteorológicos suficientes para se calcular a temperatura média global. Mas alguns especialistas acreditam que terá sido o mês mais quente em pelo menos 120 mil anos.
O limite está à vista
Também foi em julho que a presença do El Niño foi declarada oficialmente pela Organização Meteorológica Mundial. O El Niño é o resultado de um jogo de empurra entre os ventos e o oceano Pacífico, ao longo da linha do equador. Normalmente, o vento sopra as águas superficiais e quentes para oeste, rumo à Ásia e Austrália, fazendo emergir a leste, junto à costa ocidental da América do Sul e América Central, águas frias do mar profundo. Mas, em alguns anos, os ventos não têm força suficiente, e a água quente acumula-se no centro ou Leste do Pacífico, provocando distúrbios meteorológicos à escala global.
É um processo natural e cíclico, com o qual convivemos desde sempre. O climatologista Ricardo Trigo, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, explica que é normal que um El Niño forte exacerbe as temperaturas médias do globo e provoque alterações nos padrões de precipitação. “Isso era assim há 20 ou 50 anos, e será assim daqui a 20 ou 50 anos. Mas o clima de base começa a ser profundamente diferente”, alerta. Na prática, os efeitos do El Niño recaem agora sobre um mundo com os termómetros já em alta e um oceano aquecido como uma banheira.
O certo é que 2023 já vestiu, por antecipação, a desconfortável coroa do ano mais candente desde a era pré-industrial, destronando o anterior do recorde, 2016, por larga margem. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, só com as contas de janeiro a outubro, a temperatura média global já ia em 1,40 graus Celsius além da média de 1850-1900 — contra 1,29 graus em 2016. O mês de novembro foi excecionalmente quente, segundo o serviço de monitorização das alterações climáticas do programa europeu Copernicus, possivelmente aumentando aquele valor. Os números de dezembro já não poderão tirar 2023 do pódio.
Segundo o Copernicus, o limite de 1,5 graus Celsius, que não devemos ultrapassar se quisermos evitar consequências catastróficas das alterações climáticas, foi superado em mais de um terço dos dias ao longo dos 11 primeiros meses do ano. E, pela primeira vez, o aquecimento esteve acima de 2,0 graus em dois dias de novembro.
O Acordo de Paris, o tratado de 2015 que orienta a diplomacia climática internacional, estabeleceu que todos os países têm de fazer esforços para manter o aquecimento global “bem abaixo” dos 2,0 graus — e, se possível, não ultrapassar 1,5. Para o cidadão comum, sempre foram números abstratos, de algo que poderia acontecer mais à frente, daqui a décadas, ou mesmo lá para o fim do século. Mas não. O limite está aí, à nossa vista. Em 2023, o mundo experimentou, pela primeira vez, o que é viver boa parte do ano com 1,5 graus acima do que os termómetros mostravam há um século e meio.
Sustos que mobilizam
Cerca de 21 mil pessoas morreram entre janeiro e o princípio de dezembro em 294 desastres climáticos registados na base de dados EM-DAT, da Universidade de Lovaina, na Bélgica. Pouco mais de metade foram vítimas da passagem, em setembro, da tempestade Daniel pela Líbia, que causou o colapso de duas barragens, provocando horrendas inundações. Foi o quinto ano mais letal desde 2000, mas os números não estão fechados, nem são totalmente precisos.
Segundo a base EM-DAT, o pior ano foi 2008, devido ao ciclone Nargis, que causou quase 140 mil mortes na Birmânia. A seguir, vêm 2003, 2022 e 2010, devido a verões trágicos na Europa, onde os óbitos em ondas de calor são calculados a partir do excesso de mortalidade face ao que seria expectável. Nos Estados Unidos, onde 60% da população esteve sob alertas de temperaturas altas no final de julho deste ano, as estatísticas mostram apenas as mortes em que o calor é mencionado de facto como causa na certidão de óbito. Vários episódios de calor extremo ocorreram este ano também em outros países – como a China, Índia, Bangladesh, Nepal, Vietname, Coreia do Sul e Hong Kong – onde a contabilidade das mortes causadas ou não pela temperatura segue os mesmos critérios ou nem sequer existe.
Os efeitos do ano quente de 2023 multiplicaram-se em muitos outros desastres, somando, até agora, cerca de 60 milhões de pessoas afetadas, segundo a base de dados EM-DAT. Muitos tiveram efeitos transfronteiriços. As imagens de Nova Iorque envolvida no fumo alaranjado dos incêndios no Canadá, em junho fizeram a capa de jornais em muitos países – muito mais do que a seca persistente e avassaladora com que os países do Corno de África começaram o ano.
Sustos como estes, especialmente em países desenvolvidos, têm um elevado poder de comunicação, como se fossem alguém a dizer: “Olhem o que pode acontecer se não fizermos nada.” Mobilizam a atenção pública para a crise climática, mesmo que pontualmente. Em 2005, foi preciso um furacão, o Katrina, para despertar os Estados Unidos da letargia alimentada pela atitude anti-clima da administração George W. Bush e pelos desdobramentos do 11 de Setembro. Mesmo a Europa, com as suas políticas climáticas progressistas, foi sacudida violentamente pela extraordinária onda de calor que matou mais de 70 mil pessoas no continente em 2003. O calor numa cidade, país ou região, como todos o enfrentam ao mesmo tempo, é uma das consequências mais democráticas do aquecimento global.
Foi, aliás, no meio de uma outra crise – uma seca devastadora nos Estados Unidos, no final dos anos 1980 – que o tema das alterações climáticas saltou do meio académico para a ribalta, quando o cientista James Hansen, da NASA, explicou ao Senado norte-americano como os gases com efeito de estufa estavam a aquecer o planeta. No dia seguinte, a capa do New York Times trazia a seguinte manchete: “Começou o aquecimento global, diz ao Senado um especialista.” E um artigo adicional titulava: “Corte drástico na queima de combustíveis fósseis é necessário para combater a mudança climática.”
Isso aconteceu em 1988. Só agora, 35 anos depois, somos capazes de declarar que “começou o fim dos combustíveis fósseis”. Porque demorámos tanto?
Travar um comboio com as mãos
A resposta mais óbvia é a de que livrarmo-nos dos combustíveis fósseis de uma hora para outra, de tão entranhados que estão em tudo o que fazemos no dia a dia, é como tentar parar um comboio em alta velocidade só com a força das mãos. Em 2022, o petróleo, o carvão e o gás natural abasteceram 82% do consumo mundial de energia primária, segundo dados do Energy Institute.
Com tamanha procura, é um bom negócio do qual ninguém está disposto a abrir mão facilmente. Três em cada cinco barris de petróleo produzidos por dia vêm do Médio Oriente e da América do Norte. Os Estados Unidos são hoje os maiores produtores, seguidos da Arábia Saudita. Por ora, o único país que parece disposto a renunciar a reservas importantes é a Colômbia. Em janeiro deste ano, o Presidente Gustavo Petro anunciou que mais nenhum contrato de exploração seria assinado. E em dezembro, durante a COP28, a Colômbia juntou-se aos países que defendem a adoção de um tratado de não-proliferação dos combustíveis fósseis.
No vizinho Brasil, o 9.º maior produtor de petróleo, a situação é diferente. A descoberta de novas reservas aumentou em cinco vezes a produção de petróleo e em seis vezes a de gás natural nos últimos 30 anos. Agora, discutem-se novas explorações na sensível foz do rio Amazonas. Durante a COP28, o Presidente Lula da Silva confirmou que o país irá participar, como observador, na OPEP+, um grupo de países associados ao núcleo duro da Organização dos Produtores e Exportadores de Petróleo.
Uma das lições aprendidas nas últimas três décadas é a de que as COP – as conferências climáticas da ONU – são o pior fórum para se tomar decisões radicais. A COP é a reunião anual das 198 partes (197 países, mais a União Europeia) que subscreveram, em 1992, a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. No princípio, até produziram frutos rapidamente. Em cinco anos, na COP3, adotou-se o Protocolo de Quioto, obrigando os países desenvolvidos a reduzirem as suas emissões de CO2. A partir daí, começaram a patinar. Só em 2015, na COP21, é que se conseguiu chegar a um tratado, o Acordo de Paris, que verdadeiramente junta os esforços de todos os países – ainda que voluntários – para combater o aquecimento global.
Oito anos depois, o que se atingiu na COP28 foi finalmente compreendido como o “princípio do fim dos combustíveis fósseis”. Na verdade, o que está na decisão final da conferência do Dubai é apenas um “apelo” aos países para que contribuam para uma “transição” que nos afaste dos combustíveis fósseis. Não há compromissos formais de ação, apenas um convite para que cada um ajude como puder – promovendo as renováveis, construindo centrais nucleares ou capturando o CO2 à saída das chaminés para o enterrar no solo. Foi o que se conseguiu para assegurar o acordo de todos os países, dado que as decisões das COP têm de ser tomadas por unanimidade.
Uma nova diplomacia climática
“Procurar um consenso global faz com que o menor denominador comum seja o mais baixo possível”, escreveu recentemente Simon Sharpe, diretor de Economia do programa Climate Champions da ONU e investigador do World Resources Institute, num artigo da revista Prospect.
Muitos, como Sharpe, defendem uma nova diplomacia climática, baseada não em metas globais, difíceis de se atingir, mas em ações setoriais, mais realizáveis. E é o que tem vindo a acontecer nos últimos anos, com o surgimento de acordos paralelos ao processo negocial das COP, entre países dispostos a assumirem determinados compromissos, sem esperarem pelas difíceis decisões consensuais. São clubes de voluntaristas, aos quais adere quem quiser.
A COP26, em Glasgow, foi marcada por tais acordos: 137 países comprometeram-se a acabar com a desflorestação até 2030 e 130 assinaram um compromisso para reduzir em 30% as emissões de metano até 2030. Houve também compromissos setoriais, envolvendo países, instituições, empresas, cidades, para os carros elétricos, para a redução do uso do carvão e para o financiamento climático.
Na COP28, pelo menos dez novas declarações, parcerias ou coligações foram oficialmente anunciadas, abrangendo áreas tão variadas como eletricidade, financiamento, saúde, género, transição justa, hidrogénio, sistemas de arrefecimento ou natureza. Uma delas reúne 130 países à volta de compromissos muito mais concretos para triplicar as energias renováveis e duplicar o ritmo de aumento da eficiência energética até 2030, do que os que foram incluídos na declaração final da COP28, aprovada por consenso. “As alianças entre os disponíveis podem iniciar transições. As alianças entre os influentes podem levá-las a ultrapassar um ponto a partir do qual se tornam autossuficientes”, avalia Sharpe.
Sharpe faz parte de um grupo de reflexão sobre o tema, envolvendo outros investigadores, diplomatas e dirigentes de think tanks. Há um ano, num artigo na revista Foreign Affairs, antes da COP27, quatro deles – Arunabha Ghosh, Artur Runge-Metzger, David G. Victor e Ji Zou – defenderam a mesma diplomacia climática alternativa, centrada numa abordagem setorial, à volta de compromissos entre alguns, não necessariamente todos. “Requer a cooperação, pelo menos inicialmente, entre líderes industriais, investidores, trabalhadores e governos que estejam mais alinhados para uma transição mais rápida”, escreveram.
Perguntei a um deles, David Victor, professor de Inovação e Políticas Públicas na Universidade da Califórnia, se esses acordos paralelos de cooperação não significam que o processo formal das COP está a morrer. “Não. É um sinal de que a ‘nova teoria da mudança’ está a funcionar. A diplomacia é boa para atrair a atenção, mas a maior parte do trabalho real precisa de ser feito por empresas e governos, em lugares-chave para liderar a ação, criando realidades no terreno”, respondeu Victor. “O papel desses acordos laterais não é estabelecer limites ou normas que têm de ser cumpridos. Antes, servem para mapear o caminho para um futuro possível. A ênfase no cumprimento é uma visão antiga do mundo e em como se faz o progresso – uma visão que falhou”, completou.
Maquilhar o fracasso
Francisco Ferreira, da organização ambientalista Zero e um veterano das COP, entende que os acordos paralelos são bem-vindos, mas que é preciso haver uma forma de escrutiná-los. “Têm de ser transparentes e com informação e objetivos claros. E, se assim não for, devem ser denunciados publicamente como greenwashing ou aproveitamento abusivo”, afirma. “Estes acordos, no entanto, não se devem nunca substituir às decisões da COP, que têm um carácter formal”, completa.
Stela Herschmann, coordenadora adjunta de Política Internacional do Observatório do Clima, no Brasil, pensa de forma semelhante. Os acordos paralelos, disse-me Herschmann, têm um lado positivo pela possibilidade de antecipar algumas ações. Mas não há nenhuma padronização de transparência, de acompanhamento.
Tais acordos, segundo a mesma especialista, estão a mudar a dinâmica das COP, mas não necessariamente no bom sentido. “Dá a impressão, para o público, de que as coisas estão a avançar, e talvez por isso os países anfitriões gostem tanto de ter esses acordos em paralelo, para não parecer que a COP daquele país foi um fracasso”, diz a especialista. A COP, defende Herschmann, apesar de lenta e burocrática, continua a ser o melhor sistema, sobretudo por ser um fórum democrático, onde todos os países têm voz igual.
Durante a COP28, no Dubai, ouvi do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, uma avaliação esperançosa. “Vivemos uma crise do sistema multilateral. Neste quadro de crise, apesar de tudo, há muita vontade de demonstrar que, naquilo que interessa a todos, conseguimos juntar-nos”, disse-me o ministro, apontando o exemplo do tratado internacional, aprovado este ano, para a proteção da biodiversidade nas áreas do oceano que estão além das jurisdições nacionais.
Cravinho talvez tenha uma dose de razão. No entanto, parece-me mais fácil aprovar um acordo sobre a proteção de um bem que é de todos, mas não é de ninguém – como o alto-mar –, do que um acordo que mexe com a forma como cada país gere os seus próprios recursos, dentro do seu território, que é o que está em causa nas negociações climáticas.
Com ou sem acordos, globais ou paralelos – ou talvez movidos por aqueles a que, bem ou mal, se conseguiu chegar –, a verdade é que, apesar de tudo, há muita coisa a acontecer no sentido certo. A COP28, em dezembro, declarou apenas simbolicamente que “começou o fim dos combustíveis fósseis” – porque não há nada nas suas decisões que garanta que assim será. Mas quando a Agência Internacional de Energia (AIE) disse o mesmo, três meses antes, foi por uma razão muito concreta. Na sua avaliação anual do panorama energético mundial, e com base nas políticas atualmente existentes, a AIE chegou à conclusão de que a procura por combustíveis fósseis atingirá o seu pico antes de 2030 – ou seja, daqui a poucos anos. E a partir daí, começará a cair. É uma novidade absoluta, baseada em análises reais do que está a acontecer na prática.
Avanços no sentido certo
O mercado, em parte estimulado por incentivos dos governos, é um dos principais motores dessa mudança. Quase todas as tecnologias renováveis para a produção elétrica – eólicas onshore, solar fotovoltaico, geotérmica, hidroelétrica, biomassa – são hoje mais baratas do que as baseadas em combustíveis fósseis, segundo a avaliação mais recente da Agência Internacional de Energia Renovável. As renováveis serão a maior fonte de produção elétrica em 2027, ao nível global, ultrapassando o carvão, nas contas da Agência Internacional de Energia. O solar fotovoltaico está a crescer exponencialmente e assumirá em breve a posição de principal tecnologia, em capacidade instalada. Por cada dólar investido em combustíveis fósseis hoje, cerca de 1,6 dólares são investidos em energias limpas.
São boas notícias. Porém, ainda não é o suficiente. A maior parte do investimento em energias limpas está a ser direcionada para tecnologias maduras, como o solar ou a eólica, onde os negócios são relativamente seguros no longo prazo. Outras soluções, porém, serão necessárias para a descarbonização em outros setores, em particular nos transportes, e nessas o grau de risco não é tão atrativo ao investimento. Nos transportes rodoviários, tem havido avanços rápidos. Em 2017, foi vendido um milhão de carros elétricos no mundo. Em 2022, foram dez milhões – 14% das vendas totais. Mas na aviação e nos transportes marítimos a tecnologia ainda está a dar os primeiros passos.
Tudo somado, podemos, sim, dizer que estamos no início do fim dos combustíveis fósseis, embora não consigamos ver em que ponto do futuro esse fim assentará. Já afirmar que 2023 foi o ano mais frio do resto das nossas vidas é mais um alerta do que uma certeza – sobretudo porque a temperatura média global varia naturalmente ano a ano, embora a tendência geral seja de subida.
O que se sabe é que, no longo prazo, o cenário não é animador. Se os planos climáticos que todos os países apresentaram desde a assinatura do Acordo de Paris forem cumpridos à risca, ainda assim a temperatura global subirá entre 2,1 e 2,8 graus ao longo desde século, face aos níveis pré-industriais, segundo um balanço global concluído este ano pela ONU. As emissões de gases que aquecem o planeta poderão cair 5% até 2030, face aos níveis de 2019. Mas é preciso uma redução de 43% para se garantir que a barreira de 1,5 graus não seja ultrapassada.
A julgar por 2023, não parece que o venhamos a conseguir. O El Niño vai-se prolongar 2024 adentro, e já há previsões de que o próximo ano poderá cruzar o limite crítico do aquecimento global. Se assim for, será o primeiro ano das nossas vidas num mundo tão quente quanto o que queríamos evitar.