Seis cascos únicos da Barbeito para assinalar 20 anos a guardar “pequenos tesouros”

Ricardo Freitas lançou seis Madeira single cask para assinalar as duas décadas que já leva a vinificar uvas de vinhas especiais e a transformá-las em vinhos únicos que, diz, se limita a “guiar”.

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A Barbeito em Novembro apresentou seis novos vinhos Madeira de casco único, vários também são de vinhas únicas
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Já é habitual Ricardo Diogo Freitas lançar meia dúzia de vinhos 'novos' de uma assentada, pelo que desta vez não foi diferente. O que foi diferente foi apresentar logo seis vinhos Madeira single cask, ou casco único — que quer dizer exactamente isso, que o vinho é proveniente de um só casco. Também nisso, o homem da Barbeito foi pioneiro. E, entre esses seis, o primeiro frasqueira (vinho Madeira de um ano específico, envelhecido durante pelo menos 20 anos) que fez.

Mas, mais interessante do que terem envelhecido num só casco, são as vinhas que deram origem a estes "pequenos tesouros". As que ainda existem, já que algumas, infelizmente, foram abandonadas e deram lugar a outra coisa; nesse caso, o valor está só mesmo no pouco vinho que Ricardo engarrafou.

Dois dos seis lançamentos são single casks da mesma casta, Boal, mas de anos (2005 e 2008) e origens diferentes na costa Sul da ilha da Madeira (Vinha do Charlot e Vinha da Torre, respectivamente). E Ricardo colocou-os juntos na prova precisamente para mostrar também as virtudes do conceito de vinha única. "Estes vinhos são da mesma casta, mas mostram diferenças que na minha perspectiva resultam de as vinhas serem diferentes e de serem de lugares muito diferentes."

Estão a 30 minutos de carro uma do outra, mas ali, como noutras regiões, "os microclimas têm uma grande influência sobre o vinho" que é produzido. O Boal da Vinha do Charlot, nos Prazeres, uma "zona extremamente seca" na Calheta, que dá pelo nome, imagine-se, de Jardim Pelado, é (também) por isso mais estruturado. O Boal da Vinha da Torre nasceu em terra de nevoeiro, mais próximo do mar, no Campanário, em solos menos secos e que conferem outra acidez aos vinhos. Se isso não é a definição de terroir, o que é?

De resto, se o enólogo e produtor gosta de um vinho, esse vinho é para engarrafar, dê poucas ou muitas garrafas. Quase sempre, poucas. "Todos os vinhos de casco único obedecem apenas a uma coisa: se gosto do vinho, eu vou engarrafar." Mais nada. Daquelas teimosias que dão certo.

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Ricardo Diogo Freitas começou a fazer vinhos na sua Barbeito há uns 20 anos e resolveu assinalar a data com seis novos lançamentos; esta foto foi tirada no evento de Lisboa, no Solar dos Presuntos Matilde Fieschi

Como deu certo mudar o desenho que os arquitectos tinham feito para a adega que estreou em 2008. Durante a obra do edifício situado no Parque Industrial de Câmara de Lobos (no Estreito), e construído em betão com telhado de zinco — propositadamente, para acelerar a evolução do vinho, sobretudo dos cascos que ficam no topo do canteiro, sistema que 'empilha' quatro níveis de pipas de 600 e tal litros, num total que ultrapassa os 200.000 litros de vinho —, Ricardo deu conta de "que vinha imenso vento frio do lado do Cabo Girão". Achou "que seria útil, e acabou por ser muito útil", diz, rasgar para aquele lado janelas, que hoje o ajudam a "filtrar os vinhos pela natureza", contrariando a ideia de que "os armazéns de canteiro são quentes". "São quentes para quem quiser", vaticina.

Se o armazém for demasiado quente, há "um desequilíbrio enorme entre a concentração de acidez e do açúcar"; se o armazém for mais fresco, o produtor consegue aproximar os dois. "Esta é a minha forma de controlar e manter o estilo dos meus vinhos, que são mais elegantes, com boa acidez, e que mantêm um certo equilíbrio." Modesto, explica que, "claro", teve "sorte em descobrir" isso, por ter começado a "trabalhar com cinco armazéns diferentes, uma loucura autêntica".

É também interessante perceber o engenho (e engenharia) de quem, como explica o produtor, "guiou" os vinhos. "Acho que o vinho de Madeira não é um vinho que precise de intervenções. Precisa de um bom guia. E com o tempo, uma pessoa vai sendo um guia cada vez melhor. E as pipas estão aqui para serem guiadas."

Explicamos. É que, uma vez feito e fortificado o vinho, a equipa da Barbeito faz um insano trabalho de movimentação de pipas daqui para acolá e vice-versa — descrito, parece um jogo de Tetris, andam todo o ano naquilo, e entre os três armazéns que Ricardo manteve de outros tempos. Mais uma vez, o objectivo é acelerar ou desacelerar a evolução que acontece dentro dos cascos de madeira e, em muitos casos, dar uma surpreendente frescura e outro vigor a vinhos que, de outra forma, ficariam chatos.

"E, se o vinho vai ser o casco único, não é o vinho que se movimenta", ressalva. "É a pipa. Ou já não seria casco único. E nestes últimos 15 anos, com o sucesso dos cascos únicos, tenho tido sempre essa preocupação. Alguns dos vinhos que aqui estão têm duas letras: significa que o vinho e o casco passaram em mais do que um armazém", explica.

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Ricardo Diogo Freitas, na apresentação dos últimos lançamentos dos Vinhos Barbeito em Lisboa Matilde Fieschi
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Os seis cascos únicos que a Barbeito lançou foram engarrafados entre Junho e Setembro, as referências com mais unidades têm 1.300 garrafas Matilde Fieschi

Em Novembro, Ricardo apresentou então, em Lisboa e no Porto, e por esta ordem, os single casks Vinha da Laje Sercial 2015, Lagar das Vinhas das Mantas Tinta Negra 2008, Vinha da Torre Boal 2008, Vinha do Charlot Boal 2005, Malvasia Cândida 2006 e Verdelho 1993 — o frasqueira, que entrou poucos dias depois na nossa lista de prendas de Natal que chegam engarrafadas e que aqui recuperamos, agora com a pontuação que nos mereceu. Para além desse, impressionaram-nos, particularmente, o Tinta Negra e o Malvasia Cândida, o segundo sobretudo por estarmos perante algo irreplicável — já que a vinha onde tem origem é também a única em que esta variedade histórica, transportada de Creta para a Madeira no século XVI, ainda existirá.

Sobre o Tinta Negra, diz Ricardo que ainda tem para lá "guardados vinhos de 2007 e 2008" das vinhas velhas do senhor Afonso, as mesmas que dão origem ao casco único que lançou agora, e que está convencido que terão "uma evolução superior" à de outros vinhos da mesma variedade que tem nos seus armazéns. "Pelo que vejo, o potencial de envelhecimento vai ser bastante grande, não é na garrafa, mas são as pipas que eu ainda lá tenho." É esperar, para confirmar.

Nome Barbeito Vinha da Laje Sercial 2015

Produtor Barbeito

Castas Sercial

Região DOP Madeira

Grau alcoólico 18,7%

Preço (euros) 49 (garrafa de 50 cl)

Pontuação 90

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova Casco único de uma vinha única. E pequena. Situada no Seixal, fica muito próxima do mar bravo do Norte da ilha da Madeira — o suficiente para em Setembro já conseguir regar as vinhas — e "não produz mais do que 1.000 / 1.200 quilos no máximo", conta o produtor e enólogo Ricardo Diogo Freitas. O vinho que dá não enche dois daqueles cascos de 600 e poucos litros que a região sempre usou. Pouco expressivo no nariz, fez-nos lembrar casca de laranja e amêndoa. Na boca, sendo um vinho doce, é dos Madeira mais secos (40 g/L por litro) que já provámos, mesmo para Sercial (que dá sempre os Madeiras mais secos) e mesmo para o estilo da Barbeito. Talvez por isso não se perceba logo que a acidez é baixa. A sensação de frescura está lá na mesma, mas o vinho deve estar à temperatura recomendada: entre 11 e 13 graus. É leve, seco (nessa medida) e elegante. Um original, que ganhará com a maridagem gastronómica. Para beber "jovem", aconselha o produtor. Deste, havia, há algumas semanas, 1022 garrafas (50 cl).

Nome Barbeito Lagar das Vinhas das Mantas Tinta Negra 2008

Produtor Barbeito

Castas Tinta Negra

Região DOP Madeira

Grau alcoólico 19,3%

Preço (euros) 48 (garrafa de 50 cl)

Pontuação 93

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova Outro casco único (o 198 E) de vinha única. Sai do "segundo lagar" que Ricardo Diogo Freitas fez na adega 'nova' da Barbeito, no Estreito de Câmara de Lobos. As lagaradas na região já foram tradição, como noutros pontos do país, mas desapareceram das casas de vinho Madeira nos últimos 30 a 40 anos. E, em 2007, o produtor e enólogo engendrou um lagar mecânico em inox, que ainda será único na ilha, a pensar precisamente na Tinta Negra, e a princípio só nela. Acontece que este vinho nasce de uma improvisação para processar mais uva: Ricardo foi àqueles bidões plásticos de 1.000 litros, cortou-os e transformou-os numa espécie de lagares para a pisa. A segunda particularidade deste vinho é que ele nasce de uma vinha biológica (e foi fortificado com álcool biológico, apesar de não ser um vinho biológico — e isso dava outro artigo), próxima da adega, a 550 metros de altitude, "com 117 anos, bem contadinhos", produtiva ("parece uma floresta") e cuidada pelo senhor Afonso. A vindima, no início de Outubro, deu um vinho com este nariz de nozes, alguma flor e folha de tabaco. Na boca, uma acidez refrescante, vigor incrível (que, dizem os mais entendidos, seria difícil imaginar num Tinta Negra), elegante e equilibrado, com um depois fino e persistente. Foram engarrafadas 1.043 unidades.

Nome Barbeito Vinha da Torre Boal 2008

Produtor Barbeito

Castas Boal

Região DOP Madeira

Grau alcoólico 19,2%

Preço (euros) 48 (garrafa de 50 cl)

Pontuação 92

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova É o terceiro vinho que Ricardo Diogo Freitas engarrafa da Vinha da Torre, plantada em 1998 e que fica no Campanário, freguesia da Ribeira Brava e uma das zonas históricas da produção de Boal na Madeira — dava "os vinhos mais finos" e quem tiver a felicidade de encontrar uma garrafa dessas com a inscrição "Campanário" é agarrar, conselho do produtor. É feito com uvas da vinha de um senhor que já faleceu, João dos Reis, mas cujos filhos dão hoje continuidade à antiga amizade da família com Ricardo Diogo Freitas — o produtor diz que é "sorte", mas já não demasiadas as histórias ?deste género que tem para contar. O vinho tem um belíssimo nariz, fruta macerada, nozes, algumas notas de fumo. É um Madeira elegante e cítrico, com 85 g/l de açúcar e acidez vibrante, que virá das condições edafoclimáticas da vinha, onde há nevoeiro e os solos são menos secos que noutros pontos da ilha. Final fumado e com um melado que perdura. O enólogo e produtor da Barbeito acredita que dará um "excelente frasqueira" dentro de alguns anos. Conseguimos antever isso. 857 garrafas de 50 cl e 60 magnum.

Nome Barbeito Vinha do Charlot Boal 2005

Produtor Barbeito

Castas Boal

Região DOP Madeira

Grau alcoólico 19,3%

Preço (euros) 53 (garrafa de 50 cl)

Pontuação 92

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova De um dourado que brilha, este Madeira tem um nariz mais exuberante que o outro Boal que provámos na mesma ocasião, de 2008 e da Vinha da Torre, com aromas frescos, a laranjeira, fruta branca de caroço e nozes. E é um Boal mais estruturado, com um lado de caramelo que a acidez equilibra. Final longo e um quê picante. Este é um dos tais cascos únicos que, em nome da frescura e da elegância que a Barbeito procura, envelheceu em dois armazéns diferentes, o D e o E (é isso que quer dizer a inclusão de letras, junto ao número do casco, no rótulo). As uvas deste Boal também vêm de uma vinha única, a Vinha do Charlot, no Jardim Pelado, na soalheira Calheta, e que era de Manuel Sardinha Duarte. Também nesta parceria são hoje os filhos do senhor Manuel a tratar com Ricardo Freitas. 1300 garrafas.

Nome Madeira Barbeito Malvasia Cândida 2006

Produtor Barbeito

Castas Malvasia Cândida

Região DOP Madeira

Grau alcoólico 19,12%

Preço (euros) 55 (garrafa de 50 cl)

Pontuação 93

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova Só existe uma vinha na Madeira com aquela que, dizem, terá sido a primeira variedade a chegar à ilha. E esse "pequeno tesouro" fica na Fajã dos Padres (um paraíso à beira-mar plantado, no concelho de Câmara de Lobos). Os vinhos que saem dali, ao contrário de outros, em que a Barbeito compra as uvas e depois as vinifica, nascem de uma parceria com o produtor Mário Jardim Fernandes, possível graças a uma relação que vem do tempo do avô de Ricardo Diogo Freitas. Mas este Malvasia Cândida já foi feito segundo dos "métodos" do enólogo da Barbeito, que, logo na estreia, fez uma vindima excepcional em quantidade (três vezes superior às melhores vindimas num lugar onde a média ronda os 700 quilos por campanha), para a seguir... se esquecer do vinho num tanque de aço inoxidável durante dois anos. Essa espécie de cápsula do tempo em que ficou deu-lhe uma frescura que balanceia a doçura que tem (104 g/l). No nariz, exala um bouquet intenso, com várias nuances, uva-passa, noz-moscada, houve quem dissesse marmelo, ligeiro verniz. Mais doce que outros Barbeito, é um Madeiro cheio e com uma acidez firme que o equilibra na boca, melada e picante ao mesmo tempo, longa. 1.170 garrafas.

Nome Madeira Barbeito Verdelho 1993 Frasqueira

Produtor Barbeito

Castas Verdelho

Região DOP Madeira

Grau alcoólico 19,32%

Preço (euros) 168 (garrafa de 50 cl)

Pontuação 94

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova Para uma quadra de festa, um vinho de celebração. Ricardo Diogo Freitas lançou recentemente seis ‘novos’ cascos únicos, todos excepcionais, mas este Verdelho 1993 é dos seus primeiros vinhos e inaugura a intenção do produtor de continuar a engarrafar frasqueiras de casco único. Nasce de uma de várias experiências que o madeirense fez quando agarrou os destinos da Barbeito (“para aprender”) e foi engarrafado, em boa hora, para não se perder. Feito de uvas do Arco de São Jorge, de vinhas que já não existem, estagiou em dois armazéns, primeiro um quente e depois outro mais fresco. Com uma bonita cor âmbar, no nariz exala frescura e sugere nozes, aquelas tiras de laranja confitada, misturadas com o fumo da madeira. Na boca é seco (para um Madeira; tem 60 g/l de açúcar), contracorrente e com acidez q.b. Belíssimo e longo final. Ricardo só engarrafou 300 garrafas de meio litro.

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